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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

NATÁLIA CORREIA E A FIGUEIRA DA FOZ – POR ANTÓNIO VALDEMAR

 


Natália Correia e a Figueira da Foz – por António Valdemar, in O Figueirense

Herdeira de parte da fabulosa biblioteca e colecção de arte de Cardoso Martha que foi amigo da mãe e, durante alguns anos, professor de Natália consolidando as bases culturais que, rapidamente, a lançaram para grandes voos literários.

O centenário do nascimento de Natália Correia que decorre a 13 de Setembro já começou a ser assinalado nos Acores, em Lisboa e noutras cidades a que ficou ligada, quer pelas referências que existem na sua obra, quer por amigos e admiradores confessos oriundos desses locais. É o caso da Figueira da Foz.

Ao aproximarmo-nos de Natália e da sua circunstância, podemos começar por salientar que nasceu a 13 de Setembro de 1923, nos Acores, na Fajã de Baixo, uma freguesia do interior, próximo de Ponta Delgada. Pai e mãe entraram em ruptura quando Natália tinha alguns meses. O pai emigrou para o Brasil.

A mãe de Natália, a professora primária Maria José Oliveira, formara-se no ideário cívico e cultural da I Republica, adoptou princípios laicos e tendências libertárias, o que era invulgar na época e muito mais invulgar nos Acores. Desde sempre, preocupou-se com a educação das filhas incutindo-lhes os valores da democracia e a aproximação com a modernidade. Radicou-se, em 1934, definitivamente, em Lisboa.

Quis dar as filhas, para triunfarem na vida, as oportunidades que não existiam nos Acores. Natália ainda passou pelo Liceu de Ponta Delgada; frequentou em Lisboa, o Liceu Filipa de Lencastre, mas sem qualquer aproveitamento. Mostrou-se refrataria aos métodos de ensino.

Maria José Oliveira, em Lisboa, além do exercício do magistério para conseguir sobreviver, integrou-se na tertúlia Tabula Rasa na qual predominava Manuel Cardoso Martha (1882 – 17 de Setembro de 1958), figueirense dos quatro costados, que leccionava, em Lisboa, na Escola Fonseca Benevides. Antigo seminarista, com profundo conhecimento das humanidades clássicas, da literatura portuguesa e das varias literaturas europeias, Cardoso Martha era um notável erudito, bibliografo, bibliófilo, coleccionador de manuscritos e de livros raros e antigos.


Caricatura de Cardoso Martha, assinada por Francisco Valença (1882-

1962), no jornal Sempre Fixe

Não se esqueça que Cardoso Martha organizou, em 1912 e 1913, no Grémio Literário os I e II Salões dos Humoristas. Possuía desenhos, aguarelas e guaches de Almada Negreiros, Stuart Carvalhais, Christiano Cruz, Jorge Barradas, António Soares e outros participantes no primeiro modernismo. Entre muitas outras preciosidades possuía, e com dedicatória, o primeiro auto-retrato de Almada Negreiros.

Martha organizou o In Memoriam de Eça de Queiroz, foi um dos directores e redactores da revista Feira da Ladra (1929) e também da “Nova Gazeta de Lisboa (1935). Revelou antiguidades e curiosidades. Aquilo que se poderá denominar “Coisas Novas em Papeis Velhos”, que sabia extrair procurando o pitoresco e o insólito. Residiu os últimos anos em casa de Natália Correia. A biblioteca e o acervo abrangiam as maiores preciosidades sobre a Figueira da Foz e arredores e também acerca de Coimbra.

Contou-me Severo Biscaia que, logo a seguir a morte de Manuel Cardoso Martha, o então presidente [a partir de 13 de Novembro 1958, era presidente Adelino Pedrosa Veríssimo nota nossa] e vereadores da Camara da Figueira da Foz, fizeram diligências para que todo esse acervo literário e artístico ficasse depositado no Museu Santos Rocha, na altura, a cargo de Vítor Guerra. Consultados os advogados, seus amigos e do marido, Alfredo Machado, Natália terá entregado - lembrou-me ainda Severo Biscaia - o que existia sobre a Figueira da Foz e arredores. Compete fazer a devida investigação.

Ainda a propósito das relações de Natália com a Figueira da Foz acrescentaria a relação assídua com Luís Cajão, João Santiago, Mário Braga e o “figueirense adoptivo” Carlos Estorninho, dos corpos gerentes do jornal Republica e director da Biblioteca do Instituto Britânico em Lisboa. Uma figura tutelar do património cultural e cívico de Natália, era Antero de Quental. Para compreender e aprofundar Antero, recorria as obras de investigação, de crítica e de reflexão de Joaquim de Carvalho.

António Jorge Lé, director de O Figueirense, aludiu-me ainda ao programa televisivo que esteve a cargo de Natália Correia, que aliás a fez deslocar a Figueira para contar a riqueza dos tradicionais Autos Pastoris – tradição natalícia local. Natália Correia esteve na sede da Sociedade Filarmónica Dez de Agosto para realizar esse seu programa.

Este conspecto sumario menciona, no ano do centenário, um pouco do muito de Natália Correia: uma das grandes figuras literárias da segunda metade do seculo XX que celebrou a vida na sua plenitude dionisíaca, como expressão de afirmação de coragem pessoal. A sua poesia e sempre dominada por dois extremos: a confidência lírica e o sarcasmo feroz. Uma Natália avida de todas as experiencias em partilha contínua do profano com o sagrado.

Natália Correia e a Figueira da Foz – por António Valdemar [jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das Ciências], in O Figueirense, 25 de Agosto de 2023, p.22 – com sublinhados nossos.

J.M.M.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

A RAZÃO. SEMANÁRIO REPUBLICANO - PARTE I


A RAZÃO. Semanário Republicano [ao nº 9, Órgão do Centro Republicano José Falcão]. Ano I, nº I (27 Janeiro 1904) ao nº XVII (22 Maio 1904); Administração e Redacção: Rua do Estendal, 33, 3º [depois, ao nº7, Rua de Santo António, 9], Figueira da Foz; Editor: José Maria Roque dos Reis [ao nº4, Amadeu Sanches Barreto; ao nº8, José Soares Coronel]; Redactor Principal: Gustaf Adolf Bergstrom; Impressão: Typographia Democratica (Coimbra); Figueira da Foz; 1904, 17 numrs

Trata-se de um semanário figueirense que se dispunha a “lutar pela ideia da República, como primeira etapa a alcançar na senda do progresso”, referindo que fazem tenção de tomar o “mais humilde logar nas fileiras da democracia pela qual lutaremos sempre com serenidade, mas enérgica e intransigentemente” (in nº1, texto assinado, em nome da redacção, por Gustavo Adolf Bergstrom).
[Gustaf Adolf Bergstrom nasceu em 1892 na Ilha de Santo Antão (Cabo Verde). De ascendência sueca pelo lado do pai, residiu na Figueira da Foz e casou com Amélia Lucas de Oliveira (e, assim julgamos, casou uma segunda vez com Maria da Luz – cf. O Paiz, Rio de Janeiro, 28/12/1916) – tiveram duas filhas, Maria Regina Bergstrom (n. 1902), que se fixou em Moçambique e Fernanda Bergstrom (n. 1910). Curiosamente o seu pai, Theodoro Segismundo Bergström (1856?-1934; foi director do BNU em S. Tomé e Príncipe) e o seu avô paterno, tinham casado também com cidadãs portuguesas. Gustaf Adolf Bergstrom dedicou-se à instrução pública, foi professor de ensino livre (especialidade em língua inglesa) em Lisboa (no Novo Colégio Inglês), Figueira da Foz e Coimbra. Foi jornalista e um ardente propagandista liberal e republicano. Foi maçon, tendo integrado a Loja maçónica "Academia Livre", de Coimbra.

Como jornalista, funda (11 de Maio de 1902) e redige o jornal “A Voz da Justiça” da Figueira da Foz (a 17 de Maio de 1903, Gustaf Bergstrom, cede a propriedade do jornal para a Associação de Instrução Popular, passando o periódico a ser administrado por maçons filiados na Loja Fernandes Tomás, loja maçónica instalada a 22 de Setembro de 1900 na Figueira da Foz); escreve no jornal, “Desaffronta” (1903, Figueira da Foz - nº único) em defesa do descanso semanal dos caixeiros figueirenses – à revindicação dos trabalhadores sucede um “longo” processo judicial, tendo sido Afonso Costa o advogado dos caixeiros processados; participa (1904) no jornal comemorativo da revolta do 31 de Janeiro de 1891, “Glória aos Vencidos”, patrocinado pelo Centro Eleitoral Republicano José Falcão da Figueira da Foz; foi redactor principal do semanário “A Razão”, mais tarde órgão desse mesmo Centro Republicano.
 
 

Retira-se para Coimbra (vive numa casa nos Arcos do Jardim, ao nº52), frequenta como aluno voluntário a Faculdade de Filosofia e de Matemática na Universidade de Coimbra, exercendo a docência no Liceu da cidade, leccionando (em sua casa) um curso especial de inglês prático para alunos internos. Foi um curioso poeta e letrista (com que contribuiu para alguns estimados fados). Parte Gustaf A. Bergstrom, anos depois (1912/13?), para o Brasil. Lecciona matemática, física e química, e dá cursos particulares de inglês, no Instituto Beltrão (rua Haddock Lobo, nº 419) e no Instituto La-Fayette, do Rio de Janeiro. Discursa na sessão solene das comemorações da República Portuguesa em 1913, promovidas pelo Grémio Republicano do Rio de Janeiro (foi realizada excepcionalmente no dia 12 de Outubro) no teatro Lyrico, sob presidência do dr. Bernardino Machado. Morre a 23 de Junho de 1916 (cf. jornal Estado do Pará, 24/06/2016) no hospital da “Beneficência Portuguesa”, vítima da “tuberculose” (assim o refere, como causa da sua morte, Cardoso Martha, inJornalismo Figueirense”, 1926, p. 60)]  

Refira-se que “A Razão” foi criada por um grupo de republicanos que pretendiam reatar “os laços morais” da comissão municipal republicana, pelo que constituíram o núcleo (fundador) do Centro Eleitoral Republicano José Falcão (instalado e inaugurado no dia 31 de Janeiro de 1904, aniversário da revolta republicana do Porto e em que usa da palavra Gustaf Bergstrom, um dos principais impulsionadores do Centro e seu presidente). Antes mesmo da fundação do Centro Republicano José Falcão foi decidido pelo núcleo inicial a criação de um jornal que fosse seu órgão de imprensa. De facto, assim aconteceu, a 27 de Janeiro de 1904, o semanário “A Razão” [cf. Cardoso Martha, ibidem].
 
[A CONTINUAR]
 
J.M.M.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

CORAÇÃO, CABEÇA E ESTÔMAGO – UMA TERTÚLIA FIGUEIRENSE


GUIDA DA SILVA CÂNDIDO, “Coração, Cabeça e Estômago – Uma Tertúlia Figueirense”, Divisão de Cultura da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Figueira da Foz, 2014, 50-XLI p.

FOTO [capa do livro] do grupo “Coração, Cabeça e Estômago”, autoria de José Lopes Dias, e datada de 8 de Agosto de 1946.

Em pé: Raul Xavier, António Silveira, Octaviano de Sá, Pedro de Aguiar, Luiz Xavier, Jaime Lopes Dias, Vítor Lopes Dias, José Lopes Dias e Carlos Sombrio;

Sentados: Joaquim da Silveira, Adolfo Santiago, Maria José, Cardoso Martha, Joaquim de Carvalho e António Lopes Dias.  


 
Trata-se da história de uma curiosa tertúlia cultural e gastronómica, grupo fundado (no Verão de 1936) por António Augusto Esteves (Carlos Sombrio) na vila da Figueira da Foz e que reunia “ilustres intelectuais, escritores e artistas admiradores das artes pantagruélicas”, sob o camiliano nome de “Coração, Cabeça e Estômago”. O estudo de Guida da Silva Cândido é apoiado num conjunto vasto de fontes, entre as quais o “Livro de Actas (1942-1948) do grupo - secretariado pelo professor, escritor, poeta e jornalista [Manuel Augusto] Cardoso Martha (1882-1958)

[Cardoso Marta foi assumidamente republicano (tendo sido um dos fundadores, em 1904, do semanário “A Razão”, pertença do Centro Eleitoral Republicano José Falcão), livre-pensador, etnógrafo, famoso bibliófilo (a sua muito curiosa biblioteca foi “herdada” pela poetisa Natália Correia; é suposto que alguma da recolha de textos integrados na polémica obra, e apreendida pela PIDE, organizada por Natália Correia, “Antologia de Poesia Erótica e Satírica …”, publicada pela Afrodite em 1966, tenha vindo da recolha anteriormente feita por Cardoso Marta), foi funcionário do SNI, aproximando-se a partir dos anos 30/40 da politica cultural do Estado Novo]

O Grupo “Coração, Cabeça e Estômago”, grupo de amigos, “replica dos Vencidos da Vida”, era presidido pelo “superior espírito” de Joaquim de Carvalho e tinha por anfitrião, António Augusto Esteves, aliás, Carlos Sombrio

[Carlos Sombrio, pseudónimo literário de António Augusto Esteves (1894-1949), foi ourives de profissão (com estabelecimento na Praça Nova, Figueira da Foz), curioso escritor (de ensaios, novelas, contos – ganhou o 1º premio dos Jogos Florais de 19140 e 1941 - poemas e breves crónicas – veja-se, entre outros, os trabalhos sobre João de Barros e o general Freire de Andrade), coleccionador e bibliófilo, copioso jornalista – começou a sua actividade no jornal republicano e maçónico, “A Voz da Justiça”, prosseguindo por centenas de periódicos regionalistas, escrevendo, em especial, prosa literária -, foi director da Biblioteca Municipal, participou (em 1925) nas Comemorações do Centenário de Camilo Castelo Branco, levadas a cabo na Figueira da Foz, também nas Comemorações do 1º Centenário no nascimento de Eça de Queiroz, pertenceu a diversas associações culturais, comerciais e recreativas da Figueira da Foz, foi maçon – Irmão “Francisco Brás” – da Loja Fernandes Tomás, onde foi iniciado em Maio de 1920, tendo pedido o atestado de quite em 1930]

Os comensais que fizeram parte deste camiliano Grupo foram: Adolfo Gonçalves Santiago (armador de navios), Alberto de Souza (aguarelista e ilustrador), Alberto Garcia (investigador literário), António Augusto Esteves (Carlos Sombrio), António Cruz (jornalista), António Lopes Dias (magistrado), António Piedade (pintor), António da Silveira (professor do IST), Augusto dos Santos Pinto (jornalista e escritor), Cardoso Martha, Carlos Gaspar de Lemos, Eduardo Miranda de Vasconcelos (professor), Egídio da Costa Aires de Azevedo (professor da UC), Francisco da Luz Rebelo Gonçalves (professor da UC), Jaime Lopes Dias (escritor e etnógrafo), João Reis (poeta e pintor), Joaquim da Silveira (advogado e notário), Joaquim de Carvalho (professor da UC), Joaquim Lopes dias (professor), José Lopes Dias (médico), José Salinas Calado (médico e escritor), Juvenal de Araújo (professor Ed. Física), Lúcio de Almeida (professor da UC), Luís Gonçalves Santiago (proprietário), Luís Xavier (arquitecto), Mário Augusto (pintor), Octaviano de Sá (advogado, jornalista e escritor), Pedro de Aguiar (jornalista), Raul Xavier (escultor), Vítor Lopes Dias (jurista).

J.M.M.