anunciam o outono, que se apressa.
O vento assobia e as folhas, em desalinho,
dançam num vaivém frenético a melodia
do verão, que se despede.
O seu olhar segue o movimento das folhas
e o dourado da tarde ofusca-lhe os sentidos,
«As palavras pesam. Um texto nunca diz a dor das pequenas coisas» Graça Pires in Poemas escolhidos
Sentada na escarpa
vagueio o olhar pelo horizonte
que perscruta o entardecer,
de uma tarde de outono.
Recordo-me da varanda
de onde ao acordar
vislumbrava o amanhecer.
Os dias tão longos,
hoje tão curtos.
A alma imperturbável
recolhe nos recônditos da memória
as cores, que hoje tão distantes,
estão aprisionadas
no pensamento.
Quando a noite murmurar
o frio e a geada do inverno,
a primavera florescerá
nas pontas dos meus dedos.
Chovia e a tarde era apenas o som da chuva;
de vez em quando um trovão ressoava-lhe nas mãos,
que rapidamente tentava esconder
para que não se vissem as chagas
que lhe distorciam os dedos.
Era sempre assim quando o ruído
se entranhava dentro de si, sem voz,
e apenas a chuva lhe enchia o peito
do grito que, abafado, soltava.
Recusara sempre ser apenas um sopro
desfeito pelas gotas da chuva,
a quem o tempo roubara o pensamento.
O pensamento imerge no silêncio,
e o silêncio alimenta-se do pensamento.
Juntos são inevitáveis na construção da vida,
na construção do poema,
quando as palavras se refugiam
no mais recôndito do ser
o silêncio mergulha no escuro;
mas logo o pensamento o desperta
e ambos entram num bailado
de ideias, sem terem a certeza de nada.
Como os pássaros esvoaçam à deriva
aguardando que a primavera
os deslinde nas suas raízes.
Na escassez das palavras
a sede no deserto
como um rasgão na pele
miragem e silêncio
nas poeiras das dunas
a toldar o pensamento
que clama pelo voo das aves
para dissipar as névoas
Há vazios e grãos de poeira
a marejar os olhos
nos silêncios da tarde
que, em vão, suplicam
que o oásis floresça.