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quarta-feira, julho 30, 2014

Quem inspira Wes Anderson? (parte 3)


Este texto é a terceira parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do DN com o título ‘Partir dos filmes para achar o seu cinema’.

O livro The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz, passa estranhamente ao largo dos elementos da banda sonora expressamente criados pelo brasileiro Seu Jorge, que tem um papel no filme em que, de guitarra na mão, interpreta versões, com letra em português, de canções célebres de David Bowie. O mesmo não acontece com a música que escutamos em Moonrise Kingdom (de 2012), sobre a qual o realizador revela que teve um papel determinante no filme. “Benjamin Britten é uma parte grande de todo o filme”, reconhece o realizador (4). Dele ouvem-se elementos de The Young Person’s Guide to the Orchestra (numa gravação dirigida e narrada por Bernstein), Noye’s Fludde, Simple Symphony, Friday Afternoons e ainda um excerto da ópera A Midsummer Night’s Dream. Wes Anderson aponta contudo Britten como uma das três figuras maiores que a música de Moonrise Kingdom respira, os outros sendo Henry Purcell (5) “cuja música Britten desmonta e rearranja de modo a criar algo de novo a partir dela” e Bernstein, “que dirige, ao mesmo tempo que faz da música a sua própria experiência narrada”. Isto sem esquecer a partitura original que Alexandre Desplat criou para o filme (e na qual colabora Mark Mothersbaugh, outro colaborador de Wes Anderson), assim como as canções de Hank Williams ou Françoise Hardy que surgem em alguns momentos da banda sonora.

Apesar das muitas ocasiões em que o livro coloca a música, fotografias ou livros como motores de inspiração de Wes Anderson, é na cinefilia que encontramos a alma das ideias centrais que desaguam nos seus filmes. Essa cinefilia é bem evidente entre as fundações de Os Tenembaums – Uma Comédia Genial, que tem O Quarto Mandamento (The Magnificent Ambersons, de 1942) de Orson Welles como uma das mais importantes fontes de inspiração.

'O Rio Sagrado', de Jean Renoir

The Darjeeling Limited (2007) é também um bom exemplo de como um filme seu emergiu de uma experiência cinéfila. Era já anterior a Life Aquatic a sua vontade de criar uma narrativa com três irmãos a viajar num comboio. “Mas não sabia onde ia acontecer”, explica, lembrando que chegou mesmo a pensar num elenco antes mesmo de saber que ia filmar na Índia (6). A peça que faltava – e que faz do filme um espantoso eco do mundo de cores da cultura indiana – surgiu depois de a Film Foundation ter concluído o restauro do clássico O Rio Sagrado (Le Fleuve, de 1951) de Jean Renoir (sem dúvida um dos mais belos filmes alguma vez rodados na Índia). Martin Scorsese convidara-o para ver a nova cópia e Wes Anderson, ao sair da sala onde decorreu o visionamento, não tinha mais dúvidas: “Índia. Era ali que o comboio deveria estar. E é para lá que vamos.” pensar o filme Wes Anderson juntou ainda a sua enorme admiração pela obra de Satyajit Ray, os documentários de Louis Malle sobre a Índia e depois, juntamente com Jason Schwartzman e Roman Coppola, partiu para conhecer os lugares e escrever o filme (trabalho que na verdade decorreu entre Nova Iorque, França e, só depois, a Índia).

No prefácio do livro, Michael Chabon compara o cinema de Wes Anderson à caixas de Joseph Cornell. Tal como nesses conjuntos de peças, formas e cores, a diversidade das fontes acaba por encontrar uma arrumação que é definida pela linguagem do realizador e, por sua vez, a define agora em si mesma. Em 20 anos, o livro mostra-nos como o jovem promissor que se estreava em Dallas se transformou num esteta de personalidade única no mapa do cinema do nosso tempo.

(4) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 313
(5) A obra The Young Person’s Guide To The Orchestra, de Britten, parte de uma variação sobre um tema de Purcell.
(6) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 206

terça-feira, julho 29, 2014

Quem inspira Wes Anderson? (parte 2)



Numa altura em que esperamos pelo lançamento em DVD de Grand Budapest Hotel entre nós, fica um olhar sobre o cinema de Wes Anderson, tendo por base o livro que olha para os primeiros 20 anos da sua carreira. Este texto é a segunda parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do DN com o título ‘Partir dos filmes para achar o seu cinema’.

A primeira ideia de Wes Anderson enquanto criador de cinema era a de abordar o universo do ‘skate’ usando para tal a câmara Super 8 do pai, que acabaria por não mais sair das suas mãos. Como esse pequeno filme fez muitos mais, alguns deles tendo mais tarde sido roubados da mala do seu carro. “Os conceitos desses filmes não estavam lá muito bem desenvolvidos. Fiz alguns com [a personagem] Indiana Jones. E para esses criei cenários e um guarda-roupa, mas não se pode dizer que fossem coisas encorajadoras...”, recorda numa das entrevistas que podemos ler no livro.

Data depois do período que passou na universidade a fundação de uma vontade mais sólida em fazer cinema. Wes Anderson começou por pensar num futuro como escritor, mas a biblioteca da University of Texas tinha uma “boa coleção de livros sobre cinema”. Havia mesmo várias bibliotecas na universidade e todas tinham a sua secção de cinema e até mesmo filmes que podia ver. Wes começou a ler livros sobre realizadores e, depois, a ver os seus respetivos filmes. Havia livros sobre Bergman, Fellini, Truffaut, Coppola, Scorsese, Ford e Walsh... E é nessa etapa que floresce um interesse maior pelo cinema europeu dos anos 50 e 60 e nasce uma cinefilia que se revelaria determinante na construção da sua própria obra.

Wes Anderson começa a fazer filmes, usando o equipamento de uma estação pública em Houston. Um dos seus primeiros filmes foi um documentário sobre o seu senhorio. Um filme encomendado por ele mesmo e com o qual Wes esperava pagar dívidas que tinha para com ele. Pelos vistos, e segundo confessa no livro, o senhorio não gostou depois do que viu...

Foi de uma outra série de livros que partiu depois o caminho que o levaria eventualmente a um estatuto profissional. Wes tinha lido títulos sobre a criação de filmes como Os Bons Amantes (She’s Gotta Have It, de 1986) de Spike Lee ou Sexo Mentiras e Vídeo (Sex Lies and Videotape, 1989) de Steven Soderbergh e num deles referia-se como os irmãos Coen tinham chegado mesmo a visitar dentistas para recolher fundos para fazer um dos seus filmes. Explicava-se o que era uma pequena parceria e como se fazia. A ideia interessou-o. E juntamente com um produtor de Austin e o ator Owen Wilson, que tinha conhecido na universidade, começou a trabalhar no que acabaria por ser Bottle Rocket.

As muito ilustradas páginas de The Wes Anderson Collection notam não apenas as muitas fontes de inspiração que Wes Anderson colheu entre livros, no cinema, na pintura, fotografia ou na música, mas também repara como por vezes em pequenos detalhes de um filme podem estar referências que outros aprofundam mais tarde. Um desses exemplos é a figura de Jacques Cousteau. Vemo-lo numa fotografia (de Richard Avedon) que surge numa das imagens da primeira curta do realizador. E voltamos a encontrá-lo, citado na forma de um dos seus livros, numa das imagens de Todos Gostam da Mesma. Cousteau surgiria mais tarde como a principal inspiração para a composição da figura de Steve Zissou, protagonista de Um Peixe fora de Água (no original The Life Aquatic – with Steve Zissou, de 2004), que teve em Bill Murray (figura presente em vários dos seus filmes) o seu ator principal.

Wes Anderson conhecia uma biografia de Cousteau publicada “por volta de 1990 que dava uma ideia de quem ele era”, assim como tinha lido uma série de artigos onde se falava das suas viagens. “Comecei a criar esta impressão de Cousteau não apenas como oceanógrafo e aquela espécie de cientista super-herói, mas também como uma estrela, alguém que tinha de organizar estas operações, lidar com financiamentos e audiências e fama”, recorda em entrevista que lemos no livro. Era uma pessoa “não unidimensional” e, sublinha Wes Anderson, “em parte não era um homem simpático” (3). Steve Zissou tem Cousteau como principal influência, mas não a única, na verdade sendo um compósito de ideias colhidas de várias figuras reais, no fim acabando como “uma versão inventada” do oceanógrafo. O filme aprofundou ainda uma forma muito particular de entender a contribuição da art direction como um elemento maior na linguagem de Wes Anderson. Para o pensar foram visionados programas de Cousteau, filmes de Antonioni dos anos 60... E o guarda roupa cita memórias do Star Trek original.

Matt Zoller Seitz nota, no ensaio que abre o capítulo dedicado a Um Peixe fora de Água, que este foi “desapontante” tanto na apreciação da crítica como na bilheteira. E neste último aspeto junta-o a filmes como Playtime de Jacques Tati, New York New York de Martin Scorsese ou Do Fundo do Coração (no original One from the Heart) de Francis Ford Coppola como “flops de bilheteira cujas reputações cresceram com o tempo”. 

(3) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 166

segunda-feira, julho 28, 2014

Quem inspira Wes Anderson? (parte 1)


Numa altura em que esperamos pelo lançamento em DVD de Grand Bupapest Hotel entre nós, fica um olhar sobre o cinema de Wes Anderson, tendo por base o livro que olha para os primeiros 20 anos da sua carreira. Este texto é parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do DN com o título ‘Partir dos filmes para achar o seu cinema’.

Matt Zoller Seitz conheceu Wes Anderson há 20 anos. Foi em Dallas. Ele era então um jovem crítico de cinema a dar os primeiros passos e Wes tinha visto a sua primeira curta-metragem, Bottle Rocket (1994), ser aceite pelos programadores de um festival de cinema naquela mesma cidade texana. Matt escreveu na ocasião uma pequena crítica “positiva”, achando o seu estilo “suficientemente interessante” para, nos tempos que se seguiram, ter voltado a assinar novos trabalhos jornalísticos sobre Wes Anderson e o seu principal colaborador de então, Owen Wilson, quando tentavam desenvolver uma possível longa-metragem a partir dessa mesma curta inicial. Esse era um filme de 12 minutos, filmado a preto e branco em película de 16 mm e todo ele produzido em Dallas depois de Wes e Owen terem terminado os estudos na University of Texas, em Austin.

Matt e Wes voltaram a encontrar-se várias vezes. E num visionamento para a imprensa de Os Tennenbaums – Uma Comédia Genial (título original The Royal Tennembaums, de 2001) no New York Film Festival, Matt reparou inclusivamente que num dos planos exteriores, rodados em Brooklyn, a casa onde vivia com a sua família passou pelo olhar da câmara e, agora, ali estava para todos a verem no grande ecrã. Depois de Gostam Todos da Mesma (título original de Rushmore, filme de 1998) a relação do jornalista com o realizador tornara-se mais próxima mas, para a concretização deste volume que cruza imagens, ensaios sobre os filmes (até Moonrise Kingdom, o que deixa de fora o Hotel Budapeste (no original Grand Budapest Hotel, já estreado este ano) e uma entrevista por cada um dos títulos evocados, passaram 20 anos. Duas décadas de textos, filmes e contactos, o que não significa que o que aqui encontramos seja material de arquivo. Na verdade, Wes e Matt chegaram mesmo a fazer novas e mais extensas conversas que agora lemos como uma narrativa em continuidade. O conjunto, devidamente arrumado, e que o autor descreve como “uma digressão pela mente de um artista, tendo-o a ele mesmo como guia e companheiro” (1), dá-nos assim uma oportunidade de conhecer a fundo as referências, intenções, histórias de rodagens e marcas de personalidade de um realizador no pico da sua forma e ainda com muito para nos dar. Hotel Budapeste é por isso mesmo um primeiro exemplo de como, num futuro, haverá ainda histórias a acrescentar ao que aqui se conta e vê.

Com uma estrutura cronologicamente ordenada, tendo cada uma das longas-metragens de Wes Anderson como unidades temáticas (que assim arrumam também o evoluir dos tempos), o livro começa por evocar algumas das referencias que estruturaram o gosto e o interesse pelo cinema em Wes Anderson. O primeiro filme que viu, ainda em criança, foi um dos títulos da série ‘A Pantera Cor-de-Rosa’, e entre as memórias mais remotas junta ainda animações da Disney e The Apple Dumpling Game, western de 1975 de Norman Tokar com Don Knotts, do qual Wes “acha que gostava” (2) .

O passo seguinte, teria ele uns 11 ou 12 anos, corresponde à descoberta de Hitchcock em vídeo (tinha um sistema Betamax em casa), filmes dos quais diz que “a estrela estava por detrás da câmara” e que o impressionaram. A Janela Indiscreta tornou-se um dos seus preferidos, sobretudo pelo facto de nunca se sair do apartamento (e de tudo o que vemos partir do ponto de vista de quem ali está), mas também pela escrita e o elenco. Pouco depois foi com A Guerra das Estrelas (George Lucas, 1977) que deu por si a estudar um filme com mais atenção. E foi por essa altura que o interesse por ver cinema se cruzou também com o verbo “fazer”.

(1) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 26
(2) ibidem, pág. 37