Como relançar a sua carreira? Russell Crowe dá o exemplo... |
Retratando um campeão do começo do século XIX, O Pugilista é um drama com tanto de esquemático como de determinista: um produto banal do “streaming” que, insolitamente, teve estreia nas salas portuguesas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 julho).
Não há muito a dizer sobre O Pugilista, o novo filme de Russell Crowe, realizado por Daniel Graham. A própria classificação de “filme de Russell Crowe” carece de pertinência, já que o actor nascido na Nova Zelândia assume apenas um papel secundário na trajectória da personagem central, Jem Belcher — referência lendária na história do boxe, campeão de Inglaterra nos primeiros anos do século XIX —, interpretado pelo galês Matt Hookings.
O nome de Hookings surge, aliás, mais duas vezes no genérico: produtor e argumentista. Dizem as notícias que o seu empenho se enraiza no facto de ser filho de David Pearce, campeão que entrou na história do boxe como o “Rocky galês”.
Estamos perante uma narrativa convencional, dividida em três partes esquemáticas e deterministas: conhecemos Belcher na infância, inspirado pelo espírito rebelde e lutador do avô (Crowe); acompanhamos a sua ascensão, num contexto em que o boxe começava a ser reconhecido pelas classes sociais mais poderosas; enfim, temos o previsível e interminável combate final, pontuado por muita hemoglobina e uma agressiva banda sonora, numa desastrada imitação de O Touro Enraivecido (1980), de Martin Scorsese.
Resta o insólito, para não dizer absurdo, da própria estreia de O Pugilista nas salas portuguesas, prolongando uma estranha decomposição de critérios no tratamento de alguns títulos em língua inglesa. Convém lembrar que este é um filme com chancela dos estúdios Amazon. As suas produções destinam-se, em última instância, à respectiva plataforma de “streaming” (Prime Video), raras vezes tendo “direito” a ser vistas nas salas, dispensando até o efeito promocional dos Oscars.
Lembremos o exemplo sintomático desse filme prodigioso que é Being the Ricardos, de Aaron Sorkin: nem mesmo as suas três nomeações em categorias de interpretação — Nicole Kidman (actriz), Javier Bardem (actor) e J. K. Simmons (actor secundário) — fizeram com que, no mercado português, o pudéssemos ver em sala.
Que faz, então, com que um produto drasticamente secundário, artisticamente irrelevante e comercialmente frágil, surja agora nas salas da NOS? Será uma tentativa de prolongar o sucesso que já conseguiu noutros países?… Não exactamente. Se consultarmos uma fonte fiável sobre os dinheiros do cinema (o site Box Office Mojo), verificamos que O Pugilista apenas estreou em dois países (Croácia e Rússia), tendo acumulado uma receita patética: 106.816 dólares (praticamente o mesmo em euros). Entretanto, vai chegando à Prime Video de outros países (por exemplo, no Reino Unido, no passado dia 22).
Enfim, os filmes não são “melhores” nem “piores” por causa das escolhas (legítimas, não é isso que está em causa) de quem os coloca no mercado. Mas face a estas contradições, podemos voltar a perguntar que se faz — ou anda a fazer — para revitalizar o tão fragilizado circuito das salas. E relembrar que, pelo menos para a Amazon, o nome de Nicole Kidman não basta para valorizar comercialmente um filme.