Discos para ouvir em tempo de Verão... Este texto integra a série 'Para ouvir na praia', que por estes dias tem sido publicada no DN.
Quando se juntam as palavras praia e música há um nome que imediatamente ganha forma: Beach Boys. Surgidos em inícios dos anos 60, ganharam visibilidade com hinos que celebraram a Califórnia através de imagens de praia, do mar e do surf... Na verdade, quando tudo começou, apenas um dos elementos do grupo era praticante de surf. Dennis, um dos três irmãos Wilson que, juntamente com o primo Mike Love e o amigo Al Jardine faziam nascer os Beach Boys, tornou-se inclusivamente no sex symbol da banda. Relativamente “escondido” por detrás da bateria, só depois de 1968 foi chamado a colaborar na escrita das canções do grupo, apresentando em 1977 um álbum a solo que hoje reconhecemos como um dos melhores momentos da discografia do universo de músicos ligados aos Beach Boys.
Só devidamente reconhecido mais tarde (a morte acidental levou-o em 1983), Pacific Ocean Blue é um álbum pop/rock de travo clássico, pontualmente caracterizado pela presença das harmonias vocais que os Beach Boys imortalizaram, mas dominado por uma melancolia (também nada estranha à escrita do irmão Brian Wilson) que contudo não calava um espírito que acreditava que chegariam dias melhores dias, que não imaginava nunca passados longe do mar.
Reeditado em 2008 com canções de Bambu, um segundo álbum que não chegou a terminar, este é um disco que junta algo de familiar ao prazer da descoberta.
Mostrar mensagens com a etiqueta Beach Boys. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Beach Boys. Mostrar todas as mensagens
sexta-feira, agosto 02, 2013
domingo, setembro 23, 2012
Nem só de verão viveram os Beach Boys (5)
Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.
A reunião de peças soltas de Smile e versões novamente gravadas (e menores) de algumas canções originaram em finais de 1967 o inconsistente Smiley Smile, o álbum que finalmente viu a luz do dia em 1967. Que em nada correspondeu à visão imaginada e representou o maior fracasso comercial até então vivido pelo grupo. A derrota no confronto direto Sgt. Peppers dos Beatles e, sobretudo, a recusa em atuar no Monterey Pop Festival, ditaram um estatuto nada favorável aos Beach Boys. O desvio de atenções da nova música californiana de Los Angeles para San Francisco e o aparente não alinhamento da banda com um novo mapa de contestação juvenil aprofundou o fosso com o grande público americano. Ao ponto de em 1968, perante Friends, um disco simples, mas que representa uma das mais belas coleções de canções do grupo na etapa pós-Smile, o disco não ter subido acima do número 126 na tabela de vendas.
Apesar de alguns (e muito poucos) episódios pontuais, a obra dos Beach Boys tornou--se inconsequente depois do final da década que os viu nascer. Em 1970 encetam nova etapa na sua vida editorial (através de um acordo da sua Brother Records com a Reprise Records) com Sunflower, que tenta abrir vários horizontes de trabalho, e lembra pontualmente em This Whole World o génio de Brian Wilson. De 1971, Surf’s Up (que tem como tema-título uma das canções nascidas nas sessões de Smile) é o último disco verdadeiramente interessante na obra do grupo, da restante produção de 70 destacando-se apenas os resultados comerciais de 15 Big Ones (que corresponde também ao primeiro álbum produzido por Brian Wilson desde Pet Sounds e é o primeiro disco de originais depois da antologia de 1974 Endless Summer, que foi três vezes platina nos EUA).
Depois, segue-se um vazio criativo, aos poucos a banda transformando-se num cliché de si mesma, pensado todavia segundo o menor denominador que é a sua imagem de praia, festa e verão dos primeiros tempos. Sobre M.I.U. Album, de 1978, Dennis Wilson (que em 1977 tinha editado a solo Pacific Ocean Blue, um dos melhores discos criados por elementos da banda nas suas carreiras a solo) chegou mesmo a afirmar que era um constrangimento.
Apesar do pontual e estrondoso êxito comercial de Kokomo (1988), tornaram-se progressivamente quase invisíveis, até que, depois do flirt com a country de Stars and Stripes Vol. 1, de 1996, resolvem colocar um ponto final. Dando o dito por não dito já este ano com That’s Why God Made The Radio, um disco que reúne a formação clássica (salvo Dennis e Carl, que morreram respetivamente em 1983 e 1998), mas que mais não fez senão revisitar memórias e modelos. Conseguindo mesmo assim ser o seu “melhor” disco desde meados dos anos 70!
Hoje, se as memórias das canções de praia e surf dos primeiros anos são clássicos globalmente reconhecidos, álbuns como Pet Sounds ou o finalmente (re)descoberto Smile ganharam estatuto de respeitada referência, ao mesmo tempo que discos como The Beach Boys Today!, Friends ou Surf’s Up esperam pelo momento em que, também eles, terão direito a um merecido aplauso mais visível. Os Beach Boys perderam a capacidade de agir sobre o mundo (o da música e o de quem a escuta) com a chegada dos anos 70 e grande parte da sua discografia posterior a 1967 é risível. Mas 50 anos depois do álbum de estreia Surfin’ Safari, a banda que saiu um dia de uma casa em Hawthorne para gravar uma canção sobre surf está novamente viva. E mesmo ciente de que não voltará a inventar (como Brian fez entre 65 e 67), sabe, pelos feitos dos anos 60, que tem um lugar merecido no Olimpo da história da música popular.
A reunião de peças soltas de Smile e versões novamente gravadas (e menores) de algumas canções originaram em finais de 1967 o inconsistente Smiley Smile, o álbum que finalmente viu a luz do dia em 1967. Que em nada correspondeu à visão imaginada e representou o maior fracasso comercial até então vivido pelo grupo. A derrota no confronto direto Sgt. Peppers dos Beatles e, sobretudo, a recusa em atuar no Monterey Pop Festival, ditaram um estatuto nada favorável aos Beach Boys. O desvio de atenções da nova música californiana de Los Angeles para San Francisco e o aparente não alinhamento da banda com um novo mapa de contestação juvenil aprofundou o fosso com o grande público americano. Ao ponto de em 1968, perante Friends, um disco simples, mas que representa uma das mais belas coleções de canções do grupo na etapa pós-Smile, o disco não ter subido acima do número 126 na tabela de vendas.
Apesar de alguns (e muito poucos) episódios pontuais, a obra dos Beach Boys tornou--se inconsequente depois do final da década que os viu nascer. Em 1970 encetam nova etapa na sua vida editorial (através de um acordo da sua Brother Records com a Reprise Records) com Sunflower, que tenta abrir vários horizontes de trabalho, e lembra pontualmente em This Whole World o génio de Brian Wilson. De 1971, Surf’s Up (que tem como tema-título uma das canções nascidas nas sessões de Smile) é o último disco verdadeiramente interessante na obra do grupo, da restante produção de 70 destacando-se apenas os resultados comerciais de 15 Big Ones (que corresponde também ao primeiro álbum produzido por Brian Wilson desde Pet Sounds e é o primeiro disco de originais depois da antologia de 1974 Endless Summer, que foi três vezes platina nos EUA).
Depois, segue-se um vazio criativo, aos poucos a banda transformando-se num cliché de si mesma, pensado todavia segundo o menor denominador que é a sua imagem de praia, festa e verão dos primeiros tempos. Sobre M.I.U. Album, de 1978, Dennis Wilson (que em 1977 tinha editado a solo Pacific Ocean Blue, um dos melhores discos criados por elementos da banda nas suas carreiras a solo) chegou mesmo a afirmar que era um constrangimento.
Apesar do pontual e estrondoso êxito comercial de Kokomo (1988), tornaram-se progressivamente quase invisíveis, até que, depois do flirt com a country de Stars and Stripes Vol. 1, de 1996, resolvem colocar um ponto final. Dando o dito por não dito já este ano com That’s Why God Made The Radio, um disco que reúne a formação clássica (salvo Dennis e Carl, que morreram respetivamente em 1983 e 1998), mas que mais não fez senão revisitar memórias e modelos. Conseguindo mesmo assim ser o seu “melhor” disco desde meados dos anos 70!
Hoje, se as memórias das canções de praia e surf dos primeiros anos são clássicos globalmente reconhecidos, álbuns como Pet Sounds ou o finalmente (re)descoberto Smile ganharam estatuto de respeitada referência, ao mesmo tempo que discos como The Beach Boys Today!, Friends ou Surf’s Up esperam pelo momento em que, também eles, terão direito a um merecido aplauso mais visível. Os Beach Boys perderam a capacidade de agir sobre o mundo (o da música e o de quem a escuta) com a chegada dos anos 70 e grande parte da sua discografia posterior a 1967 é risível. Mas 50 anos depois do álbum de estreia Surfin’ Safari, a banda que saiu um dia de uma casa em Hawthorne para gravar uma canção sobre surf está novamente viva. E mesmo ciente de que não voltará a inventar (como Brian fez entre 65 e 67), sabe, pelos feitos dos anos 60, que tem um lugar merecido no Olimpo da história da música popular.
sábado, setembro 22, 2012
Nem só de verão viveram os Beach Boys (4)
Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.
Em finais de 1965, com o grupo novamente na estrada e já com Bruce Johnston (18) integrado no coletivo, Brian Wilson tem pela frente terreno livre para se entregar ao seu maior desafio até então. Encara o estúdio como laboratório e, ciente de que as letras de Mike Love não servem o conceito que procura, encontra novo parceiro de escrita em Tony Archer, que escrevia essencialmente textos para jingles. Quem lho apresentou foi, uma vez mais, Loren Schwartz. E, como recorda Bryan Hoskins, inicialmente Archer não se mostrou muito impressionando pelo “misticismo marshmallow” de Brian Wilson, mas ficou encantado pela beleza das composições. (19)
Grande parte da etapa de composição decorreu entre dezembro de 1965 e janeiro de 1966. Ainda sem os arranjos mais elaborados que chegariam depois ao disco, as canções não só sugeriam novos caminhos nas formas como as palavras estavam definitivamente longe de cantar os sonhos de praia e sol que haviam feito a sua agenda cinco anos antes. Mas nem tudo foram rosas.
Brian continuou a trabalhar nas canções, do seu entendimento com Tony Archer nascendo gradualmente um corpo de temas que definiria uma noção de ciclo concetual, refletindo sobre os dramas e ansiedades da transição da juventude para a vida adulta, os desafios do futuro e a natureza do amor... A tal coesão que Brian tanto admirara em Rubber Soul ganhava forma num disco dos Beach Boys.
Entre fevereiro e março, em nova intensa série de sessões, Brian grava os instrumentais, juntando em estúdio alguns músicos que tinham trabalhado com Phil Spector (20). À experiência e à capacidade técnica (dos instrumentistas e do staff do estúdio) juntou então a vontade em experimentar, o que lhe abre portas a novas descobertas e ideias, com resultados depois bem visíveis em disco. O seu cão ouve-se em Caroline No (presença que acabaria por sugerir o título para o álbum). E em Pet Sounds Brian usa uma lata de Coca-Cola para definir o ritmo.
O “milagre de Pet Sounds está na sua música e nas suas letras, que são simultaneamente simples e espantosamente complexas, assim como são capazes de gerar uma certa assombração logo depois” (21), diz Jim Fusili, que explica que este é um disco não apenas sobre os medos, as aspirações, os sonhos e as desilusões de Brian, mas do ouvinte também. Sugere ainda que Tony Archer conseguiu ter uma palavra a dizer no quadro do conceito temático, muitas vezes acabando por ser capaz de interpretar os sentimentos do músico. E defende que Pet Sounds traduz uma noção de desconforto do próprio Brian Wilson face ao mundo, onde não tem a mesma capacidade de controlo que conhece quando está no estúdio. (22) Dennis Wilson reconheceu o carácter profundamente pessoal que Pet Sounds representou para o irmão. “As pessoas achavam que o Brian era um tipo alegre até ele começar a editar aquelas canções mais pesadas, de busca pessoal, no Pet Sounds e por ali... Mas aquele material estava mais perto da sua personalidade e perceções.” E acrescenta que, com Pet Sounds, o irmão “foi capaz de organizar os seus pensamentos a um ponto em que eles se tornaram hipnóticos, mas ainda assim capazes de entreter, de ter significado e espiritualidade” (23).
Pet Sounds é, na essência, mais um álbum a solo de Brian Wilson com os Beach Boys que um disco da banda. Nenhum dos músicos tocou instrumentos, a sua contribuição limitando-se à prestação vocal, sob as ordens exigentes do “maestro” Brian. Procurando uma ideia, aperfeiçoando take atrás de take, obrigando a repetições e mais repetições, como de resto as sessões de gravação entretanto disponibilizadas em disco tão bem documentam.
Uma expressão evidente desse protagonismo de Brian Wilson ganhou forma na edição, em março de 1966, de Caroline No como single editado em nome do músico. Foi um fracasso nas vendas, mas em nada demoveu Brian de continuar a criar a música segundo a visão que imaginava para o álbum. Apesar de hoje reconhecido como a obra-prima do grupo e um dos maiores discos da história da música popular, Pet Sounds não foi coisa pacífica. Internamente gerou controvérsia (Mike Love não gostou da nova orientação da música (24)). E a editora, como descreve Brian Hoskins, entrou em “pânico”, e lançou um best of no que parecia uma operação de controlo de danos esperados... Mas Pet Sounds esteve longe de ser um desastre. Não repetiu inicialmente o patamar de vendas de álbuns anteriores do grupo. Mas gerou dois singles de considerável sucesso – Sloop John B e Wouldn’t It be Nice –, atingiu o top 10 e esteve 21 semanas entre os 40 mais vendidos. No Reino Unido, onde foi acolhido com outro entusiasmo, valeu mesmo ao grupo ser considerado a banda do ano pelo jornal de música NME, ultrapassando inclusivamente os Beatles. De tal forma que contribuiu para inspirar o seu passo seguinte: o clássico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. E é o próprio George Martin (produtor da maioria dos discos dos Beatles, inclusivamente desse clássico de 1967) quem o reconhece: “Sem Pet Sounds o Sgt. Pepper não teria acontecido. Revolver fora o princípio de tudo aquilo. Mas o Sgt. Peppers foi a tentativa de igualar o Pet Sounds.” (25) Por seu lado, Paul McCartney, que é frequentemente citado como um dos maiores admiradores do álbum, partilhou memórias numa reedição de Pet Sounds: “Aqueles primeiros discos surf... Estava ciente deles como banda, e até gostava, mas não me interessavam por aí além... Era um belo som... Admirávamos o canto, aquelas vozes em falsetto e as letras muito californianas... Foi mais tarde. Foi com Pet Sounds que me arrebataram. Em primeiro lugar pela escrita do Brian.” (26)
18 – Bruce Johnston (n. 1942) Juntou-se aos Beach Boys para tocar inicialmente nos concertos em 1965, acabando por integrar a banda.
19 - in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 106
20 – Phil Spector (n. 1940) Autor e produtor norte-americano, criou novas técnicas de trabalho e captação de som em estúdio. Era um dos músicos que Brian Wilson mais admirava nos anos 60.
21 – - in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 11
22 – ibidem, pág 69
23 – in 'The Making of Pet Sounds', livro que integra a caixa 'Pet Sound Sessions'
24 – O mesmo Mike Love tinha já reagido à letra de Hang on To Your Ego, na qual criticou o que reconhecia como uma sugestão de que era positiva a ação sobre o ego das drogas alucinogénicas. A letra acabaria por ser mudada, com nova versão assinada por Terry Sachen (que na época era road manager da banda), e a canção ganharia forma definitiva como I Know There's An Answer (se bem que na reedição em CD de 1990 a versão original seria finalmente editada, como faixa bónus).
25 - in 'The Making of Pet Sounds', livro que integra a caixa 'Pet Sound Sessions', pág 120
26 – ibidem, pág 123
Grande parte da etapa de composição decorreu entre dezembro de 1965 e janeiro de 1966. Ainda sem os arranjos mais elaborados que chegariam depois ao disco, as canções não só sugeriam novos caminhos nas formas como as palavras estavam definitivamente longe de cantar os sonhos de praia e sol que haviam feito a sua agenda cinco anos antes. Mas nem tudo foram rosas.
Brian continuou a trabalhar nas canções, do seu entendimento com Tony Archer nascendo gradualmente um corpo de temas que definiria uma noção de ciclo concetual, refletindo sobre os dramas e ansiedades da transição da juventude para a vida adulta, os desafios do futuro e a natureza do amor... A tal coesão que Brian tanto admirara em Rubber Soul ganhava forma num disco dos Beach Boys.
Entre fevereiro e março, em nova intensa série de sessões, Brian grava os instrumentais, juntando em estúdio alguns músicos que tinham trabalhado com Phil Spector (20). À experiência e à capacidade técnica (dos instrumentistas e do staff do estúdio) juntou então a vontade em experimentar, o que lhe abre portas a novas descobertas e ideias, com resultados depois bem visíveis em disco. O seu cão ouve-se em Caroline No (presença que acabaria por sugerir o título para o álbum). E em Pet Sounds Brian usa uma lata de Coca-Cola para definir o ritmo.
O “milagre de Pet Sounds está na sua música e nas suas letras, que são simultaneamente simples e espantosamente complexas, assim como são capazes de gerar uma certa assombração logo depois” (21), diz Jim Fusili, que explica que este é um disco não apenas sobre os medos, as aspirações, os sonhos e as desilusões de Brian, mas do ouvinte também. Sugere ainda que Tony Archer conseguiu ter uma palavra a dizer no quadro do conceito temático, muitas vezes acabando por ser capaz de interpretar os sentimentos do músico. E defende que Pet Sounds traduz uma noção de desconforto do próprio Brian Wilson face ao mundo, onde não tem a mesma capacidade de controlo que conhece quando está no estúdio. (22) Dennis Wilson reconheceu o carácter profundamente pessoal que Pet Sounds representou para o irmão. “As pessoas achavam que o Brian era um tipo alegre até ele começar a editar aquelas canções mais pesadas, de busca pessoal, no Pet Sounds e por ali... Mas aquele material estava mais perto da sua personalidade e perceções.” E acrescenta que, com Pet Sounds, o irmão “foi capaz de organizar os seus pensamentos a um ponto em que eles se tornaram hipnóticos, mas ainda assim capazes de entreter, de ter significado e espiritualidade” (23).
Pet Sounds é, na essência, mais um álbum a solo de Brian Wilson com os Beach Boys que um disco da banda. Nenhum dos músicos tocou instrumentos, a sua contribuição limitando-se à prestação vocal, sob as ordens exigentes do “maestro” Brian. Procurando uma ideia, aperfeiçoando take atrás de take, obrigando a repetições e mais repetições, como de resto as sessões de gravação entretanto disponibilizadas em disco tão bem documentam.
Uma expressão evidente desse protagonismo de Brian Wilson ganhou forma na edição, em março de 1966, de Caroline No como single editado em nome do músico. Foi um fracasso nas vendas, mas em nada demoveu Brian de continuar a criar a música segundo a visão que imaginava para o álbum. Apesar de hoje reconhecido como a obra-prima do grupo e um dos maiores discos da história da música popular, Pet Sounds não foi coisa pacífica. Internamente gerou controvérsia (Mike Love não gostou da nova orientação da música (24)). E a editora, como descreve Brian Hoskins, entrou em “pânico”, e lançou um best of no que parecia uma operação de controlo de danos esperados... Mas Pet Sounds esteve longe de ser um desastre. Não repetiu inicialmente o patamar de vendas de álbuns anteriores do grupo. Mas gerou dois singles de considerável sucesso – Sloop John B e Wouldn’t It be Nice –, atingiu o top 10 e esteve 21 semanas entre os 40 mais vendidos. No Reino Unido, onde foi acolhido com outro entusiasmo, valeu mesmo ao grupo ser considerado a banda do ano pelo jornal de música NME, ultrapassando inclusivamente os Beatles. De tal forma que contribuiu para inspirar o seu passo seguinte: o clássico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. E é o próprio George Martin (produtor da maioria dos discos dos Beatles, inclusivamente desse clássico de 1967) quem o reconhece: “Sem Pet Sounds o Sgt. Pepper não teria acontecido. Revolver fora o princípio de tudo aquilo. Mas o Sgt. Peppers foi a tentativa de igualar o Pet Sounds.” (25) Por seu lado, Paul McCartney, que é frequentemente citado como um dos maiores admiradores do álbum, partilhou memórias numa reedição de Pet Sounds: “Aqueles primeiros discos surf... Estava ciente deles como banda, e até gostava, mas não me interessavam por aí além... Era um belo som... Admirávamos o canto, aquelas vozes em falsetto e as letras muito californianas... Foi mais tarde. Foi com Pet Sounds que me arrebataram. Em primeiro lugar pela escrita do Brian.” (26)
18 – Bruce Johnston (n. 1942) Juntou-se aos Beach Boys para tocar inicialmente nos concertos em 1965, acabando por integrar a banda.
19 - in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 106
20 – Phil Spector (n. 1940) Autor e produtor norte-americano, criou novas técnicas de trabalho e captação de som em estúdio. Era um dos músicos que Brian Wilson mais admirava nos anos 60.
21 – - in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 11
22 – ibidem, pág 69
23 – in 'The Making of Pet Sounds', livro que integra a caixa 'Pet Sound Sessions'
24 – O mesmo Mike Love tinha já reagido à letra de Hang on To Your Ego, na qual criticou o que reconhecia como uma sugestão de que era positiva a ação sobre o ego das drogas alucinogénicas. A letra acabaria por ser mudada, com nova versão assinada por Terry Sachen (que na época era road manager da banda), e a canção ganharia forma definitiva como I Know There's An Answer (se bem que na reedição em CD de 1990 a versão original seria finalmente editada, como faixa bónus).
25 - in 'The Making of Pet Sounds', livro que integra a caixa 'Pet Sound Sessions', pág 120
26 – ibidem, pág 123
domingo, setembro 16, 2012
Nem só de verão viveram os Beach Boys (3)
Em dezembro de 1964 os Beach Boys estão já num avião, prestes a partir para o cumprimento de nova agenda de concertos. Nem são muitos, apenas uma mão-cheia de datas. Mas é nessa noite, a bordo, que Brian Wilson cede de vez. Não segue para a estrada, optando antes por regressar ao estúdio (e a digressão vê em palco os restantes quatro Beach Boys). O grupo tinha editado nesse ano o álbum Shut Down Volume 2 (com título a referir a compilação que a editora lançara em 63), ao que se seguira All Summer Long (que incluía I Get Around, que lhes dera o seu primeiro número um nos EUA) e ainda um disco de canções de Natal. Brian queria contudo focar a sua atenção noutros caminhos e desafios e fazer finalmente os discos que imaginava na sua mente. Explicou então aos companheiros de grupo que vislumbrava “um futuro bonito para os Beach Boys”, mas que a única forma de o atingir seria se eles fizessem o seu trabalho e ele mesmo o seu (como recorda o booklet da redição em 2001 de The Beach Boys Today!). “Senti que não tinha escolha. Estava esgotado mental e emocionalmente porque andava sempre a correr de um lado para o outro, saltando de avião em avião, entre one night stands, canto, planeamentos... Chegou ao ponto em que não tinha paz de espírito, nem uma oportunidade para parar para pensar. Estava baralhado e exausto. Eu sabia que tinha de deixar de fazer digressões para poder fazer justiça aos nossos discos.” (14)
As diferenças não tardaram a chegar, com o álbum The Beach Boys Today! (lançado em março de 1965) a revelar evidentes sinais de busca por um outro patamar de complexidade. Em algumas das canções deste disco surgem primeiros exemplos de um novo modo trabalhar as composições. Pequenas sementes da ideia das pequenas sinfonias que emergiriam menos de um ano depois. É aqui que Brian Wilson descobre o potencial do estúdio enquanto um instrumento musical, as técnicas e truques abrindo--lhe um novo horizonte de potencialidades que não deixará escapar. Como lembra ainda o booklet da edição deste disco, as “palavras aqui tornam-se mais pessoais, as melodias mais assombradas, os fundos musicais infinitamente mais complexos e um trabalho vocal de enorme beleza”. Além do talento na composição, Brian Wilson começa a aprofundar aqui o seu conhecimento técnico em estúdio. Algumas das suas ideias estavam um tanto adiante das formas e hábitos da época. Sentiria pouco depois esse desfasamento na pele. Mas o tempo dar-lhe-ia razão.
Jim Fusilli, num livro da série 33 1/3 dedicado a Pet Sounds, identifica em The Beach Boys Today! os primeiros sinais do caminho que levaria Brian Wilson a Pet Sounds. E aponta o lado B do álbum como uma suite melancólica feita de cinco canções com estruturas “menos ortodoxas”, com soluções nos arranjos que antecipam caminhos que o levariam a esse álbum histórico de 1966 (15). Datam também desse período as primeiras experiências com drogas como o LSD. E Jim Fusilli admite que, quando Pet Sounds começou a ganhar forma, as drogas “representavam algo importante na vida de Brian”. E explica porquê: “Talvez criassem uma espécie de vertigem que disfarçasse uma ansiedade por liberdade e o encorajasse a tomar riscos, sobretudo nos arranjos. Talvez o tenham ajudado a esquecer as suas inadequações, os problemas com Marilyn [com quem estava casado], os demónios que o pai tinha instalado no seu cérebro.” (16). Ao mesmo tempo Brian Wilson começava a desenvolver um interesse pela espiritualidade e pela noção de um ser supremo. Em muitas entrevistas ouvimo-lo a atribuir muita da sua inspiração a algo no plano do divino, mas o seu interesse pela transcendência aprofundou-se por esta altura. Em 1964 passa a morar num novo duplex em Gardner Street, onde tem por perto a presença de Loren Schwartz, agente que o apresenta ao mundo dos Byrds, a Van Dyke Parks e aos textos que alimentam uma nova cultura que floresce em Los Angeles: Kahil Gibran, Herman Hesse, Saint-Exupéry.
Em 1964, o grupo deixa bem clara que uma nova demanda mora na sua agenda quando, em maio, cantam em I Get Around que procuram “a new place where the kids are hip” [que poderemos traduzir muito livremente como “um novo lugar onde os miúdos estão na moda”]. E, como eles, os EUA estavam a mudar. Em Waiting for the Sun, Barney Hoskins cita Kim Fowley (que produziu as Murmaids em Popsicles and Icicles), que afirmou que os anos 60 começaram a sério depois do assassinato de Kennedy. “A América precisava de alguém para amar depois da morte de Kennedy, e então passou a amar os Beatles.” (17)
Os primeiros álbuns dos Beatles e até mesmo o aflorar da beatlemania nos EUA em 1964 não tinha representado até então mais do que um motivo de competição para Brian Wilson e os restantes Beach Boys. Como uma espécie de repto acrescentado, obrigando-os a responder. Mike Love chegou a reconhecer que os Beatles desafiaram Brian a ser mais criativo. Mas a chegada de Rubber Soul (álbum dos Beatles editado em dezembro de 1965) mostrou uma banda a viver um outro patamar de visão musical. Adiante do que, apesar do salto em frente, The Beach Boys Today! ou Summer Days (and Summer Nights!!) tinham traduzido. Brian admirava os Beatles, mas sabia que eram diferentes. Chegou a dizer que, onde os quatro de Liverpool por vezes simplificavam as ideias dos arranjos, ele sentiria a necessidade de criar algo mais complexo. O desafio pela frente era agora maior. E Brian sabia que tinha de responder à altura.
Qualquer coisa não estava entretanto certa quando se comparava o sonho cantado pelo grupo e o mundo ao seu redor. E no mesmo ano em que os Beach Boys cantam novo idílio em California Girls, a escalada de violência era evidente na zona de South Central de Los Angeles. Na mesma Califórnia, portanto. O single sai em julho. Os célebres motins abalam a cidade em meados de agosto... Os Mothers of Invention (de Frank Zappa) serão dos poucos grandes nomes entre a “música branca” a reagir e refletir sobre os acontecimentos. Os Beach Boys não eram necessariamente retratistas da realidade, mas antes vozes de um sonho que tinha carregado, na sua encenação de surf, sol e praia, os tons feitos de luz e sorrisos de Hollywood. Ao mergulhar em si mesmo, Brian Wilson afastava mais ainda qualquer apetite realista da música dos Beach Boys. Se artisticamente a opção lhe valeu os seus melhores discos, a verdade é que, quando o sonho acabou (entre 1967 e 68), a perceção que muitos tinham de uma banda mais dada a fantasias que às lutas que faziam a nova agenda da juventude americana, esse foi um entre os argumentos que os votaram a um estatuto que os afastaria definitivamente da vanguarda da invenção musical e do entusiasmo dos mais atentos à linha da frente dos acontecimentos. Valeu-lhes o tempo, a redescoberta de feitos maiores que devolveu álbuns como Pet Sounds ou o recentemente revelado Smile ao estatuto de obras de referência que de facto merecem. Mesmo assim, a forma como muitos ainda hoje associam os Beach Boys a uma ideia inconsequente de festa surfista datada deve muito ao tom negativo com que o grupo passou a ser tratado depois de 1968. Mas já lá iremos...
14 – ver booklet da reedição de 2001 de The Beach Boys Today! E Summer Days (And Summer Nights!!)
15 - in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 23
16 – ibidem, pág 86
17 - in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 74
sábado, setembro 15, 2012
Nem só de verão viveram os Beach Boys (2)
Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.
E foi em setembro de 1961 que Murray Wilson (o pai dos irmãos Wilson e primeiro manager da banda) levou os rapazes a um estúdio de gravação, em Melrose Avenue. Chamavam-se então The Pendletones e felizmente escutaram o promotor da editora quando este lhes sugeriu que mudassem de nome. Um mês mais tarde, com a etiqueta da pequena Candix Records, era editado Surfin’, o primeiro single dos Beach Boys. Passa nas rádios e faz-se um pequeno êxito local. Mas a editora não quis sequela. E, com uma maquete de quatro canções na mão – entre as quais Surfin’ Safari e 409 –, Murray leva a música dos Beach Boys a visitar outros editores. Foi Nick Venet, da Capitol Records, quem reagiu, compreendendo que tinha encontrado o que Barney Hoskins descreve como ouro adolescente [teenage gold é a expressão que usa]. Tinha razão. E o sonho, com sabor a surf, deu primeiro sinal de si bem longe do mar, quando pouco depois Surfin’ Safari, o primeiro single que lançam pela Capitol (em junho de 1962), se transforma num sucesso em Phoenix, no Arizona. A meio do deserto, portanto...
Apesar das baixas expectativas de alguns executivos da editora, que os viam como suburbanos sem grande futuro, Surfin’ Safari sobe ao número 14 à escala nacional, cativando atenções para o álbum, com o mesmo tempo, que editam pouco depois. Contudo, é só depois do “caso” sério em que se transforma Surfin’ USA (já em março de 1963) que a vaga surf varre os EUA de costa a costa, dando lugar às mais improváveis manifestações de sucesso à conta do fenómeno. Jack Nitsche chega ao top 40 com The Lonely Surfer, Bobby Darin e Jim McGuinn cantam Beach Ball como City Surfers, o baterista de jazz Shelly Manne grava The Monster Surfer. Há até mesmo uns Surfer Mariachis, que editam, com tempero mais mexicano, Surf South of the Border.
Convém contudo recordar que nem só da euforia surf vivia então a música dos Beach Boys. Até porque, julgando ser esse um fenómeno passageiro, os responsáveis da editora criam em 1963 uma compilação centrada num outro foco de paixão juvenil: os carros. Quanto mais rápidos, melhor. Usam Shut Down, título de canção dos Beach Boys para lhe dar nome. A decisão não agrada ao grupo, que contudo responde editando em 1963 o álbum Little Deuce Coupe, igualmente focado nesses entusiasmos a quatro rodas.
O reverso da medalha, de onde nasceriam as linhas que pouco depois definiriam outros rumos e etapas na obra dos Beach Boys, surgira no alinhamento de Surfin’ USA, o seu segundo álbum de originais (1963). Lonely Sea, uma emotiva balada, era uma composição na qual Brian Wilson trabalhara conjuntamente com Gary Usher, um vizinho em Hawthorne que intuira algo ao escutar a melodia. “No dia em que o conheci [fala de Brian], entendemo-nos logo como num romance platónico. Ele perguntou-me em que é que eu estava trabalhar. E eu tinha algumas palavras para o Lonely Sea e uma base para uma progressão de acordes. (...) O Brian acabou a música. E completámos a canção nesse mesmo dia.” (11) O texto que acompanha o booklet de uma das reedições de Surfin’ USA lembra que Lonely Sea representa o primeiro instante em que a “emoção” se afirma como elemento central numa canção dos Beach Boys. Aparentemente perdida entre hinos de hedonismo, festa, praia e mar, a canção acabaria por ser um dos momentos mais consequentes do alinhamento do álbum. Não só abrindo caminho para In My Room (de Surfer Girl, editado em setembro de 1963), como semeia um espaço de afirmação mais pessoal que Brian Wilson aprofundaria mais tarde em The Beach Boys Today! (1965), antecipando a expressão maior da sua individualidade que chegaria em 1966 com Pet Sounds. O crítico de música Jim Fusilli defende mesmo que canções como Lonely Sea, assim como Surfer Girl ou Your Summer Dream não falavam de amor e romance, mas sim de solidão e alienação. (12)
Mas estes são ainda dias de sonho e festa, aos poucos os EUA transformando os Beach Boys num dos maiores fenómenos de popularidade do seu tempo. Tendo decidido retomar os estudos, Al Jardine afastara-se temporariamente do grupo, sendo substituído até finais de 1963 por David Marks (13), guitarrista e amigo de Carl, que assim surge nas fotos das capas dos primeiros álbuns. David não canta mas Domenic Priore, um estudioso do fenómeno da música surf, defende que a sua presença no grupo – sobretudo na relação instrumental com Carl – foi marcante na época, não apenas para a definição do som dos Beach Boys mas para o som de guitarras naquele espaço da invenção pop.
Surfer Girl, que ainda conta com David Marks a bordo, foi o primeiro álbum a apresentar na capa um crédito na produção para Brian Wilson. Ele era já o evidente compositor principal do grupo e a ideia de passar tempo na estrada, em digressão, começava já a fazer-lhe sentir que era algo que lhe tirava tempo para a criação. No texto por si assinado que abre a reedição de 2001 de Surfer Girl ele mesmo confessa: “Estava cansado de andar em digressão e este álbum ajudou-me a relaxar e a ser criativo.” Mas faltava ainda algum tempo até ao dia em que colocou um ponto final na sua agenda de palcos, para passar a viver a sua relação com os Beach Boys exclusivamente no estúdio.
8 – Carl Wilson (1946-1998) Principal guitarrista dos Beach Boys. Teve breve discografia a solo nos anos 80.
9 – Mile Love (n. 1941) Primo dos irmãos Wilson, é um dos fundadores e vocalistas dos Beach Boys. Editou um álbum a solo em 1981.
10 – Al Jardine (n. 1942) Guitarrista e um dos vocalistas dos Beach Boys. Mantém obra a solo desde 2001.
11 – ver booklet da reedição de 2001, pela EMI, de Surfin' Safari e Surfin'USA
12 - in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 23
13 - David Marks (n. 1948) Guitarrista, substituiu Al Jardine nos Beach Boys entre 1962 e 63. Retomou um lugar na banda para gravar o álbum de regresso editado este ano.
Foi em volta da casa dos irmãos Brian, Carl (8) e Dennis Wilson que se viveu a pré-história dos Beach Boys. Partilhavam o mesmo quarto e, de noite, por vezes experimentavam harmonias vocais, já sob orientação de Brian. De resto, quando em 1963 gravam Lonely Sea para o seu segundo álbum, mais não sentem senão um reviver dessas memórias em família. Das experiências de cânticos nas noites de Natal junta-se aos três irmãos o primo Mike Love (9) (que seria o primeiro parceiro criativo de Brian, assinando as letras de muitas das canções da primeira etapa da vida do grupo). O quinteto ganha forma quando entra em cena Al Jardine (10), um colega de escola de Brian.
E foi em setembro de 1961 que Murray Wilson (o pai dos irmãos Wilson e primeiro manager da banda) levou os rapazes a um estúdio de gravação, em Melrose Avenue. Chamavam-se então The Pendletones e felizmente escutaram o promotor da editora quando este lhes sugeriu que mudassem de nome. Um mês mais tarde, com a etiqueta da pequena Candix Records, era editado Surfin’, o primeiro single dos Beach Boys. Passa nas rádios e faz-se um pequeno êxito local. Mas a editora não quis sequela. E, com uma maquete de quatro canções na mão – entre as quais Surfin’ Safari e 409 –, Murray leva a música dos Beach Boys a visitar outros editores. Foi Nick Venet, da Capitol Records, quem reagiu, compreendendo que tinha encontrado o que Barney Hoskins descreve como ouro adolescente [teenage gold é a expressão que usa]. Tinha razão. E o sonho, com sabor a surf, deu primeiro sinal de si bem longe do mar, quando pouco depois Surfin’ Safari, o primeiro single que lançam pela Capitol (em junho de 1962), se transforma num sucesso em Phoenix, no Arizona. A meio do deserto, portanto...
Apesar das baixas expectativas de alguns executivos da editora, que os viam como suburbanos sem grande futuro, Surfin’ Safari sobe ao número 14 à escala nacional, cativando atenções para o álbum, com o mesmo tempo, que editam pouco depois. Contudo, é só depois do “caso” sério em que se transforma Surfin’ USA (já em março de 1963) que a vaga surf varre os EUA de costa a costa, dando lugar às mais improváveis manifestações de sucesso à conta do fenómeno. Jack Nitsche chega ao top 40 com The Lonely Surfer, Bobby Darin e Jim McGuinn cantam Beach Ball como City Surfers, o baterista de jazz Shelly Manne grava The Monster Surfer. Há até mesmo uns Surfer Mariachis, que editam, com tempero mais mexicano, Surf South of the Border.
Convém contudo recordar que nem só da euforia surf vivia então a música dos Beach Boys. Até porque, julgando ser esse um fenómeno passageiro, os responsáveis da editora criam em 1963 uma compilação centrada num outro foco de paixão juvenil: os carros. Quanto mais rápidos, melhor. Usam Shut Down, título de canção dos Beach Boys para lhe dar nome. A decisão não agrada ao grupo, que contudo responde editando em 1963 o álbum Little Deuce Coupe, igualmente focado nesses entusiasmos a quatro rodas.
O reverso da medalha, de onde nasceriam as linhas que pouco depois definiriam outros rumos e etapas na obra dos Beach Boys, surgira no alinhamento de Surfin’ USA, o seu segundo álbum de originais (1963). Lonely Sea, uma emotiva balada, era uma composição na qual Brian Wilson trabalhara conjuntamente com Gary Usher, um vizinho em Hawthorne que intuira algo ao escutar a melodia. “No dia em que o conheci [fala de Brian], entendemo-nos logo como num romance platónico. Ele perguntou-me em que é que eu estava trabalhar. E eu tinha algumas palavras para o Lonely Sea e uma base para uma progressão de acordes. (...) O Brian acabou a música. E completámos a canção nesse mesmo dia.” (11) O texto que acompanha o booklet de uma das reedições de Surfin’ USA lembra que Lonely Sea representa o primeiro instante em que a “emoção” se afirma como elemento central numa canção dos Beach Boys. Aparentemente perdida entre hinos de hedonismo, festa, praia e mar, a canção acabaria por ser um dos momentos mais consequentes do alinhamento do álbum. Não só abrindo caminho para In My Room (de Surfer Girl, editado em setembro de 1963), como semeia um espaço de afirmação mais pessoal que Brian Wilson aprofundaria mais tarde em The Beach Boys Today! (1965), antecipando a expressão maior da sua individualidade que chegaria em 1966 com Pet Sounds. O crítico de música Jim Fusilli defende mesmo que canções como Lonely Sea, assim como Surfer Girl ou Your Summer Dream não falavam de amor e romance, mas sim de solidão e alienação. (12)
Mas estes são ainda dias de sonho e festa, aos poucos os EUA transformando os Beach Boys num dos maiores fenómenos de popularidade do seu tempo. Tendo decidido retomar os estudos, Al Jardine afastara-se temporariamente do grupo, sendo substituído até finais de 1963 por David Marks (13), guitarrista e amigo de Carl, que assim surge nas fotos das capas dos primeiros álbuns. David não canta mas Domenic Priore, um estudioso do fenómeno da música surf, defende que a sua presença no grupo – sobretudo na relação instrumental com Carl – foi marcante na época, não apenas para a definição do som dos Beach Boys mas para o som de guitarras naquele espaço da invenção pop.
Surfer Girl, que ainda conta com David Marks a bordo, foi o primeiro álbum a apresentar na capa um crédito na produção para Brian Wilson. Ele era já o evidente compositor principal do grupo e a ideia de passar tempo na estrada, em digressão, começava já a fazer-lhe sentir que era algo que lhe tirava tempo para a criação. No texto por si assinado que abre a reedição de 2001 de Surfer Girl ele mesmo confessa: “Estava cansado de andar em digressão e este álbum ajudou-me a relaxar e a ser criativo.” Mas faltava ainda algum tempo até ao dia em que colocou um ponto final na sua agenda de palcos, para passar a viver a sua relação com os Beach Boys exclusivamente no estúdio.
8 – Carl Wilson (1946-1998) Principal guitarrista dos Beach Boys. Teve breve discografia a solo nos anos 80.
9 – Mile Love (n. 1941) Primo dos irmãos Wilson, é um dos fundadores e vocalistas dos Beach Boys. Editou um álbum a solo em 1981.
10 – Al Jardine (n. 1942) Guitarrista e um dos vocalistas dos Beach Boys. Mantém obra a solo desde 2001.
11 – ver booklet da reedição de 2001, pela EMI, de Surfin' Safari e Surfin'USA
12 - in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 23
13 - David Marks (n. 1948) Guitarrista, substituiu Al Jardine nos Beach Boys entre 1962 e 63. Retomou um lugar na banda para gravar o álbum de regresso editado este ano.
sábado, setembro 08, 2012
Nem só de verão vivem os Beach Boys (1)
Foi em 1962, há 50 anos, que os Beach Boys editaram o seu primeiro álbum. Este texto foi originalmente publicado na edição de 25 de agosto do suplemento Q., do Diário de Notícias, com o título 'A luz iluminou os Beach Boys quando saíram do sol'.
Segundo nos contam alguns pensadores da cultura pop, o teenager americano nasceu por volta de 1955. Elvis Presley tinha entrado nos estúdios da Sun Records no ano anterior e de lá saído com um primeiro single. Com alguma ironia, como descreve Barney Hoskins na sua história da música de Los Angeles, o teenager branco americano “definia a sua rebelião através do rhythm’n’blues negro, do mesmo modo como os punks brancos e suburbanos dos anos 90 definiam a sua com o gansta rap” (1). Como o autor também descreve, em muitas outras cidades americanas de então, os adolescentes de Los Angeles bebiam batidos, dançavam os discos que ouviam nas jukeboxes, viam filmes e estavam atentos às tendências que iam surgindo. A diferença, como aponta Barney Hoskins, é que estes adolescentes estavam a crescer num lugar que pegava nas tendências juvenis e as transformava em filmes. E ali “a fronteira entre a realidade e a ilusão no celulóide rapidamente se esbatia” (2).
Era esta a cidade em que cresciam os irmãos Wilson. Moravam numa casa (que foi demolida nos anos 80 para dar lugar a uma autoestrada) em Hawthorne, uma zona de Los Angeles não muito longe do mar. Murray e Audree, os pais, gostavam ambos de música e encorajavam os filhos não apenas a cantar mas também a tocar instrumentos. Como recorda Nick Venet (que assinou os Beach Boys para a Capitol Records), na altura nenhum dos três irmãos fazia surf. Nem mesmo Dennis (3), que acabaria como o sex symbol do grupo e um praticante reconhecido de surf: “Apanhavam tudo nos filmes”, disse. Pelo que, defende Barney Hoskins, como tantas outras realidades californianas, os Beach Boys “eram uma ilusão canalizada por Hollywood” (4).
O ambiente familiar na casa dos irmãos Wilson estava contudo longe de ser idílico. São de resto conhecidas as histórias de violência do pai sobre os filhos, uma delas apontando uma bofetada que teria consequências num dos ouvidos de Brian (5). O seu desejo de fuga era, portanto, evidente, procurando assim um lugar de conforto pessoal, um “esconderijo”. E em vez de um lugar físico, descobriu esse espaço na sua música. “A minha cabeça estava cheia de uma necessidade de tirar uma má infância do meu peito. E fazia-o sentando-me ao piano, tocando acordes e ritmos.” (6) Porém, e como sugere Barney Hoskins, “raspa-se a superfície bronzeada do sonho californiano e o que encontramos é uma família severamante disfuncional, aterrorizada por um ogre que fumava cachimbo” (7), claro contraste com os cenários paradisíacos de sol, festa e mar que ouvíamos nos hinos que rapidamente mostraram ir bem mais longe do que a maioria dos demais nomes do surf feito música pop.
1 – in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 39
2 – ibidem
3 – Dennis Wilson (1944-1983) – Baterista dos Beack Boys, lugar que foi seu até à data da sua morte. Em 1977 editou, a solo, 'Pacific Ocean Blue'.
4 - in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 60
5 – Brian Wilson (n. 1942) Líder e principal autor das canções dos Beach Boys e reconhecido como um dos maiores nomes da história da música popular. Depois do seu colapso mental em 1967 levou algum tempo a retomar o seu lugar de maior protagonismo no grupo. Tem discografia a solo desde 1987 (tendo lançado antes um primeiro single, em nome próprio, em 1966)
6 – in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 20
Segundo nos contam alguns pensadores da cultura pop, o teenager americano nasceu por volta de 1955. Elvis Presley tinha entrado nos estúdios da Sun Records no ano anterior e de lá saído com um primeiro single. Com alguma ironia, como descreve Barney Hoskins na sua história da música de Los Angeles, o teenager branco americano “definia a sua rebelião através do rhythm’n’blues negro, do mesmo modo como os punks brancos e suburbanos dos anos 90 definiam a sua com o gansta rap” (1). Como o autor também descreve, em muitas outras cidades americanas de então, os adolescentes de Los Angeles bebiam batidos, dançavam os discos que ouviam nas jukeboxes, viam filmes e estavam atentos às tendências que iam surgindo. A diferença, como aponta Barney Hoskins, é que estes adolescentes estavam a crescer num lugar que pegava nas tendências juvenis e as transformava em filmes. E ali “a fronteira entre a realidade e a ilusão no celulóide rapidamente se esbatia” (2).
Era esta a cidade em que cresciam os irmãos Wilson. Moravam numa casa (que foi demolida nos anos 80 para dar lugar a uma autoestrada) em Hawthorne, uma zona de Los Angeles não muito longe do mar. Murray e Audree, os pais, gostavam ambos de música e encorajavam os filhos não apenas a cantar mas também a tocar instrumentos. Como recorda Nick Venet (que assinou os Beach Boys para a Capitol Records), na altura nenhum dos três irmãos fazia surf. Nem mesmo Dennis (3), que acabaria como o sex symbol do grupo e um praticante reconhecido de surf: “Apanhavam tudo nos filmes”, disse. Pelo que, defende Barney Hoskins, como tantas outras realidades californianas, os Beach Boys “eram uma ilusão canalizada por Hollywood” (4).
O ambiente familiar na casa dos irmãos Wilson estava contudo longe de ser idílico. São de resto conhecidas as histórias de violência do pai sobre os filhos, uma delas apontando uma bofetada que teria consequências num dos ouvidos de Brian (5). O seu desejo de fuga era, portanto, evidente, procurando assim um lugar de conforto pessoal, um “esconderijo”. E em vez de um lugar físico, descobriu esse espaço na sua música. “A minha cabeça estava cheia de uma necessidade de tirar uma má infância do meu peito. E fazia-o sentando-me ao piano, tocando acordes e ritmos.” (6) Porém, e como sugere Barney Hoskins, “raspa-se a superfície bronzeada do sonho californiano e o que encontramos é uma família severamante disfuncional, aterrorizada por um ogre que fumava cachimbo” (7), claro contraste com os cenários paradisíacos de sol, festa e mar que ouvíamos nos hinos que rapidamente mostraram ir bem mais longe do que a maioria dos demais nomes do surf feito música pop.
1 – in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 39
2 – ibidem
3 – Dennis Wilson (1944-1983) – Baterista dos Beack Boys, lugar que foi seu até à data da sua morte. Em 1977 editou, a solo, 'Pacific Ocean Blue'.
4 - in Waiting For The Sun, de Barney Hoskins (Bloomsbury, 1996), pag 60
5 – Brian Wilson (n. 1942) Líder e principal autor das canções dos Beach Boys e reconhecido como um dos maiores nomes da história da música popular. Depois do seu colapso mental em 1967 levou algum tempo a retomar o seu lugar de maior protagonismo no grupo. Tem discografia a solo desde 1987 (tendo lançado antes um primeiro single, em nome próprio, em 1966)
6 – in 'Pet Sounds', de Jim Fusili (Continuum, 2005), pág 20
terça-feira, junho 19, 2012
Novas edições:
Beach Boys, That's Why God Made The Radio
Beach Boys
“That’s Why God Made The Radio”
Capitol / EMI Music
2 / 5
Se é verdade que o melhor da discografia dos Beach Boys não se esgota em Pet Sounds (e basta escutar belos discos como Friends, de 1968, ou Surf’s Up, de 1971 para o reconhecer) o certo é que, a partir de meados dos 70 o grupo nunca mais encontrou uma noção de caminho, e assinou mais tiros ao lado e momentos constrangedores que os que a história da sua obra alguma vez deveria ter conhecido. Nos últimos anos assistimos, sob claro protagonismo de Brian Wilson, a uma série de importantes reencontros com a memória dos Beach Boys, ajustando sobretudo contas com aquela que (a par com o genial Pet Sounds de 1966) se poderá inscrever como uma das suas obras-primas: o “clássico” perdido, Smile, felizmente entretanto reencontrado (primeiro na regravação de Wilson, depois na arrumação e recuperação das sessões da época, que fez nascer em 2011 The Smile Sessions, disco que deu conta de um certo reconhecimento quase unânime e transversal por uma das maiores forças criativas da história da canção popular). Mas viver das memórias não lhes pareceu suficiente. E resolveram juntar-se de novo... E o reencontro do grupo, para uma digressão que assinala os seus 50 anos de vida e a edição de um novo álbum poderia ser mais um passo errado a juntar aos que fizeram a cronologia dos Beach Boys sobretudo nos anos 80 e 90. Se bem que longe dos maiores tropeções da sua discografia (como o disco country de 1996), That’s Why God Make The Radio também não vai acrescentar o que quer que seja à sua obra senão uma valente dose de nostalgia em 12 canções, o grupo jogando à defesa num terreno seguro que transporta ecos de algum do seu trabalho na reta final dos sessentas. Brian Wilson retoma o seu protagonismo histórico e o grupo reencontra a personalidade vocal que desde cedo demarcou o seu espaço. As canções surgem arrumadas em duas faces distintas (como num disco de vinil), as mais festivas no lado A, as baladas no lado B, na reta final do disco morando temas como Pacific Coast Highway ou Summers Gone onde, sem perder todas as características da "alma" Beach Boys, o passar do tempo é vincado de uma forma que expressa a verdade daquilo que hoje são, e não apenas o efeito de contemplação de memórias, como quem faz as pazes ao ver um álbum de velhos retratos, como por vezes sentimos em grande parte do disco. O single, que dá título ao álbum, tem o mérito de não ser uma mera projeção no presente daquilo que foram. Já canções como o desinspirado Spring Vacation ou o amaciado Isn't It Time moram num alinhamento que, somado, tem o caráter inofensivo de uma banda de bar de hotel... E que em nada acrescenta ao que a história deles fez.
segunda-feira, dezembro 19, 2011
50 anos depois
E eis que chega a notícia de mais uma reunião... a dos Beach Boys. Para assinalar os 50 anos de vida da banda, 2012 Brian Wilson reúne-se com os velhos companheiros (naturalmente na sua formação actual), prometendo não apenas uma digressão (de 50 datas), uma campanha de reedições e um novo best of, mas também um novo disco de originais. “Saudade” é uma das palavras que Brian Wilson usa na nota oficial que apresentam no seu site, referindo-se aos companheiros da banda que, com as suas canções, se fez numa das referencias maiores da história da música popular.
Podem ler a nota oficial aqui.
sexta-feira, novembro 18, 2011
Novas edições:
The Beach Boys, Smile
The Beach Boys
“Smile”
Capitol Records / EMI Music
5 / 5
“Smile”
Capitol Records / EMI Music
5 / 5
O disco perdido é sempre o mais apetecido. Mas essa não é a única justificação para explicar o carácter mítico que fez de Smile o mais célebre dos discos perdidos da história da música popular. A história começa em 1966, na sequência do visionário Pet Sounds, álbum que só por si era já suficiente para inscrever os Beach Boys na galeria dos mais ilustres criadores da história da música pop. Mas Brian Wilson quis ir mais longe. E sonhou com aquilo que definiu como uma sinfonia juvenil para Deus. Chamou Van Dyke Parks para escrever as letras e, ao piano, começou a desenvolver ideias e a escrever canções. Os primeiros sinais do que poderia ser o som de um novo álbum ganharam forma em Good Vibrations. Usando as novas soluções ao alcance do estúdio de gravação como ferramenta de trabalho, Brian Wilson concebeu Good Vibrations como um puzzle onde se arrumava uma vastidão de acontecimentos, todo o processo envolvendo muitas e longas de estúdio álbum, os resultados incríveis das vendas do single calando os eventuais cépticos... E que tal fazer, então, todo um álbum nesse comprimento de onda. Brian Wilson arregaçou as mangas e meteu mãos à obra. O trabalho que imaginava era de um outro patamar de complexidade, obrigando a todo um trabalho de experiências e ensaios, caminhando para lá das fronteiras habituais da canção pop. Procurando caminhos, experimentando soluções.
O ambiente interno não ajudou, os primeiros sinais de oposição à ideia de Smile (assim se chamaria o álbum) nascendo entre o grupo. O desconforto desse clima, o sucessivo adiamento de prazos e o choque que foi o sentir que Strawberry Fields Forever, dos Beatles deixara em Brian Wilson a sensação de que os fab four haviam lá chegado primeiro são alguns dos grãos que foram, aos poucos, estragando a engrenagem. A dada altura a ansiedade ultrapassou os limites de tolerância e Smile, que já tinha capas feitas e data de lançamento anunciada, voltou para a gaveta. E ali ficou 44 anos... Não faltaram bootlegs com tentativas de reconstrução do álbum a partir dos elementos que entretanto acabaram usados noutros discos. Houve ainda, na última década, uma versão regravada de Smile, editada a solo pelo próprio Brian Wilson.
E agora, 44 anos depois, das sessões abandonadas em 1967 o grupo reconstrói o álbum. Smile confirma em tudo a visão de Brian Wilson e mora agora (mesmo no formato de álbum reconstruído, com peças ainda eventualmente incompletas) ao lado de Sgt. Peppers dos Beatles, Their Satanic Majesties Request dos Rolling Stones, Forever Changes dos Love, Piper At The Gates Of Dawn ou The Doors, dos Doors (entre outros mais, é verdade) como um dos grandes títulos representativos daquela etapa (o psicadelismo, naturalmente) em que a música ganhou cor e atingiu novos patamares. Smile junta a esses outros discos a assinatura dos Beach Boys nas elaboradas harmonias vocais, na luminosidade solarenga que abraça as canções, na amplitude impressionante de espaços que servem de palco aos acontecimentos que se sucedem. Smile é um monumento de ideias. Um colosso pop. E, 44 anos depois, o que estava perdido acaba encontrado, ao mercado surgindo várias edições (umas com mais gravações extra que outras, retratando a vastidão de ideias procuradas em estúdio) que surgem acompanhadas por textos, um deles assinado pelo próprio Brian Wilson que, assim, arruma de uma vez por todas o era uma vez de uma das histórias mais contadas da música popular.
Subscrever:
Mensagens (Atom)