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domingo, agosto 12, 2012

Quando a Lua andou por aí fora... (2)


Esta é a segunda parte de um texto originalmente publicado na edição de 4 de agosto de 2012 do suplemento Q., com o título 'O Culto que Nasceu Quando a Lua se foi Embora'.

Na altura em que a ITC sugere a criação de uma segunda época de episódios da série UFO, tinham passado apenas onze anos sobre o discurso de John F. Kennedy que lançara os EUA na corrida à Lua e as missões tripuladas da Nasa tinham já deixado de causar a sensação vivida em julho de 1969 com a Apollo XI. O pequeno satélite natural da Terra era, contudo, espaço há muito “visitado” pela ficção. De resto, o mais antigo relato de uma viagem especial ficcionada (e que muitas vezes é apontado como a primeira manifestação da pré-história da ficção-científica) aponta precisamente a Lua como destino. Data do século II a.C. (em concreto do ano 160 a.C.) a História Verdadeira de Luciano de Samóstrata, na qual os dois heróis da narrativa ali chegam com a ajuda de uma tromba de água, contactando de seguida os povos e o rei da Lua... A mesma Lua é visitada depois em textos como o Somnium de Johannes Kepler (escrito em 1610 mas apenas publicado postumamente em 1634), por Cyrano de Bergerac em Voyage dans La Lune (1657), por Daniel Defoe (em The Consolidator, de 1705), Washington Irving (The Conquest Of The Moon, 1809) ou ainda Edgar Allan Poe, no histórico The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall (1835), que é por vezes apontado como um dos exemplos pioneiros de uma narrativa de ficção científica, cabendo contudo a romances como Da Terra à Lua, de Júlio Verne (1865) ou The First Men In The Moon de H.G. Wells (1901) o estabelecimento de uma lógica de ficção científica em narrativas onde tanto as características técnicas da viagem como os olhares sobre o espaço visitado abrem espaço a outra abordagem.

Em 1902, com Le Voyage dans la Lune, de Georges Meliès, a Lua chega aos ecrãs de cinema. E apesar de algumas outras visitas posteriores – de Frau Im Mond (1929) de Fritz Lang ou Destination Moon de George Pal (1950), passando pelo já referido 2001 de Kubrick ou o mais recente Moon (2009), de Duncan Jones – a Lua continuou a conhecer maior protagonismo entre os destinos da literatura de ficção científica em títulos assinados por autores como, entre outros, Robert A. Heinlein, Ben Bova, Arthur C. Clarke ou Isaac Asimov.

Coleção de cromos
O estatuto de culto alcançado por Espaço 1999 (que inicialmente colheu mais entusiasmos nos EUA que na Europa) fez da série uma referência maior da história da ficção científica em cenário lunar. Isso não poupa a série a críticas, como a que faz a Encyclopaedia of Science Fiction que, apesar de reconhecer a qualidade dos efeitos visuais e dos cenários “imaginativos”, descreve as personagens como estereotipadas e os guiões como desprovidos de sentido de humor (característica de facto mais evidente em Star Trek). Apesar dos momentos de debate mais filosófico (como sucede no debate entre Koenig e Bergman no episódio Black Sun) ou da utilização de conceitos científicos (como a antimatéria, peça central na trama do episódio A Matter of Life and Death), a série não deixa de dar o seu tropeção na ciência quando, como apontam John Clute e Peter Nicholls, a trajetória da Lua no espaço parece não seguir quaisquer leis da física ou se confunde o parsec com uma unidade de medição de velocidade, quando na verdade é uma medida de comprimento.

Depois de uma primeira época de 24 episódios, onde surgiram entre os atores convidados nomes como os de Christopher Lee, Peter Cushing ou Joan Collins, um segundo ano de produção juntou ao elenco novas figuras, uma delas a de Maya, uma extra-terrestre com capacidades mutantes interpretada por Catherine Schell (que fora atriz convidada no episódio The Guardian of Piri da primeira época). A segunda série foi moldada ainda mais ao mercado americano. Segundo explica Chris Drake em UFO and Space 1999, os resultados obtidos nos EUA sugeriram mudanças até no plano da produção, com o lugar de Sylvia Anderson (que se afastara por motivos pessoais) entregue ao americano Ferd Freiberger, que trabalhara na terceira época de Star Trek. As mudanças que propõe revelam-se quer no plano da relação entre personagens (ganha forma mais evidente a ligação romântica entre Koenig e a Dra. Russell) e cenários (a Missão Principal é redesenhada para atingir dimensões mais reduzidas e passa a chamar-se Centro de Comando) (10). Os resultados ficam contudo muito aquém do esperado. E o ponto final chega sem surpresas.

O elenco da primeira (cima) e segunda épocas de 'Espaço 1999'
Nos anos seguintes alguns dos episódios da série conheceram novas montagens e foram usados como tele-filmes (chegaram a ser editados nesse formato em VHS). As repetições em televisão, as edições em vídeo, mais tarde DVD e, agora Blu-Ray, aprofundaram contudo o seu estatuto como fenómeno de culto. Depois de uma tentativas falhadas para uma terceira série de episódios e de uma igualmente frustrado projeto de desenvolvimento de uma eventual adaptação ao cinema, o legado de Espaço 1999 ganhou nova vida quando, já este ano, a Variety revelava que a ITV Studios America e a HDFilms estavam a trabalhar o desenvolvimento de uma nova série com o título Space 2099... A história talvez não fique por aqui...

9 – Datam precisamente de 1972 as missões tripuladas Apollo 16 e Apollo 17
10 – ver 'UFO and 'Space 1999', de Chris Drake, ITC Entertainment Group, 1994 – pág 79.

sábado, agosto 11, 2012

Quando a Lua andou por aí fora...

Esta é a primeira parte de um texto originalmente publicado na edição de 4 de agosto de 2012 do suplemento Q., com o título 'O Culto que Nasceu Quando a Lua se foi Embora'.

13 de setembro de 1999... Uma sucessão de reações em cadeia nos depósitos de detritos nucleares na face escura da Lua gera uma explosão sem precedentes que catapulta o satélite natural da Terra para lá da sua órbita, levando consigo para uma viagem pelo espaço profundo, e sem timoneiro nem leme, os mais de 300 habitantes de uma base lunar... Hoje sabemos que semelhante cataclismo não aconteceu, a Lua visitando-nos ainda, noite após noite, nos nossos céus. E na verdade, quando esta mesma “história” passou pela primeira vez pelos ecrãs de televisão, em 1975, era cenário que se encarava como exercício de ficção, sem projeção possível na realidade. Essa foi contudo a premissa que lançou as bases para uma série que se transformaria num dos maiores fenómenos de culto da ficção científica e que nasceu de um desafio lançado há precisamente 40 anos.

Foi em 1972 que, perante os resultados encorajadores da série de ficção científica UFO (1), a ITC Entertainment pede a Gerry (2) e Sylvia Anderson (3) que preparem uma segunda época de novos episódios. Narrativa e cenários são repensados e um considerável investimento é feito na criação de novos espaços e maquetes. Tanto que, sob uma decisão posterior de travar o processo, a alternativa a fechar o projeto na gaveta (sob ostensiva carteira de gastos) acaba por se transformar no desafio de criar uma nova série. E do trabalho de progressiva afinação de conceito e detalhes que se segue surge Space 1999 (que se estreará em Portugal como Espaço 1999).

Uma das premissas estruturais pedidas por Abe Mandell (diretor do escritório nova iorquino da ITC) para o desenvolvimento da série determinava que nenhum episódio poderia decorrer na Terra. E, como o próprio Gerry Anderson recorda no booklet que acompanha a edição em Blu-ray da primeira série de Espaço 1999, Abe terá deixado bem claro que queria que o produtor lhe telefonasse o mais depressa possível para lhe explicar “como é que seria impossível fazer um episódio na Terra”. Solução? Tirar a Lua da sua órbita... E a ideia avançou.

Com um elenco atento ora à necessidade de cativar audiências nos EUA – daí a contratação do casal Martin Landau (4) e Barbara Bain (5) – ora respeitar a alma inglesa da produção (Barry Morse (6) sendo aí uma figura fulcral) e, mais tarde, a presença da RAI como co-produtora (com uma série de atores italianos, sobretudo entre convidados e papéis secundários), Espaço 1999 teve uma gestação atribulada, chamando o trabalho de vários realizadores e argumentistas. A experiência de Gerry Anderson na criação de séries com importante presença de efeitos visuais (recorde-se que assinou antes criações como Fireball XL-5. Stingray ou os Thunderbirds) colocou-o num espaço privilegiado para o acompanhar dos trabalhos de uma equipa que criou a maquete da base lunar Alpha, das suas naves de serviço (Eagle) e dos mundos que os episódios depois visitariam. Entre os grandes feitos da direção artística da série conta-se o trabalho de design de interiores que não só confere às imagens uma noção de um futuro elegante e minimalista como permitia, através de um jogo de módulos de paredes e portas, criar uma variedade de soluções para as diferentes salas, multiplicando assim as potencialidades dos décors.


Desde cedo surgiram naturais comparações entre Espaço 1999 e Star Trek (entre nós O Caminho das Estrelas) (7), cuja série original havia sido apresentada entre 1966 e 1969. Essas afinidades são apontadas inclusivamente na The Encyclopedia of Science Fiction de John Clute e Peter Nicholls onde, referindo ambos como seguindo um formato em que há viajantes pela galáxia “visitando vários planetas e encontrando estranhas formas de vida”. Mas, continuam os autores, “onde as personagens de Star Trek viajam a bordo de uma nave espacial, o pessoal de Espaço 1999 faz a sua demanda interplanetária numa Lua em fuga, criando uma 'obrigação' que deverá ter causado muitas frustrações aos argumentistas” (8). Outra das evidentes afinidades da série aponta à memória (ainda recente) do filme 2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, não apenas nas sequências vividas na superfície lunar como nas que acompanhamos na estação orbital em torno da terra e no vaivém que acompanhamos rumo à base lunar. Se tivermos ainda em conta que a chegada do homem à Lua (em julho de 1969) era ainda uma memória viva e que estava ainda vigente o projeto Apollo, da Nasa (9) quando decorreram em 1972 as primeiras reuniões das quais nasceria a ideia para a série, a Lua (e a ideia de uma base lunar), mais que uma atraente ideia de ficção científica, parecia destino afinal ao alcance da ciência.

1 – UFO – Série de ficção-científica criada por Gerry Anderson. Teve emissão original em 1970.
2 – Gerry Anderson (n. 1929) Produtor, argumentista e realizador, assinou várias séries envolvendo marionetas e usando um processo designado por supermarionation. São exemplo dessa etapa títulos como Fireball XL-5, Stingray, Thunderbirds ou Captain Scarlet. Entre as séries de imagem real foi o criador, entre outras, de UFO, The Protectors ou Espaço 1999
3 – Sylvia Anderson (n. 1927) Produtora, foi casada com Gerry Anderson entre 1962 e 75. Trabalhou, entre outras, na primeira época de Espaço 1999.
4 – Martin Landau (n. 1928) Ator norte-americano, interpretou o comandante Koenig em Espaço 1999. Nessa altura estava casado com Barbara Bain. Ganhou um Óscar pelo trabalho como Melhor Ator Secundário em Ed Wood (1994), de Tim Burton.
5 – Barbara Bain (n. 1931) Atriz norte-americana, interpretou a Dra. Helena Russell em Espaço 1999.
6 – Barry Morse (1918-2008) Ator anglo-canadiano, interpretou o papel do cientista Victor Bergman em Espaço 1999.
7 – Star Trek – Série televisiva criada por Gene Rodeneberry. Teve primeira vida no pequeno ecrã entre 1966 e 69. Mais tarde chegou ao cinema e gerou outras séries baseadas no mesmo universo.
8 – in The Encyclopedia of Science Fiction, de John Clute e Peter Nicholls