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quinta-feira, março 03, 2016

Jazz sob o signo da Noruega

Cruzam-se aqui várias nacionalidades. Mas a raiz de tudo isto é norueguesa. E se não é propriamente uma surpresa a fascinante criatividade dos músicos escandinavos (lembremos o incontornável saxofonista sueco Mats Gustafsson), estes são dois álbuns indissociáveis da aliança entre Jon Rune Strøm (contrabaixo) e Tollef Østvang (bateria), criadores da Noruega que, como se prova, têm gosto em abrir as suas experiências estruturais e melódicas às sonoridades, tão enérgicas quanto sensuais, dos instrumentos de sopro:
* SATAN IN PLAIN CLOTHES é um trabalho do quinteto All Included, integrando Martin Küchen (saxofones), Thomas Johansson (trompete) e Mats Aleklint (trombone). Celebração esfuziante da mais genuína arte da improvisação, nele encontramos um sentido da abstracção que apetece aproximar de alguns conceitos matemáticos, sem que isso exclua, bem pelo contrário, a permanente inscrição da dimensão corporal nas aventuras da música.
* SKULLDUGGERY tem assinatura do trio Universal Indians, com Strøm, Østvang e John Dikeman (saxofone), integrando como convidado o saxofonista americano Joe McPhee. Neste caso, o impulso do improviso convoca as paisagens do bebop para as redesenhar através de uma lógica de desconstrução/reconstrução que, no limite, abre hipóteses de novas derivas poéticas — mesmo nos momentos mais agrestes, prevalece um estranho e envolvente intimismo.
São mais dois lançamentos com chancela da Clean Feed, solicitando a nossa escuta para exercícios de paradoxal fascínio, porventura atraindo a tão massacrada palavra "vanguarda", mas não perdendo de vista a herança plural da tradição — aqui fica um registo dos Universal Indians, com Joe McPhee, em Zuiderpershuis (Bélgica, 15/06/2014).

quinta-feira, janeiro 28, 2016

Trompete, contrabaixo & etc.

No catálogo da Clean Feed, Susana Santos Silva (trompete) e Torbjörn Zetterberg (contrabaixo) tinham já exposto a singularidade da sua colaboração no álbum Almost Tomorrow (2013): uma teia de rimas sonoras e clivagens estruturais que gerava um sereno conceito de cumplicidade [video Porta Jazz: em concerto]. Agora, em If Nothing Else, mantém-se a conjugação de esforços, com a sonoridade insólita e complementar do órgão de Hampus Lindwall [lembremos também a experiência paralela do quinteto de Susana Santos Silva]. O resultado tem algo de ascético, caminhando no sentido de um minimalismo que, adequadamente, desemboca no tema final do alinhamento, intitulado One Note Song — ou como a austeridade do som revela os enigmas de imensas paisagens.

domingo, outubro 11, 2015

O código de Dre Hocevar

O trio. Clássico? Sim, talvez. Digamos, para simplificar, que o verdadeiro classicismo é sempre o que se conjuga no futuro. Talvez por isso o centro está na bateria de Dre Hocevar. Aliás, questionemos qualquer metáfora geométrica: não há centro, antes uma contemplação extasiada e, à sua maneira, espectacular da presença do violoncelo de Lester St. Louis, com o piano de Bram de Looze a fingir, em feliz cumplicidade com os seus pares, que a liderança lhe pertence.
Digamos que o álbum do trio de Dre Hocevar, Coding of Evidentiality (viva a Clean Feed!), é um daqueles objectos capaz de nos colocar no ponto quente de uma encruzilhada em que a pulsão futurista se confunde com a ilusão redentora de que estamos a reencontrar sons que já nos encantaram noutra idade da música, numa dimensão outra do tempo artístico. Sendo aqui a arte essa coisa de sorriso terno que nos faz prescindir de qualquer certeza temporal — ouça-se o bem chamado Form of the Future Thought.


>>> Site oficial de Dre Hocevar.

segunda-feira, setembro 07, 2015

Mario Pavone — tradicional, ma non troppo

Músico de muitas variações e transfigurações, colaborador de nomes como Bill Dixon, Wadada Leo Smith ou Joshua Redman, o contrabaixista americano Mario Pavone (n. 1940) não esquece os valores tradicionais. A começar, claro, pelo trio com piano e bateria — neste caso, respectivamente, Matt Mitchell e Tyshawn Sorey [aqui em baixo num registo de 2014, no Cornelia Street Café, de Greenwich Village]. Com chancela Clean Feed, aí está uma bela expressão de tal disposição e dispositivo — chama-se Blue Dialect e reflecte uma alegria dialéctica em que tradição pode ser sinónimo de experimentação.

segunda-feira, agosto 31, 2015

Ver e ouvir segundo Pascal Niggenkemper

FOTO: Natasha Lébedeva
Poderá parecer uma desqualificação, mas é antes uma apaixonada valorização que está em jogo no primeiro registo a solo do contrabaixista germano-francês, sediado em Nova Iorque, Pascal Niggenkemper. Ou seja: quando escutamos os magníficos contrastes do seu contrabaixo, somos impelidos a redefinir o instrumento como um objecto que está muito para além da sua sonoridade "oficial", por assim dizer oscilando entre os mistérios do violino e a contundência da bateria, passando pelo magnanimidade do piano — 'Look with Thine Ears', edição com chancela Clean Feed, é uma apoteose de transfigurações que, em boa verdade, se podem escutar como compassos de uma longa frase de introspecção musical. Em direcção a quê? Pois bem, aproximando-se, e aproximando-nos, desse "ver com as orelhas" que está no título que Niggenkemper foi buscar ao Rei Lear:

GLOUCESTER
I do understand, by touch.

LEAR
What, are you crazy? You don’t need eyes to see how the world works. Look with your ears [texto original: Look with thine ears]. Look how the judge yells at a simple thief. Listen. But mix them up, have them switch places, and do you think you’d be able to tell which one is which? Have you seen a farmer’s dog bark at a beggar?

Na tradução portuguesa do Dr. Domingos Ramos (Lello & Irmão, Porto, 1988):

GLOUCESTER
Vejo-o, porque o sinto.

LEAR
Pois quê? estais doido? Um homem pode ver sem olhos como vai o mundo. Olhai com as vossas orelhas: vedes como aquele juiz se zanga com este ratoneiro? Prestai atenção: trocai os lugares e depois adivinhai qual é o juiz e qual é o ratoneiro. Tendes visto um cão de quinta ladrar a um mendigo?

Eis, justamente, a faixa 1 que dá o título ao álbum:


Nas magníficas notas de apresentação do disco, Stuart Broomer evoca a herança do Free Jazz (1961), de Ornette Coleman. E não é caso para menos: dir-se-ia que a duplicidade que Coleman colocou em cena, com dois quartetos, cada um para um dos canais do stereo — os contrabaixistas foram Scott LaFaro e Charlie Haden — se prolonga, aqui, através da múltipla "esquizofrenia" do contrabaixo, num labor tão radicalmente concreto que se revela capaz de tocar as fronteiras da mais fina abstracção. Um exemplo mais, para ver com as orelhas bem abertas: o apoteótico This Shall Not Be Revoked; logo a seguir, um registo de Niggenkemper, em 2009, em ambiente de trio, com Robin Verheyen (saxofone) e Tyshawn Sorey (bateria).



terça-feira, agosto 25, 2015

Eve Risser — cidade, neve e piano

Dizem as notas biográficas da francesa Eve Risser que o piano não foi uma prioridade na sua expressão: foi surgindo e, de alguma maniera, impondo-se como linguagem dominante. Não admira que, ao escutarmos um álbum tão estranho e fascinante como Des Pas Sur la Neige, sintamos o seu empenho em conduzir o piano (preparado) a zonas de expressão que parecem desmentir a sua identidade, tanto quanto, paradoxalmente, confirmar a sua especificidade. A metáfora da neve, misto de instabilidade e firmeza, envolve uma arquitectura que, no limite, se confunde com o imaginário da cidade: as três faixas do disco chamam-se mesmo, por esta ordem, Des Pas Sur la Neige, Des Pas Sur la Ville e La Neige Sur la Ville — ei-la numa performance no Kongsberg Jazz de 2014.


>>> Site de Eve Risser.

quarta-feira, agosto 19, 2015

"Coclea" ou a música como metáfora

"Coclea": canal auditivo, caracol... O dicionário ajuda-nos a reconfigurar o nosso (des)conhecimento, aproximando-nos da dimensão serenamente metafórica da música — este é, de facto, um disco de significações alternativas, em que, por assim dizer, a música se confronta com o desafio de transcender a sua própria abstracção.
Evitemos, por isso, a facilidade de nos ficarmos pela noção de que Coclea é uma antologia de "música-ambiente". Sem ofensa para o mestre Brian Eno, mas o rótulo banalizou-se, a ponto de nos fazer crer que o essencial se passa algures, fora da música, servindo esta apenas para configurar o ambiente da percepção. Nada disso: Guilherme Gonçalves trabalha a guitarra (enfim, imagino que as guitarras...), tal e qual ou através de manipulações electrónicas (imagino que electrónicas...), como instrumentos de criação do ambiente, dos cenários, das personagens, enfim, das narrativas.
São seis temas de envolvente verdade poética que não resisto a designar como visceralmente cinematográficos, de tal modo vislumbramos a dinâmica de um mundo visual em movimento, discutindo as significações de gestos e poses das suas invisíveis personagens. Quase como um fenómeno táctil — a faixa nº1, aqui reproduzida, chama-se mesmo Touch.

quinta-feira, agosto 13, 2015

Kris Davis, piano, clarinetes & etc.

Kris Davis
(FOTO: Peter Gannushkin)
Uma aventura fascinante — é o mínimo que podemos dizer do álbum Save Your Breath da pianista Kris Davis, com chancela Clean Feed. Canadiana, sediada em Nova Iorque, integra aqui o seu Kris Davis Infrasound, desenvolvendo uma teia sonora que encontra a sua expressão mais enérgica, porventura mais inesperada, na variedade de clarinetes: nada mais nada menos que quatro, a cargo de Ben Goldberg, Oscar Noriega, Joachim Badenhorst e Andrew Bishop. O ensemble, um octeto, é completado por Nate Radley (guitarra), Gary Versace (órgão) e Jim Black (bateria), gerando uma dinâmica de fraseados que se prolonga como numa estrada de muitas ramificações, mas um só norte. Gravado e misturado pelo mago Ron Saint German — cuja vasta discografia inclui, por exemplo, Goo (1990), dos Sonic Youth —, este é um exemplo modelar de uma música capaz de envolver o seu ouvinte a partir das direcções mais inesperadas, sem por em causa uma unidade de enigmáticas cumplicidades entre as formas de liberdade dos instrumentos.
Aqui fica a épica faixa nº 5, eloquentemente intitulada The Ghost of Your Previous Fuckup; em baixo, um video sobre a produção do álbum.




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quinta-feira, julho 02, 2015

Duas casas com jazz

Por vezes, as mais tocantes formas de solidariedade podem nascer das mais radiosas "incompatibilidades" — na música, sem dúvida; no jazz, em particular. Com chancela da Clean Feed, For Sale é um belo e esclarecedor exemplo da energia criativa que tal dinâmica pode conter e, se assim nos podemos exprimir, da sua candura estética. Assina o colectivo Deux Maisons, reunindo, justamente, duas casas de geografias e culturas tão distintas quanto próximas: de França, os irmãos Théo e Valentin Ceccaldi (violino e viola, o primeiro; violoncelo, o segundo); de Portugal, Luís Vicente (trompete) e Marco Franco (bateria).
É uma insólita reunião de sonoridades, porventura pouco ortodoxa. Nela se celebra, num misto de alegria e racionalismo, as possibilidades de um entendimento organizado em nome de uma noção de improviso & vanguarda que, por definição, rejeita os clichés da própria paisagem em que se enraiza — enfim, duas casas que vale a pena habitar [som: Two Living Rooms].

quinta-feira, junho 04, 2015

Elliott Sharp: solidão com guitarra

Tal como o título indica — Octal: Book Three —, trata-se de mais um capítulo de uma démarche desenvolvida a partir de exercícios anteriores, mantendo-se fiel à sua serena solidão. O americano Elliott Sharp (n. 1951) utiliza a sua guitarra Koll 8-string (objecto exclusivo, construído por Saul Koll) para criar onze peças, de cerca de três a seis minutos, cada uma delas estruturada como um evento em que o intérprete testa os limites do próprio instrumento, por assim dizer, obrigando-o a um radicalismo à beira do confessional. Poderemos, talvez, evocar experiências extremas como esse álbum maldito de Pat Metheny que é Zero Tolerance for Silence (1994) ou até, por pura ironia, o trabalho de Jean-Luc Ponty com o violino. Seja como for, esta é uma proposta irredutível a qualquer inspiração ou tendência, desenhando a paisagem fascinante de uma aventura singular, sempre mais envolvente a cada nova audição — aqui fica o som da faixa nº 9, Lyric

segunda-feira, junho 01, 2015

Jazz visível e invisível

É, por certo, um dos álbuns mais misteriosos e mais envolventes surgidos ao longo dos últimos meses — por mim, confesso que com ele tenho convivido entre a perplexidade mais radical e o puro fascínio. A reunião do francês Matthieu Donarier (saxofone) e do holandês Albert van Veenendaal (piano) faz-se em nome do mais radical tudo é possível que, de uma maneira ou de outra, sinaliza a história do jazz; ao mesmo tempo, tudo nele parece confluir no sentido de gerar uma arquitectura primitiva, fiel a padrões de rigorosa monumentalidade. A sugestão animal (explicitada na capa, através de uma Polaroid de Monique Besten) está longe, por isso, de ser excessiva ou deslocada — tudo se passa como se a visibilidade que o título convoca, The Visible Ones (Clean Feed), coexistisse com a sedução de uma dimensão invisível que permanece inacessível às palavras, mas não às notas de música. Em termos simples, assumidamente panfletários: uma obra-prima sem concessões, uma espécie de grau zero da música a partir do qual qualquer impossível volta a ser relativo.

quinta-feira, dezembro 18, 2014

Simão Costa, piano & etc.

O título, convenhamos, envolve um misto de sedução e resistência. Ora tomem nota, por favor: π_ANO PRE.CAU.TION PER.CU.SSION ON SHORT CIRCUIT.
Entramos num país de língua desconhecida. Ou melhor, em que sentimos a língua em processo de laboriosa e íntima fabricação: Simão Costa trata o piano como um objecto não necessariamente "pianístico", vogando numa paisagem que John Cage, et pour cause, ajudou a povoar — ou a despovoar, o que vem a dar no mesmo. O resultado faz-nos sentir as mãos do músico, tanto quanto as entranhas de computadores cúmplices da criação de harmonias agrestes e, se a palavra não ofender, paradoxalmente líricas. Aqui ficam cerca de oito minutos de um álbum fascinante, monumental, metafísico e visceral, não necessariamente por esta ordem.

terça-feira, janeiro 17, 2012

Luís Lopes: jazz luso-alemão

Luís Lopes (guitarra eléctrica) reaparece na companhia de Robert Landfermann (contrabaixo) e Christian Lillinger (bateria). Que é como quem diz: numa aliança Portugal/Alemanha, devidamente celebrada pelo título Lisbon Berlin Trio. Com chancela da Clean Feed, este é mais um exemplo de uma trajectória que integra uma memória, difusa mas visceral, de sonoridades rock, conjugada com um gosto experimental que caminha, pacientemente, para estruturas de insólita sedução — uma expressão modelar de uma pesquisa de contínua inquietude. Faixa emblemática: She Is, deambulação quase romântica. Quase.

terça-feira, novembro 15, 2011

Red Trio, muito "free"

Free jazz. Ou jazz muito free. Em boa verdade, talvez seja importante dispensarmos os rótulos: o novo álbum dos Red Trio, Empire, é mais um brilhante exemplo de uma estética do improviso que, para utilizarmos o jargão da informação televisiva, celebra as atribulações do tempo real.
Não simplifiquemos, no entanto: a estética gerada por Rodrigo Pinheiro (piano), Hernâni Faustino (contrabaixo) e Gabriel Ferrandini (bateria) configura também uma ética do instante que, por assim dizer, desafia todas as medidas do tempo. Daí a sensação paradoxal, aliás ampliada pela cumplicidade do saxofonista convidado, John Butcher: tudo se passa numa zona intermédia, nesse lugar onde o momento mais efémero e a eternidade mais utópica coexistem numa espantosa paleta de sonoridades. Uma bela aventura, enfim.

* Próximo concerto do Red Trio: 19 Novembro, 22h00, Teatro do Bairro (integrado no festival dos 10 anos da editora Clean Feed).

>>> Site oficial do Red Trio.

sexta-feira, junho 10, 2011

"Jazz às 5ªs." no CCB


O Centro Cultural de Belém relançou ontem (9 de Junho) as suas noites de Verão dedicadas ao jazz: o Rodrigo Amado Quarteto abriu uma temporada de concertos com entrada livre — Jazz às 5.ªs —, a prolongar-se até finais de Agosto. Eis o restante programa do corrente mês:

* 16 de Junho - TRESPASS TRIO
* 23 de Junho - RED TRIO
* 30 de Junho - HUGO CARVALHAIS

A iniciativa acontece em colaboração com a loja Trem Azul, assinalando também os primeiros 10 anos da editora Clean Feed.

quarta-feira, junho 08, 2011

BassDrumBone: viva o jazz!


A fotografia da capa chama-se The End of Winter, tem assinatura de Ziga Koritnik e foi obtida em Gavoi, Sardenha, em 2007 — é uma excelente condensação simbólica do ambiente de celebração do jazz que se vive no álbum The Other Parade (ed. Clean Feed).
BassDrumBone — Mark Elias (contrabaixo), Gerry Hemingway (bateria) e Ray Anderson (trombone) — comemoram uma aliança de trinta anos, mostrando que o sentido de inovação e o gosto do risco são inseparáveis de uma militante adoração das raízes mais primitivas de uma imensa paisagem de blues, melodias enigmáticas e insondáveis percussões. É um grande acontecimento discográfico, desses que nos fazem voltar a acreditar no valor futurista da nostalgia.

>>> BassDrumBone no JazzFest Berlin 2007.

terça-feira, maio 03, 2011

Jazz entre América e Suécia


Mais um magnífico "desvio" na trajectória do trompetista Darren Johnston, desta vez com Aram Shelton (saxofone, clarinete) Lisa Mezzacappa (contrabaixo) e Kjell Nordeson (bateria). Vêm, respectivamente, do Canadá (Ontario), EUA (Florida e Nova Iorque) e Suécia (Estocolmo) — têm como centro criativo a cidade de São Francisco e como bandeira inspiradora a música de Ornette Coleman. Mas não são meros revivalistas. O quarteto Cylinder é um caso muito sério de confluência de memórias queridas e experimentações ousadas, numa teia de sonoridades que preserva as singularidades de cada músico sem, por isso, pôr em causa a densidade orgânica dos resultados. Mais uma bela edição com chancela Clean Feed.

>>> Site oficial de Darren Johnston.

sexta-feira, março 04, 2011

Daniel Levin: o jazz como "coisa" orgânica


Uma luminosa jóia do jazz... ou não? O som do quarteto de Daniel Levin é tão exuberantemente jazzístico, tão feliz através das possibilidades de inventariação / decomposição / reconstrução das formas, dir-se-ia que o podemos definir — aliás, escutar — como "coisa" que desafia qualquer rótulo único e definitivo. Lembremos, em todo o caso, que o jazz é também essa vontade de superar a dependência de qualquer rótulo, encontrando uma nova organicidade. Título eloquente: Organic Modernism.
Estiveram recentemente entre nós, passando sucessivamente pelo Porto (Casa da Música), Portalegre (Portalegre Jazz Fest) e Lisboa (Culturgest). Sublinhemos, sobretudo, o facto de o som deste colectivo — Levin (violoncelo) + Nate Wooley (trompete) + Matt Moran (vibrafone) + Peter Bitenc (contrabaixo) — se espraiar por paisagens em que a nitidez dos horizontes aceita a poesia das sombras, num ciclo de exercícios que abre com uma trilogia de títulos tão saborosos como 'Action Painting', 'Zero Gravity' e 'My Kind of Poetry', para terminar, lá mais à frente (são 12 faixas), com o esclarecedor 'Active Imagination'.

* * * * *

PS (1) - Organic Modernism é mais um pequeno grande acontecimento com a chancela da editora Clean Feed. Sem que isso esteja minimamente em causa, importa deixar uma observação — pragmática e construtiva — sobre o facto de o texto (interessantíssimo!) publicado no interior da embalagem do CD surgir em caracteres tão miudinhos (não é caso único...) que torna a sua leitura um épico acto de resistência. Além do mais, quem o assina é Art Lange, crítico de Chicago que foi o primeiro presidente da Jazz Journalists Association.

PS (2) - Porque é que, ao acedermos ao site da Clean Feed, alguns filtros avisam para a existência de vírus informáticos?

* * * * *

>>> Este é um pequeno filme de 2009, assinado por Robert O'Haire, com Steve Swell (trombone), Rob Brown (saxofone) e Daniel Levin, interpretando Planet Dream.


>>> Sobre Organic Modernism.

domingo, agosto 15, 2010

Jazz em Agosto: dois trios (1)

São eles [da esquerda para a direita]: Rodrigo Pinheiro (piano, piano preparado), Gabriel Ferrandini (bateria) e Hernâni Faustino (contrabaixo) — o Red Trio esteve no Jazz em Agosto (dia 14), mostrando, e demonstrando, como uma formação enraizada na tradição pode surgir muito para além do espartilho de qualquer entendimento meramente tradicional das suas potencialidades.
De forma porventura sugestiva, talvez possamos dizer que cada instrumento do Red Trio funcionam a partir de uma desconcertante "inveja" em relação ao parceiro do lado: o piano ambiciona explorar as nuances cavas do baixo; a bateria procura a fluidez contrastada do piano; enfim, o contrabaixo assume-se como uma caixa de percussão. Na prática, isso inverte, ou melhor, desmonta o papel potencial de líder do piano (ou, em boa verdade, de qualquer um dos três instrumentos) — sentimos a música do Red Trio como uma aventura de cumplicidades, sempre na corda bamba do improviso, sempre contaminada pela utopia de uma paisagem em que todas as sonoridades se encaixam num discurso uno, a uma só voz.
Nesta perspectiva, o contacto com a perfomance ao vivo do Red Trio ajuda-nos a penetrar melhor nas estruturas do seu álbum recentemente lançado pela editora Clean Feed (intitulado apenas Red Trio): são aventuras de uma agressividade paradoxalmente sensual em que cada instrumento é convocado para testar os seus limites expressivos e, naturalmente, também os riscos calculados de cada um dos respectivos executantes. Como complemento esclarecedor, veja-se este video datado de 2008, com assinatura de Nuno Moita.

quinta-feira, junho 17, 2010

Bernardo Sasssetti: movimentos com razão


O novo álbum do Bernardo Sassetti Trio (mais um lançamento da admirável Clean Feed) começa com Homecoming Queen, uma canção dos Sparklehorse, revisitada num tom de deambulação que não exclui, antes intensifica, uma metódica revalorização das suas emoções mais viscerais. Provavelmente, desde essa primeira faixa, os ouvidos mais puristas começarão a questionar a "legitimidade" do próprio registo: será que isto é mesmo jazz? Em boa verdade, não creio que faça sentido avançar com respostas defensivas (do género: "é jazz, mas com algumas componentes de outros universos..."). Porquê? Porque essa ambivalência (apetece dizer antes: abrangência) existe como elemento fundador do próprio trabalho: abrir espaços para novas narrativas de que o piano é, de uma só vez, a raiz e a matéria condutora.
Bernardo Sassetti, Carlos Barreto (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria) não gravavam há sete anos, desde o emblemático Nocturno, álbum cujo impacto entrou para a história portuguesa do jazz, incluindo a história do seu mercado. Agora, evitando qualquer revisitação meramente nostálgica, relançam-se numa aventura fascinante em que têm cabimento as derivações de uma quase-valsa (Reflexos_Movimento Circular), os exercícios lúdicos com a aspereza dos sons de um rádio (MW 108.7 Revival e MW 104.5 Bicubic) ou ainda as memórias cruas de um jazz de nobre primitivismo (Bird & Beyond). Afinal de contas, o álbum chama-se Motion. E o que se move, aqui, é a própria razão com que se arquivam as emoções. Como diria Godard: em emotionmotion.

>>> Esta é uma ilustração do tema Reflexos_Movimento Circular, disponível no YouTube (página de rigojo - fotos Guillaume Braunstein).