Os filmes da década (40)

SARABAND
Ingmar Bergman, 2003

Foi a década em que perdemos Ingmar Bergman: o seu derradeiro filme, Saraband [trailer americano], possui o carácter discreto de um verdadeiro monumento artístico. Por um lado, apresenta-se como um prolongamento de Cenas da Vida Conjugal (1973), acompanhando o envelhecimento do par interpretado por Liv Ullmann e Erland Josephson [foto de rodagem, com o realizador]; por outro lado, é apenas uma produção televisiva que acabou por passar em salas com projecção digital, por directa imposição do próprio Bergman (a esse propósito, é sempre bizarro encontrarmos "cinéfilos" que confundem a experimentação tecnológica com o cinema americano, além do mais diminuindo o próprio cinema americano). Em boa verdade, estamos perante um desses filmes demasiado próximos dos seres e das suas emoções, como se, por vezes, o pudor nos aconselhasse a fechar os olhos — mas não o fizemos.

Os filmes da década (39)

8 Mulheres
François Ozon, 2002
É um filme de varias heranças assimiladas, contando com um elenco de excepção que cruza varias gerações de grandes actrizes francesas. François Ozon junta Jacques Demy e Douglas Sirk com uma pitada de Alfred Hitchcock. Cor, música e humor numa história em ambiente fechado, em volta de oito mulheres, na quadra do Natal.


Imagens do trailer de 8 Mulheres.

Os filmes da década (38)

O Outro Lado da Lua
Duncan Jones, 2009
Talvez o melhor filme de ficção-científica dos anos zero, assinala um reencontro com o protagonismo da narrativa (contrariando o primado do espectáculo visual que tem caracterizado o género desde o advento de nova tecnología digital). Com claras referências em clásicos como 2001 Odisseia no Espaço de Kubrick, O Cosmonauta Perdido (no original Silent Running), de Douglas Trumbull, Solaris, de Andrei Tarkovsky ou Outland: Atmosfera Zero, de Peter Hyams, é um solo para um actor e uma história de solidão, com uma revelação arrepiante pelo meio… Magnífica estreia para Duncan Jones.

Imagens do trailer de O Outro Lado da Lua.

Os filmes da década (37)

O Fantasma
João Pedro Rodrigues, 2000
A longa-metragem de estreia de João Pedro Rodrigues revelou desde logo um cinema atento ao seu poder narrativo e apoiado por uma soberba direcção de fotografia. Coloca-nos numa Lisboa afastada das ruas principais, de noite, revelando-nos a história de desejo obsessivo que tem por protagonista um joven que trabalha na recolha de lixo.


Imagens do trailer de O Fantasma.

Os filmes da década (36)

Persepolis
Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, 2007
Adaptação ao cinema da graphic novel autobiográfica de Marjane Satrapi, Persepolis é um filme de animação que acompanha uma história de vida tendo por contexto o cenário político iraniano desde a queda do Xá à criação do actual regime. O olhar é crítico, conferindo ao filme uma alma eminentemente política.


Imagens do trailer de Persepolis.

Os filmes da década (35)

A Rainha
Stephen Frears, 2006
Os dias que se seguiram à morte de Diana, vistos no espaço familiar da família real inglesa e o encetar de um relacionamento entre a rainha e Tony Blair, recentemente eleito como primeiro ministro, fazem o tutano de um olhar sobre Isabel II e a instituição que representa. Entre os destaques, uma soberba criação de Helen Mirren no papel protagonista, dando vida à mulher e não apenas à monarca.


Imagens do trailer de A Rainha.

Os filmes da década (34)

Patti Smith – Dream Of Life
Steven Sebring, 2008
O realizador acompanhou Patti Smith durante 12 anos, frequentemente de câmara nas mãos. Dessas imagens e vivências partilhadas nasceu um filme que é mais que um mero documentário sobre um ícone rock’n’roll. Com um sentido poético, que a voz e as palavras de Patti Smith sublinham, é um filme que busca no espaço pessoal, familiar e cultural da cantora uma série de olhares que não se esgotam na música.


Imagens do trailer de Patti Smith: Dream Of Life.

Os filmes da década (33)

PEÕES EM JOGO
Robert Redford, 2007

Robert Redford tornou-se uma espécie de alien no interior do cinema americano. Primeiro, porque a sua condição de "galã" fez com que, durante décadas, se menosprezassem as suas extraordinárias qualidades de actor; depois, porque, como realizador, continua a fazer espantosos filmes não-alinhados, desafiando as "certezas" de muitos clichés. Assim acontece em Peões em Jogo (título original: Lions for Lambs), provavelmente a mais subtil desmontagem da era Bush (feita durante a era Bush), alheia a qualquer facilidade panfletária. O filme cruza três histórias paralelas: em Washington, um senador (Tom Cruise) dá conta a uma jornalista (Meryl Streep) de uma nova estratégia militar no Afeganistão; numa universidade da Califórnia, um professor (Redford) tenta aconselhar um aluno (Andrew Garfield) a não desistir dos seus ideais políticos; enfim, no Afeganistão, estão envolvidos dois soldados (Michael Peña e Larry Bates) que foram alunos do mesmo professor. O resultado é uma teia de factos e dúvidas que deixa uma interrogação cruzada: como nasce uma noção colectiva de verdade? Ou ainda: de que modo a vida política pode ser uma gestão de muitos logros? Tudo filmado com a austeridade de um genuíno clássico.

Os filmes da década (32)

O Segredo de Brokeback Mountain
Ang Lee, 2005
Protagonizado por Jake Gyllenhaal e Heath Ledger, um olhar sobre um arco de 20 anos com acção centrada numa montanha do Wyoming, onde dois cowboys se conhecem na juventude entre ambos nascendo um relacionamento que contudo vive fragmentado, reatado ano após ano em sucessivas viagens de regresso a Brokeback Mountain. Baseado num conto de Annie Proulx, levou uma história de amor entre dois homens para o circuito de cinema mainstream e foi um dos filmes mais premiados do ano, vencendo o Leão de Ouro em Veneza.


Imagens do trailer de O Segredo de Brokeback Mountain.

Os filmes da década (31)

A.I. – Inteligência Artificial
Steven Spielberg, 2001
O projecto foi originalmente desenvolvido por Stanley Kubrick, a partir de um conto de Brian Aldiss. Em meados dos anos 90 passou o testemunho a Steven Spielberg, mas este só avançou para a produção de A.I. já depois da morte de Kubrick. Esta é uma história projectada num futuro onde robots e humanos convivem, os segundos temendo contudo o facto de os primeiros serem cada vez mais, e mais inteligentes… No centro da história, um pequeno robot, programado para ser tudo o que um filho é para os seus pais.


Imagens do trailer de A.I. - Inteligência Artificial.

Os filmes da década (30)

Valsa com Bashir
Ari Folman, 2008
É um filme de animação mas, para todos os efeitos, estamos perante um documentário. As vozes são as de figuras reais, expressamente entrevistadas para o filme. À sua volta foi criada uma animação, que assim confere à narrativa uma forma e imagens diferentes do que é habitual no relatar de vidas reais. O filme cruza as memórias do próprio realizador com relatos na primeira pessoa, evocando gentes, factos e ambientes vividos durante a guerra no Líbano, em 1982.


Imagens do trailer de Valsa com Bashir.

Os filmes da década (29)

NO QUARTO DA VANDA
Pedro Costa, 2000

O ano de 2009 termina com a notícia do lançamento de um triplo DVD da Criterion Collection, incluindo Ossos (1997), No Quarto da Vanda (2000) e Juventude em Marcha (2006) — chama-se "Letters from Fontainhas", o que nos confronta com a situação insólita, porventura impensável, de as Fontainhas ser um dos lugares mais internacionais do Portugal contemporâneo. No Quarto da Vanda [trailer japonês] é, em sentido realista e simbólico, o ponto de fuga deste cinema de metódica austeridade: o espaço que se fecha (o "quarto") é também o buraco por onde se acede a uma singularíssima cosmogonia de que Portugal é o mote e a impossível narrativa. Tanto basta para fazer de Pedro Costa um dos grandes cineastas a lidar com a dioctomia ficção/documentário, superando-a por simples amor da matéria.

Os filmes da década (28)

Amor Suspeito
Emmanuel Carrère, 2005
Reconhecido escritor francês do nosso tempo, Emmanuel Carrère resolveu, com os romances Pesadelo na Neve e O Adversário levados ao cinema por terceiros, ser ele mesmo a adaptar ao grande ecrã La Moustache, um romance de 1986 que apresenta a bizarra história de um homem que um dia resolve cortar o bigode, confrontado depois pelos amigos que lhe garantem, todos eles, que nunca usara nenhum… bigode! Uma deambulação nos limites da loucura, numa bela experiência de adaptação de um texto a cinema, com o próprio escritor como realizador.


Imagens do trailer de Amor Suspeito.

Os filmes da década (27)

Donnie Darko
Richard Kelly, 2001
Foi um dos primeiros fenómenos de culto do cinema dos anos zero. Com Jake Gyllenhaal no papel protagonista, cruza as linguagens da ficção científica com uma trama psicologicamente assombrada. No centro da história encontramos uma série de visões cuja leitura projecta um qualquer fim que o protagonista teme ter mesmo de enfrentar. Ficou célebre a banda sonora, em particular uma versão de Mad World, dos Tears For Fears, por Gary Jules.


Imagens do trailer de Donnie Darko.

Os filmes da década (26)

A Viagem de Chihiro
Hayao Miyazaki, 2001
Foi o primeiro filme japonês de animação a vencer um Oscar e, depois de A Princesa Mononoke, o segundo de Hayao Miyazaki a conhecer distribuição global. Verdadeiro prodígio de imaginação (narrativa e visual), A Viagem de Chihiro revela-nos a descoberta, por uma menina, de um deslumbrante novo mundo onde a fantasia, fantasmas e feiticeiros criaram realidades diferentes das que vivemos no quotidiano.


Imagens do trailer de A Viagem de Chihiro.

Os filmes da década (25)

Hedwig – A Origem do Amor
John Cameron Mitchell, 2001
Baseado no espectáculo off-Broadway criado pelo próprio John Cameron Mitchell, é um dos mais vibrantes filmes musicais da década dos zeros. Com muitos dos takes musicais captados ao vivo, o filme segue a história inglória de um jovem de Berlim Leste que, para escapar para o Ocidente se submete a uma operação de mudança de sexo. Nos EUA encontra nova vida numa velha paixão pelo rock’n’roll.


Imagens do trailer do filme Hedwig - A Origem do Amor.

Os filmes da década (24)

As Canções de Amor
Christophe Honoré, 2007
Um filme musical algo diferente do habitual, As Canções de Amor desenvolve a uma outra amplitude uma ideia cénica (com pop) ensaiada numa das sequências do anterior filme de Honoré, Em Paris. Com canções originais de Alex Beaupain, cantadas pelos próprios actores, esta é uma história de um fim e um recomeço, com Louis Garrel como figura central.


Imagens do trailer de As Canções de Amor.

Os filmes da década (23)

ZIDANE, UM RETRATO DO SÉC. XXI
Douglas Gordon e Philippe Parreno, 2006

Filmar o futebol? Sim. Mas filmar aquilo que, por norma (leia-se: televisivamente), é menosprezado. A saber: o espaço como labirinto, o jogo como colagem de momentos de espera com breves fogachos de acção, enfim, a rede nunca fechada de olhares. Douglas Gordon e Philippe Parreno são artistas plásticos, conhecedores das exigências próprias do espaço que se ocupa e se dá a ver. O seu filme tem algo de instalação, tanto mais paradoxal (leia-se: cinematográfica) quanto nasce de um dispositivo peculiar, decorrente do próprio desenvolvimento das câmaras digitais — e foram 17, seguindo obsessivamente Zidenide Zidane no jogo Real Madrid-Villareal, no Estádio Santiago Barnabéu (Madrid), a 23 de Abril de 2005. Com música dos Mogwai, o filme [trailer inglês] consagra um dos dramas mais exuberantes de muitas formas contemporâneas de arte: o de uma sedução abstracta enraizada numa minuciosa paixão pelo concreto.

Os filmes da década (22)

Control
Anton Corbijn, 2007
O biopic de Ian Curtis (e dos Joy Division) segundo Anton Corbijn (e traçado a partir da biografia assinada por Deborah Curtis) é um dos mais expressivos episódios que a década dos zeros conheceu no departamento da relação entre o cinema e a cultura pop/rock. Mais interessado em olhar para o homem que para o mito, Control dá-nos um olhar sóbrio sobre a figura de Curtis, o contexto que o fez ser quem foi e todo um novo mundo que a sua música o obrigou de enfrentar.


Imagens do trailer de Control.

Os filmes da década (21)

Ninguém Sabe
Hirokazu Koreeda, 2004
Um dos grandes realizadores japoneses dos nossos dias (recentemente estreou entre nós o magnífico Andando), Hirokazu Koreeda parte aqui um caso real. Em concreto a história de uma mãe que resolve seguir a sua vida sem os seus quatro filhos, abandonando-os no apartamento onde residiam. O olhar realista de Koreeda observa um quotidiano diferente, onde a sobrevivência acaba por ser uma luta progressivamente assombrada pelo caos que progressivamente se instala naquele pequeno mundo.


Imagens do trailer de Ninguém Sabe.