Se ainda houvesse dúvidas o concerto no Cinema São Jorge trataria de as dissipar. O impressionante fôlego irado e seguro com o qual Mike Hadreas animou a alma do seu terceiro álbum não só o confirmou como um dos grandes cantautores do nosso tempo como lhe deu o disco do ano. Em tempo de fazer balanços, o melhor de 2014 está cheio de discos que marcaram um ano rico em boas gravações e ideias. Entre encontros e reencontros, entre a linha da frente da invenção e uma relação não nostálgica com a memória vale a pena guardar uma mão-cheia de álbuns, entre os quais aquele que assinala o reencontro de Beck com o espaço da orquestra (que lhe deu essa obra-prima chamada
Sea Change) e a estreia (finalmente) a solo de Dean Wareham num disco onde a novidade das canções traduz uma tranquila familiaridade com a sua voz e uma escrita amadurecida. Se estes são dez discos eleitos, da produção de 2014 vale a pena não esquecer nomes como os de Angel Olsen, TV on The Radio, Aphex Twin, Fujiya & Myiagi, Leonard Cohen, Brian Eno (que em dois álbuns se aliou este ano a Karl Hyde), Damon Albarn, Andrew Bird, Eels, Tori Amos ou Blonde Redhead. Mas dez são dez, e a que se segue é a lista “oficial”...
1 Perfume Genius, ‘Too Bright’
2 Beck, ‘Morning Phase’
3 Dean Wareham ‘Dean Wareham’
4 Ariel Pink ‘Pom Pom’
5 Owen Pallett ‘In Conflict’
6 St Vincent ‘St Vincent’
7 Caribou ‘Our Love’
8 Teleman ‘Breakfast’
9 The Notwist ‘Close to the Glass’
10 Neneh Cherry ‘Blank Project’
Nacional
Vivi os dias do ‘boom’ do “rock português” de 1980 e 81 e também o frenesi criativo que nascia semana após semana no palco do Rock Rendez Vous, mas o que temos assistido nos últimos anos entre nós mostra um fulgor de ideias, talentos e vontade de fazer (e ouvir) como nunca. Se as tabelas de vendas estão ensopadas pelo mais do mesmo e os concursos de “talentos” dão mediatismo por 15 minutos, a melhor nova música que se faz entre nós passa por outros discos e outros palcos. Precisava de uma lista bem mais extensa para um retrato mais fiel de um ano que fez perder de conta os discos e nomes que mostraram como por aqui a coisa mexe (e bem). Não posso deixar de assinalar o melhor disco de Norberto Lobo até à data, as fulgurantes estreias de Sensible Soccers, Bruno Pernadas e do projeto Jibóia, e as provas de solidez reforçada da obra de Legendary Tigerman, Rita Redshoes ou Clã. Birds are Indie, Xinobi e You Can’t Win Charlie Brown fecham o top 10. Mas nomes como os de Sérgio Godinho, Mão Morta, Walter Benjamin (em despedida), Real Combo Lisbonense, Capicua, B Fachada, Capitão Fausto, Dead Combo ou António Zambujo fazem também parte da história de um ano que, assinalou ainda as Bodas de Ouro da carreira de Carlos do Carmo.
1. Norberto Lobo ‘Fornalha’
2. Sensible Soccers ‘8’
3. Bruno Pernadas ‘How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge’
4. Jibóia ‘Badlav EP’
5. The Legendary Tigerman ‘True’
6. Birds are Indie ‘Love is Not Enough’
7. Xinobi ‘1975'
8. Rita Redshoes ‘Life is a Second of Love’
9. Clã ‘Corrente’
10. You Can’t Win Charlie Brown ‘Diffraction/Refraction’
Gravadas em 1967, as ‘basement tapes’ registadas por Bob Dylan juntamente com os músicos com quem tinha andado pela estrada meses anos (e que no ano seguinte se estreariam em disco como The Band) começaram a dar sinais de vida quer em versões de nomes como Julie Driscoll ou os Byrds ou em bootlegs. Em 1975 um duplo álbum deu-lhes finalmente uma voz oficial. Mas só agora, 47 anos depois, a música que ali ganhou forma (e que não só transformou Dylan como lançou as bases daquilo a que hoje chamamos ‘americana’) chegou, sem filtros nem silêncios, a todos nós. O 11º volume das Bootleg Series de Dylan traz-nos um tesouro histórico – talvez o mais importante que esta série de edições de arquivo já nos deu a conhecer. É o mais significativo dos lançamentos de material antigo que este ano chegou a disco, partilhando esta importante fatia da oferta editorial ao lado da mais representativa antologia alguma vez criada para a música de Bowie, a reedição (com extras) do melhor disco de Grace Jones, o reencontro com o primeiro álbum a solo de Max Richter ou a caixa com as edições em mono dos álbuns dos Beatles, agora em novas prensagens em vinil.
1. Bob Dylan ‘The Complete Basement Tapes’
2. David Bowie ‘Nothing Has Changed’
3. Grace Jones ‘Nightclubbing’
4. Max Richter ‘Memoryhouse’
5. The Beatles ‘Beatles in Mono’
6. The Velvet Underground ‘The Velvet Underground’
7. Underworld ‘Dubnobasswithmyheadman’
8. Tears For Fears ‘Songs From The Big Chair’
9. Pixies ‘Doolittle 25’
10. The The ‘Soul Mining’
Clássica
A música do século XXI – mesmo continuando inexplicavelmente invisível em muitas frentes de programação por estes lados – consegue arrebatar atenções por aqui, e dominar parte significativa do panorama dos melhores discos na área da música “clássica” de 2014. Obras posteriores à chegada do novo século por compositores como Max Richter, John Adams, Bryce Dessner, Johnny Greenwood, Nico Muhly e António Pinho Vargas dão conta da atenção dos discos para com a música que está a nascer no nosso tempo. Do melhor de 2014 há ainda a assinalar a continuação do esforço de justa (re)descoberta de Weinebrg (agora com uma importante contribuição de G. Kremer) e o fim da integral sinfónica de Shostakovich por Petrenko, com a “sua” orquestra de Liverpool. Mas o melhor de 2014 (em disco) foi mesmo a belíssima gravação de
West Side Story, de Bernstein, pela San Francisco Symphony, dirigida por Michael Tilson Thomas, correspondendo à primeira vez que a obra teve uma apresentação integral em versão de concerto.
1. L. Bernstein ‘West Side Story’, San Francisco Symph + M Tilson Thomas
2. Max Richter ‘Retrospective’
3. M. Weinberg, ‘Mieczyslaw Weinberg’, Kremerata Baltica + G Kremer
4. Steve Reich ‘Radio Rewrite’
5. Philip Glass ‘Heroes Symphony’, Sinfonieorchester Basel + D R Davies
6. John Adams, ‘City Noir’ St Louis Symphony + D Robertson
7. Bryce Dessner + Johnny Greenwood ‘St Carolyn By The Sea / Suite from ‘There Will Be Blood’ Copenhagen Phil + A de Ridder
8. D. Shostakovich, ‘Symphony No 13 – Babi Yar’, Liverpool Phil. Orchestra + V Petrenko
9. Nico Muhly ‘Two Boys’ Metropolitan Opera and Chorus + D Robertson
10. António Pinho Vargas ‘Requiem’ Orq. e coro Gulbenkian + J Carneiro e F Eldoro