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quarta-feira, novembro 22, 2023

O mundo que está a morrer [David Fincher]

Michael Fassbender em O Assassino:
vivendo um "presente imóvel ou de eternidade"

Com o seu novo filme, O Assassino, David Fincher redescobre a montanha mágica do cinema — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 outubro).

Hans Castorp, personagem central de A Montanha Mágica, o romance do alemão Thomas Mann à beira de completar um século — a edição original é de novembro de 1924 —, experimenta o esplendor contraditório da natureza, outrora redentora, agora potencialmente trágica, como se fosse o derradeiro ser humano. Por uma coincidência impossível de racionalizar, lembremos que no mesmo ano, também na Alemanha, F. W. Murnau retratava a agonia de um velho porteiro de hotel, interpretado por Emil Jannings, num filme com um título, por assim dizer, paralelo ao romance de Mann: O Último dos Homens.
Para recordarmos a odisseia do seu olhar, citemos com alguma demora os sobressaltos da sua aventura física e mental (recorro à tradução de Herbert Caro, editada pelos Livros do Brasil): “Quando Hans Castorp parava, a fim de não se ouvir a si próprio, o silêncio era absoluto e perfeito, e o menor vestígio de som era como que abafado, um silêncio ignoto, jamais sentido, que não existia em nenhum outro lugar. Nenhuma brisa, por mais leve que fosse, roçava as copas das árvores; não se ouvia nenhum sussurro, nenhum pio de pássaro. Era o silêncio primitivo, aquele que Hans Castorp contemplava ao deter-se assim, apoiado no bastão, com a cabeça inclinada para um dos ombros e a boca entreaberta. E suave, incessantemente, a neve continuava a cair, a cair tranquilamente, sem um ruído.”
A figura central do novo filme de David Fincher, O Assassino (primeiro nas salas, a partir de 10 de novembro na Netflix), é um herdeiro paradoxal, porventura perverso, não exactamente de Castorp, mas desse misto de observação e mágoa em que Mann o envolve. Nos cenários da “antiga” natureza ou na nossa selva urbana, ambos vivem a mesma dificuldade de pertencer a um mundo que se desagrega — aliás, um mundo que alienou a crença na sua própria lei.
A imersão de Castorp nas maravilhas da natureza tem mesmo algo de luto silencioso por esse mundo que está a morrer, esvaziando o lugar clássico do ser humano. As medidas do tempo deixaram de ser acolhedoras, uma vez que “Hans Castorp já não sabia distinguir o “ainda” e o “de novo”, de cuja mistura e confusão resulta o “sempre” e o “nunca”, situados fora do tempo.”
Para o assassino de Fincher, interpretado pelo genial Michael Fassbender, o tempo é uma máscara impossível de decifrar. Como? Rasurando o passado, dispensando qualquer imaginação do futuro: tudo é vivido, percebido e habitado como um presente absoluto. Esse presente cristaliza no tempo de execução do próprio crime. A longa espera do alvo humano que abre o filme tem qualquer coisa desse tempo em que, sob o signo da doença, vive Hans Castorp. Como dizê-lo? Mann descreve-o como um “presente imóvel ou de eternidade.”
Observem-se as imagens recorrentes do relógio usado por Fassbender, não tanto para medir o tempo exterior, mas sim os seus ritmos interiores, tudo aquilo que faz dele um humano que descolou da própria humanidade, vivendo como uma entidade sempre em movimento no espaço, mas congelada no tempo. E lembremos o relógio de Hans Castorp: “A minúscula agulha saltitava pelo seu caminho, sem se importar com os números que alcançava, percorria, ultrapassava, ultrapassava muito, aproximava-se e alcançava de novo. Era insensível aos objectivos, às divisões e aos marcos. Deveria demorar-se por um instante no sessenta ou pelo menos assinalar de qualquer maneira que alguma coisa findara ali.”
Há uma noção de destino que se desagrega quando “o passado é idêntico ao presente e ao futuro.” As caminhadas de Hans Castorp na natureza atraem um niilismo que, no plano simbólico, não é estranho ao gelo existencial que o assassino de Fincher também experimenta e, ao experimentá-lo, partilha connosco. Esta frase de Mann poderia pertencer ao obsessivo monólogo de Fassbender: “Na imensa monotonia do espaço afoga-se o tempo, o movimento de um ponto para outro deixa de ser movimento, não existe tempo.”
O Assassino é esse filme em que as medidas do tempo, porque interiores, despidas de qualquer “mensagem” ecuménica, se afogam na ambígua sedução das imagens e na vibração ritualizada da música de Trent Reznor e Atticus Ross. Não é, ironicamente, e ao contrário de Oppenheimer, de Christopher Nolan, um cinema que reivindique a grandeza da sala clássica, o que não o impede de se demarcar do mercantilismo narrativo que alagou as plataformas de “streaming”. Com a agilidade de muitos telediscos (área em que Fincher se distinguiu no começo da carreira), deparamos com um ecrã que não “reproduz” o que quer que seja, antes fabrica um mundo novo, colado ao mundo a que chamamos “real”: o olhar do atirador e a disponibilidade incauta do nosso olhar de espectadores partilham a mesma energia primitiva. A saber: o desejo de ver, insaciável, pecado primordial da arte cinematográfica.
O Assassino nasce da ética ancestral do espectáculo em que recusamos a ideia segundo a qual um filme existe para expor “temas” do nosso mundo — o mundo evolui de forma selvagem, não cabe nos “temas” em que tentamos aprisioná-lo. Fincher actualiza, assim, as lições de Alfred Hitchcock, colocando no centro dos acontecimentos o desejo ambíguo que faz da personagem um espectador dentro do filme, transfigurando o espectador em personagem que poderia entrar no filme. Raras vezes o cinema sabe aceder a esse desencanto feliz que o fez nascer: personagem e espectador partilham as histórias de uma só solidão.

>>> Música do genérico de O Assassino (Trent Reznor & Atticus Ross).

domingo, dezembro 06, 2020

"Mank"
— música para Herman J. Mankiewicz

Uma obra-prima dentro de uma obra-prima: a banda sonora original de Mank [Netflix], assinada por Trent Reznor e Atticus Ross comete a proeza de servir exemplarmente o retrato de Herman J. Mankiewicz (1897-1953) assinado por David Fincher — com argumento do seu pai, Jack Fincher (1930-2003) —, ao mesmo tempo que possui a dimensão de uma festiva sequela das ambiências musicais dos anos 40. A ponto de ter sido registada com instrumentos dessa década.
É a quarta vez que Reznor/Ross colaboram com Fincher, depois de A Rede Social (2010), Millennium 1: Os Homens Que Odeiam as Mulheres (2011) e Em Parte Incerta (2014) — eis a banda sonora e, em baixo, uma breve memória da rodagem de Mank através de uma deliciosa colecção de claquetes.



terça-feira, dezembro 03, 2019

Ross + (Bowie) + Reznor

Atticus Ross e Trent Reznor disponibilizaram mais uma preciosidade do seu trabalho para a série Watchmen: nada mais nada menos que uma versão instrumental de Life on Mars, de David Bowie — breve lição de metodologia e criatividade.

segunda-feira, janeiro 05, 2015

30 discos de 2014 (J. L.)

Foi o ano da plena revelação de um dos álbuns mais electrizantes de Miles Davis: Miles at the Fillmore reúne os sons de quatro dias (17/20 Junho 1970) no Fillmore East, Nova Iorque, levando-nos a redescobrir um artista de génio numa encruzilhada fascinante entre o património acumulado e a vertigem da experimentação: é um álbum sem tempo, clássico pela excelência, moderno em qualquer conjuntura — e se é preciso escolher um disco do ano, este será o meu.
Em todo o caso, que o leitor não se iluda com a abundância, porventura deselegante, desta lista. Não são 30 discos porque queira fazer valer a quantidade. O excesso é, aqui, sintoma das próprias limitações que não posso deixar de me reconhecer: acredito que não ouvi com a devida atenção (ou, pura e simplesmente, não ouvi) muitos outros que, por certo, mereciam um destaque neste balanço. Digamos que estes podem condensar um panorama de géneros (e séculos!) cujos contrastes nos levam a experimentar a deslocação criativa das próprias fronteiras musicais — didacticamente, ou talvez não, aqui ficam por ordem alfabética dos respectivos títulos.

* The Art of Conversation, KENNY BARRON & DAVE HOLLAND



* Charlie Haden & Jim Hall, CHARLIE HADEN & JIM HALL

* Familiars, THE ANTLERS


* Gary Clark Jr. Live, GARY CLARK JR.

* Gist Is, ADULT JAZZ

* Gone Girl, TRENT REZNOR & ATTICUS ROSS

* The Great Lakes Suites, WADADA LEO SMITH

* High Hopes, BRUCE SPRINGSTEEN



* Last Dance, KEITH JARRETT / CHARLIE HADEN

* Macroscope, THE NELS CLINE SINGERS

* Manipulator, TY SEGALL

* Meshes of Voice, SUSANNA / JENNY HVAL


* The Rite of Spring, THE BAD PLUS

* Road Shows, Vol. 3, SONNY ROLLINS

* Ryan Adams, RYAN ADAMS

* Singles, FUTURE ISLANDS

* Small Town Heroes, HURRAY FOR THE RIFF RAFF

* Songs, DEPTFORD GOTH

* Spark of Life, MARCIN WASILEWSKI TRIO & JOAKIM MILDER

* Stravinsky: Le Sacre du Printemps & Petrouchka, LES SIÈCLES / FRANÇOIS-XAVIER ROTH


* To Be Kind, SWANS

* Trialogue, WESSELTOFT SCHWARZE BERGLUND

* Ultraviolence, LANA DEL REY

sexta-feira, setembro 26, 2014

Para ouvir: Trent Reznor e Atticus Ross
revelam música para novo filme de Fincher



A banda sonora do filme Em Parte Incerta representa a terceira colaboração de Trent Reznor e Atticus Ross com David Fincher. Fica aqui um dos momentos que surgirão em disco muito em breve.

domingo, setembro 07, 2014

Trent Reznor e Atticus Ross regressam
ao cinema de David Fincher

A dupla, que assinou as bandas sonoras dos filmes A Rede Social (2010) e Os Homens que Odeiam as Mulheres (2011), de David Fincher, volta a estar junta num novo projeto ao lado do realizador norte-americano. Trent Reznor e Atticus Ross vão assinar a música para Gone Girl, filme que tem estreia nas salas portuguesa a 2 de outubro com o título Em Parte Incerta. O disco, com a música criada para o filme, terá edição a 3 de outubro.

segunda-feira, março 11, 2013

Novas edições:
How To Destroy Angels?, Welcome Oblivion

How To Destroy Angels 
“Welcome Oblivion” 
Sony Music 
3 / 5 

Depois de uma série de edições de menor duração, é já sob a notícia de uma reativação dos Nine Inch Nails que nos chega o álbum de estreia do coletivo How To Destroy Angels, que Trent Reznor criou na companhia da sua mulher, Mariqueen Maandig e do seu colaborador habitual Atticus Ross (produtor dos mais recentes discos dos NIN e co-autor de bandas sonoras). Centrado num processo de construção com as electrónicas como ferramenta fulcral, o álbum aproxima-se mais dos climas que Reznor e Ross têm percorrido no seu trabalho recente para cinema (sobretudo ao lado de David Fincher), traduzindo ainda alguns dos instantes do disco – como o magnífico Hallowed Ground, que encerra o alinhamento – ecos das faces mais suaves de The Fragile, o álbum monumental que os NIN editaram, em 1999. Mais densa que intensa, a música sempre contida e texturalmente detalhada que escutamos em Welcome Oblivion caminha entre os espaços e formas da canção e terrenos formalmente mais livres, abrindo ocasionalmente horizontes a um trabalho instrumental que traduz evidentemente ecos de uma visão cinematográfica que escutámos, sobretudo, no magnífico The Social Network. A voz sussurrante de Mariqueen, à qual ocasionalmente se junta a de Trent Reznor, ajuda a moldar canções, da mais vibrante e desafiante experiência que encontramos em Keep It Together à abordagem a modelos mais “convencionais” da qual emerge How Long. Contudo, e apesar das potencialidades de todos os elementos (e ingredientes) envolvidos, Welcome Oblivion nunca surpreende ou arrebata como o fizeram já os melhores discos dos Nine Inch Nails ou as recentes experiências de Reznor e Ross no cinema. Mesmo assim este é, fora os discos com as suas recentes bandas sonoras, o melhor álbum que Reznor nos dá desde The Fragile.

quinta-feira, janeiro 17, 2013

Os anjos de Trent Reznor

São nomes de peso: Trent Reznor (o líder dos Nine Inch Nails), Mariqueen Maading (vocalista, mulher de Reznor), Atticus Ross ("oscarizado" em 2011 pela banda sonora de A Rede Social, de David Fincher, composta com Reznor) e Rob Sheridan (fotógrafo, artista gráfico, responsável pelo visual dos NIN) — juntos formam How to Destroy Angels, banda "não-alinhada" marcada por uma agressiva densidade poética, descendente óbvia e muito legítima dos NIN.
Em boa verdade, se há neles um intento de destruição, os How to Destroy Angels parecem também tocados por um enigma celestial. E, num regime de bênçãos erráticas, têm deixado um rasto de arrebatadoras proezas e sinais premonitórios: alguns singles, dois EP — How to Destroy Angels (2010) e An omen EP_ (2012) — e a promessa de um álbum para o mês de Março, intitulado Welcome Oblivion.
Podemos vê-los e ouvi-los no site oficial ou no Vimeo. Na loja dos How to Destroy Angels encontram-se à venda todas as suas composições e também, para download gratuito [aqui inserido], o primeiro EP.


Já com uma respeitável videografia, os How to Destroy Angels encenaram-se pela primeira vez em The Space in Between, precisamente o tema de abertura deste EP — como se David Lynch tivesse encontrado Quentin Tarantino no interior de um quadro de Salvador Dali. Prodigioso!