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domingo, setembro 29, 2013

No final do Queer Lisboa 17

Não é todos os dias que podemos descobrir um filme que consegue colocar em cena a articulação simbólica entre sexualidade & política, evitando a dupla armadilha da "moral" redentora e do panfleto "militante" — Out in the Dark, de Michael Mayer (Israel, 2012), apresentado extra-competição na sessão de encerramento do Queer Lisboa 17, é um desses filmes.
À partida, estamos perante um dispositivo de perturbante intensidade (melo)dramática: esta é a história de amor entre o estudante palestiniano Nmir (Nicholas Jacob) e o advogado israelita Roy (Michael Aloni) — o primeiro, detentor de um visto que lhe permite circular em Telavive, esconde da família a sua homossexualidade, ciente de que a sua revelação lhe trará drásticas consequências; o segundo, apesar da "tolerância" dos pais, não pode deixar de suscitar as mais diversas desconfianças, em particular junto das autoridades policiais, devido à sua ligação com alguém que está "a mais"...
Este resumo será significativo das tensões que Out in the Dark coloca. Em todo o caso, não é suficiente para compreendermos a perturbante subtileza do seu desenvolvimento. Isto porque o argumento, também assinado por Mayer (em colaboração com Yael Shafrir), possui a inteligência necessária e suficiente de não reduzir a instância sexual a "chave" do que quer que seja. Dito de outro modo: a tragédia partilhada por Nmir e Roy é a de um progressivo exílio a que a sua relação os vai condenando.
Que exílio é esse? Um novelo de factos concretos e impasses simbólicos em que cada um vai sentindo que a procura de um lugar para viver se estreita até ao mais desesperado absurdo. Em primeiro lugar, para Nmir, empurrado para uma situação em que a marginalização sexual se confunde com a condição de pária social; mas também no caso de Roy, descobrindo que há um preço imposto por uma legalidade (a mesma de que ele é um convicto agente profissional) cuja lógica só pode ignorar a insensatez do amor.
Que insensatez é essa? A de o amor se enraizar num dispositivo pulsional que ignora as exigências, os condicionalismos e as estratégias de qualquer quadro político. Em última análise, Out in the Dark é a história de dois homens que se descobrem encurralados no intrincado mapa dos seus desejos — tudo isso é sexual, quer dizer, nada disso é alheio à política.

sexta-feira, setembro 27, 2013

Queer Lisboa 17 (dia 8)


O oitavo dia do Queer Lisboa 17 propõe um mergulho pelo universo das grandes heroínas nascidas no cinema e na BD em Wonder Women! The Untold Story of American Superheroes, documentário que passa na Sala 3 às 21.30. É também um dia importante para a secção Queer Art com uma sessão, também na Sala 3, pelas 19.15, que vai apresentar os filmes O Corpo de Afonso, de João Pedro Rodrigues, Gingers de António da Silva e Filme Para Poeta Cego, de Gustavo Vinagre. É também o dia 1 da nova secção In My Shorts, com filmes criados por alunos de escolas de cinema.

Já a seguir fica um destaque para uma outra das sessões desta edição do Queer Lisboa 17, com um texto de minha autoria que integra o catálogo do festival (e a sua expressão online).


In The Name Of
(Sala Manoel de Oliveira, 22.00)


Há uma curiosa coincidência entre O Padre, filme de 1994 de Antonia Bird (sobre um padre dividido entre uma conduta católica conservadora e uma vida secreta partilhada com um amante) e In The Name Of... (título internacional para W imie...), que este ano conquistou o Teddy Award (para melhor longa metragem de temática gay e lésbica) na Berlinale e, depois, arrecadou o Grande Prémio do Festival de Istambul: ambos são histórias de desejo no masculino realizadas por mulheres.

Realizado por Malgoska Szumowska, In The Name Of… leva-nos à Polónia rural dos nossos dias, focando em concreto o espaço quotidiano de um centro de reabilitação de delinquentes, que tem no padre da paróquia a sua figura central de autoridade e referência. Adam (interpretado por Andrzej Chyra) é um jovem padre que, fora do altar e da sacristia, veste como qualquer outro homem, ajuda nas obras de construção em que o grupo está envolvido, faz jogging na floresta e ouve música num leitor de mp3. O desejo que nele despertam os outros do mesmo sexo, em particular Lucasz, um estranho e algo distante elemento desta comunidade, fazem-no questionar não só sobre a sua sexualidade mas a própria razão da sua vocação.

Com uma câmara observadora, que alia uma demanda realista a um sentido poético, o filme reflecte sobre identidade e fé, mas também levanta debates sobre a relação da comunidade com a homossexualidade e o desejo homossexual entre figuras do clero. Longe de procurar uma abordagem moral (e, muito menos, moralista), In The Name Of… toma a figura de Adam como a de um homem dividido entre o desejo e o que toma como dever. Vive as suas fragilidades, amplificando na sua figura um paradigma de solidão. E retrata a forma como a Igreja reage com algumas das questões levantadas, procurando a realizadora contribuir assim para um debate do nosso tempo.

quinta-feira, setembro 26, 2013

Queer Lisboa 17 (dia 7)


O sétimo dia do Queer Lisboa 17 mantém atenções centradas na secção Queer Focus (que ontem apresentou Boy Eating The Bird’s Food) e Queer Art. Hoje são também apresentados dois work in progess de António da Silva e André Murraças (Sala Montepio, 19.00) e uma série de títulos da competição de Longas Metragens. Entre estes três conta-se a repetição de The Comedian, estreado na noite de ontem (17.15, Sala Manoel de Oliveira) e a estreia de Facing Mirrors, uma narrativa passada no Irão dos nossos dias. Diz a sinopse: “Passado no Irão actual, Facing Mirrors é a história de uma invulgar e ousada amizade que se desenvolve apesar das normas sociais e crenças religiosas. Embora Rana seja uma mãe e esposa tradicional, é forçada a conduzir um táxi de forma a pagar as dívidas que levaram o marido à prisão. Por acaso, apanha um dia a rebelde e rica Edi, que espera, desesperadamente, um passaporte para sair do país. A princípio Rana tenta ajudá-la, mas quando se apercebe que Edi é transsexual, uma série de conflitos perigosos emergem. Facing Mirrors é a primeira ficção iraniana com um protagonista transsexual.” O filme passa às 19.30 na Sala Manoel de Oliveira.

À noite, na Sala Manoel de Oliveira, passa o filme chileno Joven Y Alocada. Já a seguir fica o este destaque com um texto de minha autoria que integra o catálogo do festival (e a sua expressão online).


Joven Y Alocada
(Sala Manoel de Oliveira, 22.00)

Nos últimos anos, e cada vez mais, o Festival de Sundance (que, podemos dizer, abre oficialmente a nova época festivaleira a cada Janeiro que passa) tem revelado títulos que marcam incontornavelmente os meses que se seguem, tanto entre as programações de outros festivais como mesmo nos mapas locais de distribuição de cada país. Em 2012 Joven Y Alocada ali se afirmou como mais um “caso” notável, de Sundance saindo com um prémio para Melhor Argumento, daí partindo para uma carreira de expressiva visibilidade que passou já por festivais como a Berlinale ou San Sebastian.

Assinado pela chilena Marialy Rivas (de quem o Queer Lisboa já apresentou a curta Blokes), Joven Y Alocada representa também mais uma expressão de um cinema que procura reflectir e representar a idade da comunicação online. Um blogue é aqui um ponto de partida. Um blogue – com o título do próprio filme – onde a jovem protagonista (no limiar da idade adulta) dá conta de um dia a dia dividido entre o desejo, as dúvidas e as descobertas habituais na sua idade e um quotidiano sistematicamente vigiado por uma mãe conservadora e intolerante que aplica a cada lufada de ar que respira as regras de uma conduta castradora. Filha de uma família evangélica, Daniela é expulsa do colégio porque fez sexo antes do casamento. Como “castigo” é colocada num canal de TV religioso. Entre um namorado e o desejo que desperta em si a proximidade de uma amiga, acompanhamos o debate interior de Daniela ao mesmo tempo que os seus leitores, que vão lendo os “evangelhos” de alguém que não acredita que outros possam pensar por si.

Retrato de juventude que olha para pessoas e não para estereótipos, Joven Y Alocada procura por um lado cruzar a linguagem visual da comunicação online com o cinema. E, como Daniela, acredita que questionar é na verdade coisa mais sagrada à espécie humana que, simplesmente, acreditar.

quarta-feira, setembro 25, 2013

Queer Lisboa 17 (dia 6)


Hoje o Queer Lisboa abre a secção Queer Focus com o filme Boy Eating The Bird's Food, do realizador grego Ektoras Lygizos, que pode representar uma das grandes surpresas desta edição do festival. Diz a sinopse "Um rapaz de 22 anos, em Atenas, não tem emprego, nem dinheiro, nem namorada, nem comida, mas tem um canário e uma linda voz para cantar. Quando fica sem casa, tem que procurar abrigo para o seu pássaro. E quando o pássaro fica aprisionado dentro do abrigo, o rapaz tem que encontrar ajuda. Ele tem que encontrar alguém a quem confessar que não tem emprego, nem dinheiro, nem namorada, nem comida". Passa na Sala Manoel de Oliveira, do Cinema São Jorge, às 19.30.

Hoje é também apresentado The Comedian, de Tom Shkolnik, filme que integra a competição para a Melhor Longa Metragem de Ficção (Sala Manoel de Oliveira, 22.00). Para quem não viu ontem, hoje repete Interior Leather Bar, o muito falado projeto de Travis Matthews e James Franco criado sobre memórias (e ausências) do clássico Cruising, de William Friedkin. Passa na Sala 3 às 17.15, em sessão conjunta com a curta In Their Room, de Travis Matthews.

Podem ver aqui a restante programação para hoje.

Já a seguir fica um destaque para uma outra das sessões desta edição do Queer Lisboa 17, com um texto de minha autoria que integra o catálogo do festival (e a sua expressão online).


I am Divine
(repete sábado, pelas 17.00, na Sala 3)

Olha... aqueles olhos não são os do nosso Glenn?... Foi mais ou menos assim, os pais reconhecendo o filho numa foto numa revista. Tempos depois de uma cisão familiar, a reconciliação com os pais aconteceu já Divine era importante figura de culto. Filho de uma família conservadora de classe média em Baltimore (onde nasceu em 1945), Harris Glenn Milstead teve uma infância difícil, sob constante violência dos colegas, refugiando-se nas suas duas paixões: a comida e o cinema. Foi com o vizinho, um rapaz chamado John (Waters, de apelido), que começou a fazer pequenos filmes, por puro prazer... Pouco depois, uma vez mais com Waters por detrás da câmara, e apresentando-se em drag como Divine, surgia como protagonista nesse acontecimento queer trash que foi Pink Flamingos, filme que faria do realizador e do actor duas das maiores figuras de referência do cinema independente norte-americano.

I Am Divine é um documentário biográfico, mas também uma celebração da memória da figura única que foi Divine, que John Waters explicou ter quebrado as regras do travesti, elevando esta arte a um nível de anarquia. Entrevistas com colaboradores, amigos e imagens de arquivo do próprio Divine cruzam-se aqui com momentos dos filmes em que participou (nos quais muitas vezes se desafiava no plano físico) e também instantes dos espectáculos que deu nos anos 80, quando encetou uma carreira em paralelo na música, editando discos como You Think You’re A Man ou Native Love (Step by Step).

Jeffrey Schwarz, produtor de renome e autor de documentários como Wrangler: Anatomy of An Icon ou Vito (sobre Vito Russo, o autor de Celluloid Closet), e que neste momento prepara um filme sobre Tab Hunter, encontra aqui mais um ponto de vista numa obra que tem ajudado a construir episódios fulcrais da história da cultura queer.

domingo, setembro 22, 2013

Queer Lisboa 17 (dia 3)

Está a decorrer no Cinema São Jorge o Queer Lisboa 17, a edição de 2013 do Festival Internacional de Cinema Queer. Aqui podem encontrar link para a programação de hoje. Já a seguir ficam destaques para duas das sessões de hoje e ainda mais dois textos de minha autoria que integram catálogo (e a sua expressão online) e que correspondem a filmes que poderão ver hoje.

Pelas 22.00 passa, em estreia nacional, o filme E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, recentemente premiado em Locarno e claramente um dos filmes do ano. Documentário auto-biográfico, assinala também o reencontro das nossas salas com a obra de um cineasta notável, autor de filmes magníficos (e injustificadamente ausentes do circuito de DVD) como Onde Bate o Sol ou Uma Pedra No Bolso.

The Knife
Perfume Genius
The Hidden Cameras
Também hoje é apresentada a primeira das duas sessões do programa Queer Pop do Queer Lisboa 17. Trata-se de um panorama que propõe alguns telediscos produzidos ao longo do último ano, passando pelas reflexões sobre identidade de género dos The Knife, uma animação para os Sigur Rós ou ainda ecos do belíssimo segundo álbum de Perfume Genius. A grande estreia desta sessão é Gay Goth Scene, teledisco do mais recente single dos The Hidden Cameras, e aperitivo pata o álbum Age a editar no outono. Trata-se de um pequeno filme sobre bullying, apresentado na forma de um teledisco que tem estado a ser estreado em festivais de cinema e não está ainda disponível na Internet.




Me @ The Zoo
(Sala Manoel de Oliveira, 17.15)

A 10 de Setembro de 2007 um rapazito de 19 anos colocava na Internet um vídeo no qual, entre lágrimas quase convulsivas, pedia que deixassem Britney Spears em paz, respondendo assim às críticas que tinham surgido na sequência da actuação da cantora nos MTV Music Video Awards, dias antes, em Las Vegas... As imagens de Chris Crocker a implorar “Leave Britney Alone” correram mundo e alcançaram num ápice milhões de visualizações, fazendo desse um dos mais célebres vídeos virais da história e tornando o que era já uma pequena celebridade online num dos mais visíveis fenómenos de uma nova era da comunicação.

Me @ The Zoo propõe um retrato de um dos mais célebres vídeo bloggers (que, apesar de uma primeira etapa no MySpace, foi no YouTube que disponibilizou os seus vídeos mais visitados). Toma como ponto de partida a figura de um jovem gay, andrógino e provocador, residindo no espaço longe de tolerante de uma pequena cidade rural norte-americana (em concreto no Tennessee) e que, entretanto, encetou uma carreira discográfica e, mais recentemente, tem trabalhado na indústria do porno. Observa o seu espaço de vida privada, em casa dos avós, entre posters de Britney Spears. Reflecte sobre a celebridade fulminante, as luzes das passadeiras e dos estúdios de televisão, que convivem aqui com a ressaca que a exposição pode comportar.

Às imagens captadas pelos realizadores o filme junta outras, de muitos dos seus vídeos, assim como atenta a outras que traduzem as consequências que estes desencadearam. Mas Me @ The Zoo, que faz frequentes flirts com a linguagem destas plataformas de comunicação visual na Internet, celebra igualmente a era da comunicação online, os fenómenos de encantamento, mimetismo, mas também de ódios que se expressam com violência, que estas janelas abrem ao mundo.




A Volta da Pauliceia Desvairada
(Sala 3, 21.30)

Carão? É uma pessoa que, em plena noite, se comporta como se fosse famosa. Bapho é algo maravilhoso. Close é qualquer coisa que corre mal. Amapô é mulher e bofe é homem. Badalo? É como quem diz “que loucura!”... Estas são apenas algumas das palavras da gíria usada por quem anda pela noite paulista. Umas expressões têm anos de vida. Outras, como “bonsdrink” chegaram mais recentemente via YouTube (esta em concreto de um vídeo viral de Luisa Marilac). E fazem parte de um desfile de palavras e significados que podemos descobrir em A Volta da Pauliceia Desvairada documentário que procura arrumar, segundo várias regras sistemáticas, um retrato da enorme variedade que habita a noite gay e lésbica da cidade de São Paulo.

Apesar de centrado em retratos e vivências do presente, escutando o que dizem os DJs, porteiros, entertainers e público, o filme não esquece a memória, sobretudo do Madame Satã, um espaço mítico da cultura nocturna da São Paulo dos anos 80, num tempo em que, sob ditadura, a busca de liberdade encontrava outros caminhos e manobras para se expressar. “Hoje está tudo mais careta”, chega mesmo a confessar alguém que viveu esses dias.

Arrumar é mesmo o verbo que mais bem caracteriza o filme. Começamos por fazer um percurso dos bares e discotecas em função dos dias da semana em que mais dão que falar. E pelo caminho reparamos no que leva as pessoas a sair (há quem busque hedonismo, há quem procure sexo, há quem prefira a bebida). Fala-se da música que se dança. Do visual que vinca a personalidade de cada um. Do que pensam do amor...

Há quem aqui defenda que a noite é “o lugar que pode maximizar e libertar as pessoas”. E o filme acaba por ser a celebração dessa visão e da busca da liberdade de cada um. Deixa um retrato de festa e alegria. Mas no fim sobra uma questão. É tudo feliz ali?

sábado, setembro 21, 2013

Queer Lisboa 17 (dia 2)

Está a decorrer desde ontem no Cinema São Jorge o Queer Lisboa 17, a edição de 2013 do Festival Internacional de Cinema Queer. Aqui podem encontrar link para a programação de hoje. Já a seguir ficam dois textos de minha autoria que integram catálogo (e a sua expressão online) e que correspondem a filmes que poderão ver hoje.

Silent Youth 
(Sala Manoel de Oliveira, 17.15)

Todas as histórias têm um começo (independentemente do desfecho que possam vir a conhecer mais cedo ou mais tarde). E Silent Youth é, acima de tudo, um olhar sobre o momento em que tudo começa. O primeiro cruzar de olhares, os passos que se aproximam, as primeiras palavras que se trocam. E, sobretudo, o silêncio que tacteia o espaço entre ambos e que observa o outro, à espera da palavra seguinte (que tantas vezes não se imagina exactamente qual será)...

Três anos depois da sua primeira longa-metragem – Human Kapital – o realizador alemão Diemo Kemmesies apresenta agora em Silent Youth a história de um primeiro encontro que toma a cidade de Berlim como cenário (sem procurar de todo os “postalinhos” que o turismo costuma referir). Entre a vastidão desolada da estação de metro ao ar livre de Warschawer Strasse, as margens do Spree ou a pista abandonada do aeroporto de Templehof cruzam-se e descobrem-se Marlo (interpretado por Martin Buchmann) e Kirill (Josepf Mattas). O primeiro está de visita a uma amiga que vive na cidade, o segundo é um estudante de ascendência russa. Cruzam-se ao princípio de uma noite na rua, trocam primeiras palavras junto aos comboios um pouco mais tarde e conversam, entre silêncios, até que chega a manhã seguinte, um telefone trocado já a sair do metro a deixar no ar se haverá ou não um segundo episódio...

O realizador, que assina também o argumento, centra o foco das suas atenções no modo como Marlo e Kirill se descobrem um ao outro. Dois estranhos numa terra que ambos estranham. Inadaptados, sonhadores e amantes, como os descreve o realizador. Uma descoberta que se faz sem pressa, entre receios e assombrações (cada qual com as suas), a solidão que os envolve nas altas horas da madrugada berlinense deixando-os a sós (e a nós com eles). - ver aqui ficha e trailer no site


O Carnaval é um Palco, a Ilha uma Festa
(Sala 3, 19.15)

No princípio era uma instalação. Oito projecções, cruzando uma ideia de antropologia visual com criação artística, a ideia nasceu como uma vídeo-instalação no Museu Nacional de Etnologia, mais tarde patente no Museu de Angra do Heroísmo.

Rui Mourão partiu para a ilha Terceira em busca de histórias, figuras e imagens de danças de carnaval com tradição centenária. A sua origem nos tempos é remota, mas difícil de precisar, havendo quem as tome como provavelmente contemporâneas dos autos vicentinos. Em tempos idos a festa fazia-se nas ruas, hoje são pequenos palcos que a recebem. O certo é que, durante quatro dias, a ilha se transforma e “a festa faz esquecer a tristeza”. Há taxistas que se revelam dramaturgos, um padre que é actor, e lavradores que vestem as mais diversas peles, mesmo tendo estado poucas horas antes a ordenhar as vacas.

Entre as muitas personagens que ali se vestem há figuras femininas interpretadas por homens. De resto, em tempos, aquele era o momento do ano em que muitos homens com vida heteronormativa se depilavam, usavam saltos, vestidos. Mas nem só do vestir de um género diferente vivem estes bailinhos, sendo também frequente a representação de homossexualidade. Há quem a descreva como servindo de motivo de chacota. Humor popular… Há quem defenda que não há intenções de ferir as susceptibilidades de ninguém.

Mas a câmara (e as perguntas) de Rui Mourão, sem deixarem de focar o retrato da festa que ali foram procurar, atentam nestes factos, nestas visões diferentes. Uma entusiasta do carnaval na Terceira, que acompanha quase todo o filme, lembra que a ilha é conhecida por ter uma expressiva comunidade gay e lésbica (e já com alguns casamentos celebrados desde que a lei o permite). O confronto entre a realidade do presente e as formas de retratar afirmações diferentes de género e de sexualidade acabam por se revelar uma das forças maiores deste filme. - ver aqui ficha e trailer no site