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sábado, abril 29, 2017

Sakamoto em tom introspectivo

Chama-se async (com minúscula) e é, de facto, um exercício de vários assincronias: no novo álbum de Ryuichi Sakamoto coabitam o seu gosto pelo piano com a integração de sons do quotidiano, transfigurados em pontuações musicais. Isto sem esquecer a envolvente presença de algumas vozes como a de Paul Bowles, registada durante os trabalhos de composição para Um Chá no Deserto (Bernardo Bertolucci, 1990), e David Sylvian (recitando alguns versos de Arseny Tarkovsky). O resultado é uma delicada teia introspectiva, de alguma maneira induzida pelas memórias pessoais de luta contra o cancro [ler artigo do New York Times].
Eis o som do tema de abertura, andata (quase todas as faixas são também identificadas por nomes com minúsculas), e ainda um video de cerca de 15 minutos produzido pela Milan Records para apresentação do álbum.



domingo, setembro 18, 2016

Sakamoto & Yamada

O novo filme do veterano japonês Yoji Yamada tem o título internacional Nagasaki: Memories Of My Son e encena a experiência de uma mulher que recebe a visita de um fantasma: o seu filho morto no bombardeamento de Nagasaki. A banda sonora foi composta por Ryuichi Sakamoto e pode ser escutada, na íntegra, na NPR [aqui em baixo, o fragmento '78 RPM'] — é uma música que nos permite pressentir o singular intimismo de tão inusitado empreendimento narrativo.

sábado, março 01, 2014

Os Óscares não ouvem bem as canções...

Este texto sobre canções que os Óscares ignoraram é uma versão editada e atualizada de um outro que foi publicado há cerca de um ano na revista Metrópolis com o título ‘Quando os Oscares não ouvem as melhores canções’.

Em tempo de Óscares, propomos um outro olhar pela história das estatuetas douradas com que Hollywood celebra anualmente os feitos do cinema. Se há categoria onde são mais os tiros ao lado que aqueles em que as escolhas acertam no alvo, ela é a da Melhor Canção Original. E são tantas as ocasiões em que temas que fizeram história passaram ao lado das atenções da Academia, muitas vezes até sem nomeação, que resolvemos apresentar uma lista de dez clássicos criados para o cinema que nunca foram premiados. Mas que mereciam tê-lo sido...

Com nova cerimónia de entrega de Óscares a caminho fazem-se contas, ensaiam-se projeções, antecipam-se cenários... Se em algumas das categorias principais 2014 promete ser um dos anos mais disputados dos últimos tempos, já no espaço da música mora a monotonia de sempre, a sensação de que o que de melhor havia por aí a considerar acabando fora das listas dos nomeados. Não é novidade esta sensação. Tem mesmo sido regra e raras foram as ocasiões nos últimos anos em que uma canção musicalmente estimulante ou até cinematograficamente marcante tenha chegado à lista dos nomeados, muito menos ainda as que subiram ao palco para receber a estatueta dourada. Há um ano a cantora Adele levou o primeiro Óscar para uma das mais tradicionais das famílias musicais da história do cinema: as canções para James Bond. Skyfall ficou assim como a primeira ‘Bond song’ oscarizada, ultrapassando o patamar das nomeações a que chegaram as contribuições de Paul McCartney, Carly Simon ou Sheena Easton também ao serviço do agente 007. E superando também aquelas que continuam a ser, pelos feitos do mercado (ou seja, pelas vendas dos discos) as mais populares ‘Bond songs’ de sempre: a campeã A View To A Kill dos Duran Duran (a única que alguma vez atingiu o número um nos EUA ou Reino Unido) e as não menos aclamadas Live and Let Die de Paul McCartney e Nobody Does It Better de Carly Simon que, tendo igualado nos EUA o número dois na tabela de vendas alcançado por Adele no Reino Unido, conseguiram melhores resultados em Inglaterra que a voz de Skyfall na América...

Podemos olhar para a história de todo um legado de prémios onde, apesar a lista impressionante de clássicos que por ali passam, conhecemos a falta de algumas das canções que fizeram páginas maiores na história da relação da música com o cinema. E para não esquecer hoje quem ficou de fora, mais que recordar a história das canções que os Óscares já premiaram, propomos uma viagem no tempo através de dez outras que, por incrível que possa parecer, ficaram de fora dessa lista.

1937. Someday My Prince Will Come, por Adriana Caselotti
É verdade que a Disney não se pode queixar de falta de atenção por parte dos Óscares, pelo menos na hora de premiar a música dos seus filmes. Só entre 1989 e 1999 somou seis vitórias - com Under the Sea de A Pequena Sereia, o tema título de A Bela e o Monstro, A Whole New World de Aladdin, Can You Feel The Love Tonight de O Rei Leão, Clours of The Wind de Pocahontas e You'll Be In My Heart, de Tarzan - numa lista de mais de dez que remonta a 1940, ano em que somou a primeira com When You Wish Upon A Star, da banda sonora de Pinóquio, e avança até 2012, quando Man or a Muppet, da mais recente encarnação no grande ecrã dos Marretas voltou a cantar triunfo para aqueles lados. Curiosamente, a estreia da Disney nas longas metragens com Branca de Neve e os Sete Anões (em 1937) passou ao lado até mesmo das nomeações. Destino bizarro (na época, claro esta) para uma banda sonora da qual saiu uma mão-cheia de canções que se transformaram em standards, com o é há muito Someday My Prince Will Come, canção que teve a sua primeira versão na voz da cantora Adriana Caselotti para a banda sonora original do filme.

1961. Can't Help Falling In Love With You, por Elvis Presley
Muita da obra de Elvis Presley na primeira metade da década de 60 surgiu associada à multidão de filmes que então protagonizou, as respetivas bandas sonoras apresentando assim as novas canções que ia gravando. Para Blue Hawaii, filme de Norman Taurog, uma das canções inéditas então criadas para a voz de Elvis Presley foi Can't Help Falling In Love With You, que se revelaria mesmo com um dos maiores sucessos do cantor nos anos 60. A canção conheceu depois varias outras vidas. Os U2 usaram a versão original para fechar os concertos da Zoo TV Tour e Bono chegou a gravar uma leitura em nome próprio para a banda sonora de Honeymoon in Vegas, de Andrew Bergman. Entre os muitos que assinaram outras versões estão figuras com Doris Day, Patti Page, Bob Dylan, os UB40 ou Chris Isaac.

1964. Goldfinger, por Shirley Bassey.
Se há canção do "cancioneiro 007" que merecia ter ganho um Óscar ela seria a que em 1964 Shirley Bassey deu ao terceiro filme da série. Traduzindo a essência do encontro de uma pungente secção de metais com a alma orquestral que John Barry transformou em imagem de marca do som para James Bond (sugerindo um paradigma ainda hoje respeitado), esta foi a primeira das três contribuições da cantora para os filmes de 007 (regressando mais tarde para colaborar em Diamonds Are Forever e Moonraker). Varias versões de Goldfinger surgiram mais tarde, por nomes que vão dos Magazine ou Tom Petty aos portugueses Belle Chase Hotel.

1965. You’ve Got To Hide Your Love Away, dos The Beatles
A carreira cinematográfica dos Beatles, um pouco ao jeito da do seu compatriota Cliff Richard (mas sem a dimensão atingida pela de Elvis Presley), nasceu como derivação direta do seu trabalho musical, os seus dois primeiros filmes, ambos realizados por Richard Lester, servindo mesmo de veículo para a apresentação de novas canções e a respetiva edição imediata em álbuns que, em parte, registavam a face vocal das suas bandas sonoras. Help!, estreado em 1965, representou musicalmente a materialização de sinais de mudança iminente na música dos Beatles e deu-nos uma mão cheia de grandes clássicos, entre os quais este tema, na voz de John Lennon.

1967. Mrs. Robinson, de Simon & Garfunkel
Uma das canções de maior sucesso da história da dupla Paul Simon / Art Garfunkel, deu-lhes um número um em 1968 e representou um dos temas centrais do álbum Bookends. Mas uma primeira versão da canção tinha surgido um ano antes, na banda sonora de The Graduate, o histórico filme de Mike Nichols magnificamente interpretado por Dustin Hoffman e Anne Bankroft. Nem uma nomeação conquistou...


1973. Knocking on Heaven’s Door, de Bob Dylan
Tema composto e cantado por Bob Dylan para o filme Pat Garret and Billy The Kid de Sam Peckinpah, no qual o próprio cantor surge como ator, ao lado de nomes como James Coburn e Kris Kristofferson. A canção foi um êxito logo na sua versão original, dando a Dylan o seu maior sucesso no formato de single em toda a década de 70. E conheceu depois inúmeras versões, assinadas por nomes que vão dos Grateful Dead ou Guns N’Roses a Antony and The Johnsons.

1977. New York New York, de Liza Minelli
Canção composta por John Kamber e Fred Ebb para a voz de Liza Minelli, para a banda sonora do filme com o mesmo título, o drama musical realizado por Martin Scorsese após Taxi Driver que, na altura, foi um fracasso na bilheteira. Dois anos depois da estreia do filme uma versão da canção, gravada por Frank Sinatra transformou-se não só num dos maiores êxitos do cantor como numa referência maior do “songbook” americano.

1982. Forbidden Colours, de David Sylvian e Ryuichi Sakamoto
David Sylvian integrava ainda os Japan quando, meses depois de se estrear a solo, na companhia de Ryuichi Sakamoto, com o single Bamboo Houses / Bamboo Music foi convidado pelo músico japonês, que assinava a banda sonora de Feliz Natal Mr. Lawrence, de Nagisa Oshima, a juntar-se a ele para criar a canção-título para o filme. Juntos assinaram assim Forbidden Colours, que, com título inspirado por um livro de Mishima, não só uma das pérolas maiores da obra dos dois músicos como uma das mais belas canções alguma vez compostas para o cinema.

1986. Absolute Beginers, de David Bowie
A relação de Bowie com o cinema iniciou-se nos anos 70, como ator em The Man Who Fell To Earth, de Nicholas Roeg, e expandiu-se nos anos 80, quando ao trabalho em cena juntou a escrita de uma série de canções, muitas delas editadas em singles, sem representação nos seus álbuns de estúdio da época. O ano de 1986 foi mesmo o mais produtivo nesta relação de Bowie com o cinema, tendo assinado parte da banda sonora de Labirinto, a canção-tema da animação When The Wind Blows e participando (como ator e músico) em Absolutamente Principiantes, de Julian Temple, para o qual compôs o tema-título, que lhe deu um dos seus maiores êxitos nessa década.

2000. Playground Love, dos Air
O álbum de 1998 Moon Safari colocou nas bocas do mundo (que ouve música) o nome dos franceses Air e, com eles, um gosto por um sentido de elegância onde electrónicas com travo vintage faziam canções com sabor a coisa do presente. Sofia Coppola, desafiou então os dois músicos para assinarem a banda sonora original para a sua primeira longa-metragem, As Virgens Suicidas, para a qual, além do score instrumental, compuseram (com Gordon Tracks) e gravaram esta canção que hoje é já um dos “clássicos” da sua carreira.

quinta-feira, abril 04, 2013

Discos Pe(r)didos:
Virginia Astley, Hope in a Darkened Heart

Virginia Astley 
“Hope In a Darkened Heart” 
Wea 
(1986) 

Um disco perdido não é só aquele que por vezes acaba esquecido entre a multidão de tantos outros lançamentos. É também aquele que deixa de ter visibilidade junto de novas gerações porque os planos de reedições deixaram de o contemplar e os novos suportes de divulgação e interfaces de venda de música digital o parecem ignorar. Um exemplo? Vejamos o sublime Hope in a Darkened Heart. Pelo menos entre nós nem iTunes, nem Spotify (as duas plataformas com mais consumidores no momento)... Quem quiser uma edição em CD que se prepare para desembolsar 28 libras na amazon.uk por uma cópia “import” em primeira mão ou, via ‘marketplace’, usados a partir de 50 euros... E garantidamente deve ser mais fácil encontrar uma cópia em vinil entre as lojas de discos usados que felizmente vão surgindo entre nós... Naturalmente deverá haver razões editoriais (do foro empresarial, eventualmente no patamar direitos de edição, estou a conjeturar) para que tão belo disco se tenha transformado numa peça de “colecionador”. A situação pode assim valorizar a sua memória. Mas convenhamos que é disco que merecia mais que este relativo silêncio salvo para os que o descobriram (e eventualmente compraram) nos oitentas ou os que têm carteira suficientemente recheada para compras deste calibre...

Mas falemos agora do disco e de quem o assina. Nascida (em 1959) e criada numa família com tradições musicais, Virginia Astley estudou na Guildhall School of Music, estabelecendo uma formação clássica que lhe permitiria outro fôlego criativo mais tarde. Começou por pequenas colaborações em finais dos anos 70, teve breve passagem pela (visionaria) editora belga Les Disques du Crepuscule e, depois de uma breve etapa em palco com os Teardrop Explodes e de integrar os Ravishing Beauties em inícios dos oitentas, resolveu arregaçar mangas e editar a sua própria música. Gravou um primeiro álbum que ficaria na gaveta até mais tarde, estreando-se em 1983 em From Gardens Where We Feel Secure, disco conceptual de alma paisagista (uma espécie de revisitação do conceito das ‘quatro estações’) que cativou atenções e a colocou entre as grandes revelações do seu tempo e que há alguns anos conheceu reedição em suporte de CD. Hope in a Darkened Heart surgiu em 1986 e revelou uma vontade em explorar o universo da canção pop sem contudo abdicar as tonalidades pastorais e do registo onírico que a sua música começara a tomar. Produzido por Ryuichi Sakamoto e contando com a colaboração vocal de David Sylvian (o dueto Some Small Hope abre o alinhamento e é uma das mais belas canções daquele tempo), este é um disco de formas claras e clássicas, de canções que conciliam a presença de electrónicas (dominantes) com o piano, sinos e arranjos de cordas, a nitidez da produção de Sakamoto fazendo do alinhamento uma pérola de perfeição em regime pop. Silenciado pelo tempo por razões que alguma razão (que desconheço) poderá um dia explicar, Hope In A Drakened Heart é pérola de meados de 80 que urge reencontrar. E deliciosa porta de entrada para a (re)descoberta do universo de Virginia Astley.

domingo, setembro 02, 2012

A arte da colaboração

Discografia David Sylvian 
'Sleepwakers' (compilação), 2010 


Uma antologia de temas criados em trabalhos de colaboração já no século XXI é a ideia central ao alinhamento de Sleepwalkers. Através de diálogos com colaboradores de longa data – como Ryuichi Sakamoto ou Steve Janses – e figuras com as quais encentou uma relação de trabalho mais recente, David Sylvian sugere através destas colaborações como ainda mantém nesse seu desejo de diálogo uma importante fonte de contribuições para uma música que não só não se repete como continua a lançar desafios a si mesma. De resto, sugestões de ideias que o conduziram a Blemish, Manfon e, esperamos saber em breve, mais além, passam por aqui.

terça-feira, agosto 07, 2012

Barcelona, 1992


Foram os primeiros Jogos Olímpicos sem boicotes desde 1992 e os primeiros realizados depois do fim da cortina de ferro, revelando sinais de um novo tempo. Mais de nove mil atletas, de 170 países, competiram nas 286 provas de 32 modalidades. Sinais de um novo mapa político europeu em construção estão claramente registados na tabela das medalhas atribuídas, liderada pela então designada ‘equipa unificada’ que congregava muitas das ex-repúblicas da URSS e que somou um total de 112 medalhas (45 de ouro). Seguiram-se as equipas dos EUA com 108 medalhas (37 de ouro) e Alemanha, reunificada, com 82 (33 de ouro). Os jogos tiveram uma profunda ação sobre a vida da cidade, na qual muitas estruturas se modernizaram para acolher os visitantes e a cobertura mediática.

O tema Barcelona, celebrizado pelas vozes Freddie Mercury e Monserrat Caballé foi escutado na abertura, porém com Placido Domingo a substituir o vocalista dos Queen, que morrera em 1991.

Além da canção que tomava o nome da cidade por título, as memórias musicais dos Jogos Olímpicos de 1992 passam ainda pela contribuição do japonês Ryuichi Sakamoto, que compôs música original para a ocasião. Uma peça estreada nas olimpíadas, a que deu o título El Mar Mediterranei, pode ser escutada no alinhamento do álbum Cinemage, que gravou ao vivo em Tóquio e editou em 1999.

domingo, junho 10, 2012

Uma reflexão sobre o nosso mundo

Discografia David Sylvian 
'World Citizen' (EP com Ryuichi Sakamoto), 2003

Um reencontro com Ryuichi Sakamoto deu origem a um EP onde David Sylvian registou mais uma canção com perfil “clássico”, World Citizen, sob instrumentação que assenta, numa das versões, em princípios não muito distantes dos que haviam edificado as canções dos álbuns Secrets of The Beehive ou Dead Bees on a Cake, numa outra abrindo espaço a um trabalho de filigranas de acontecimentos electrónicos que sugeriam novos caminhos que a música de Sylvian começava a tomar. O EP, editado em 2003 no Japão, teve depois edição internacional com capa diferente e alinhamento arrumado com outra sequência no ano seguinte.

Nos 30 anos de David Sylvian (3)

Assinalam-se este ano os 30 anos sobre o início da carreira a solo de David Sylvian. Esta é parte de um texto que foi publicado a 10 de março de 2012 no suplemento Q., do DN, com o título 'Ao afastar-se de tudo David Sylvian encontrou uma voz'.

Com Tin Drum, os Japan atingiram em 1981 o que Sylvian descreveu como “um pico possível”. E chegou a revelar: “se o relacionamento humano interno entre os elementos do grupo tivesse sido mais forte e compatível, talvez tivéssemos conseguido fazer algo mais. É difícil dizer, mas creio que não tomámos a decisão errada. Eu, pelo menos, nunca me arrependi da decisão de ter colocado um ponto final (22).” E quando em 1983 David Sylvian gravava, com Ryuichi Sakamoto, uma canção para a banda sonora do filme Feliz Natal Mr Lawrence, de Nagisa Oshima (23), os Japan eram já um episódio do seu passado com ponto final definitivo. Definitivo, apesar das duas edições póstumas oficiais (24) e da multidão de singles e compilações que a editora que os representara entre 1978 e 1980 colocaria depois do êxito alcançado por Ghosts, num processo que Sylvian descreveu como “ muito incómodo”.

Afastando-se, procurou-se então a si mesmo, encontrando importantes estímulos entre os livros e, mais tarde, refletindo sobre a espiritualidade. “Como vivia bastante isolado encontrava a companhia de outros artistas na forma das suas obras. Creio que foi por isso que fiz muitas referencias a essas obras no meu próprio trabalho, como se esses autores fizessem parte de uma comunidade imaginária, porque não tinha uma real comunidade física de artistas com quem me pudesse relacionar regularmente. Autores como Jean Cocteau, Milan Kundera... Partilhava com eles algo no campo espiritual, uma espécie de empatia que procurava transcrever ou adaptar ao meu próprio trabalho. À medida que fui envelhecendo essas ligações tornaram-se cada vez menos importantes, embora ainda hoje a literatura seja um dos meus maiores prazeres (25).” Dessa relação próxima com os livros nasceram títulos como Forbidden Colours (na origem um romance de Mishima), o citar de The Difficulty Of Being de Cocteau na letra de Red Guitar (26) ou o percorrer de espaços de Siddharta, de Thomas Man , em River Man (27).

'Words With The Shaman' (1985)
O aprofundar da busca de uma nova voz passou depois pela criação de música para acompanhar as imagens do filme Steel Cathedrals (28) e pela experiência coletiva que chamou nomes como Holger Czukay (29) ou Jon Hassell (30) ao EP Words With The Shaman (em 1985). Seguiu-se em 1986 Gone To Earth, um disco que contava com o guitarrista Robert Fripp (31) como um dos principais colaboradores, apresentando ideias diferentes em dois LPs distintos, um feito de canções, outro de composições instrumentais. E procurando o silêncio (e o que se escutava nas suas periferias), encerra em 1987 uma primeira etapa da sua discografia a solo com Secrets Of The Beehive, um dos títulos mais marcantes da sua obra. “Secrets of The Beehive é um álbum sobre o espaço entre a melodia e a voz. Ou, como David o poderia ter dito, ‘entre a escuridão e as sombras da luz’(32)”, descreveu Martin Power. Entre as canções que mostra neste disco essa procura do silêncio ganha contornos visíveis (basta escutar Orpheus para o reconhecer). “Foi uma ideia que aprendi a ouvir música étnica japonesa. O silêncio que se ouve entre cada nota tocada. Depois de ter descoberto essa noção, tentei adaptá-la à minha música. Tentei traçar paralelos e empenhei-me na tentativa de despir do som tudo o que é supérfluo (33)”. E foi bem sucedido, convenhamos.

(22) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999
(23) ‘Forbidden Colours’ foi editado como single em 1983 e representa um dos maiores êxitos de vendas da carreira a solo de Sylvian. A canção surge na banda sonora do filme e, numa versão alternativa, numa das edições em CD do álbum 'Secrets of the Beehive'. A canção toma por título um romance de Mishima de 1953
(24) ‘Oil On Canvas’, disco ao vivo lançado em 1983 e ‘Exorcising Ghosts’, antologia editada em 1984
(25) in ‘Um Lento Olhar’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 28 de outubro de 2000
(26) Tema do álbum ‘Brilliant Trees’ editado como single em 1984
(27) Canção do álbum ‘Gone To Earth’, de 1986
(28) Steel Cathedrals – Filme experimental com conceção de Sylvian e realização de Yasuyuki Yamaguchi, rodado nos arredores de Tóquio, _editado em vídeo em 1985 pela Virgin. _Continha banda sonora original de Sylvian na qual se revelam as suas primeiras incursões pela música improvisada
(29) Holger Czukay (n. 1938) – músico alemão que ganhou visibilidade ao integrar os Can, nos anos 70. Gravou com David Sylvian os álbuns instrumentais (nascidos de trabalhos de improvisação) ‘Plight + Premonition’ (1988) e ‘Flux + Mutability’ (1989) e colaborou nos discos ‘Brilliant Trees’ e ‘Words With The Shaman’
(30) Jon Hassell (n. 1937) – compositor e trompetista norte-americano sobretudo conhecido pelo desenvolvimento do conceito de ‘quarto mundo’ na música. Colaborou com Sylvian nos discos ‘Brilliant Trees’ e ‘Words With The Shaman’
(31) Robert Fripp (n. 1942) – guitarrista norte-_-americano, integrou os King Krimson e assinou trabalhos marcantes com Brian Eno nos anos 70. Colaborou com David Sylvian em ‘Steel Cathedrals’, ‘Gone To Earth’ e ‘Approaching Silence’ (1999) e coassinou com o músico ‘The First Day’ (1993), ‘Darshan’ (1994) e 'Damage' (1994)
(32) in ‘The Last Romantic’, de Martin Power (Omnibus Press, 1998), pág. 127
(33) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999