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quinta-feira, janeiro 09, 2020

Música — TOP 10, 2019

Foi o ano do brilhantíssimo Madame X, com Madonna, fado oblige, a lembrar-nos a condição nómada da música, das canções, da mais difícil de todas as artes, a arte de viver, de que falava o pai Brecht. Para completar as escolhas de cinema, eis uma colecção de uma dezena de álbuns sem qualquer sujeição à ditadura dos "melhores" (a lista dos que ficaram por ouvir é sempre muito maior...). Apenas uma antologia breve, respeitando a ordem alfabética, de coisas que nos ajudam a não desesperar do planeta da música — ou, se quiserem, do novo-riquismo dos rótulos da world music. Há mais mundos.

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ANNA MEREDITH, FIBS — Pop, electrónica e experimental. Ligeira ou sinfónica. Lúdica e grave. A música de Anna Meredith desafia as classificações adquiridas, celebrando um genuíno conceito de fusão e convidando-nos, afinal, a questionar as formas correntes de escuta. Além do mais, Paramour, dirigido por Ewan Jones Morris, merece o título de teledisco do ano.



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BILLIE EILISH, When We All Fall Asleep, Where Do We Go? — Ter 17 anos (completou 18 a 18 de Dezembro) e cantar o "fim da festa", eis uma aventura existencial que nos obriga a superar os clichés da juventude e da pop: Billie Eilish é coisa genuína, com um gosto genuinamente experimental de fazer inveja aos profissionais de muitas (con)fusões.



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BOB DYLAN, Travellin' Thru, 1967 - 1969 — O presente também se faz destes "desvios". A reunião de materiais de Dylan nos anos finais da década de 60, incluindo muitos inéditos, lança nova luz sobre a sua cruzada em Nashville e, em particular, uma convivência de peculiares cumplicidades — com Johnny Cash, nomeadamente no seu programa de televisão.



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BRUCE SPRINGSTEEN, Western Stars — Aos 70 anos, é aconselhável dispensar as divagações juvenis e reconhecer a inteligência que o mundo tem para nos doar — I woke up this morning just glad my boots were on. Pedagogicamente, Bruce recordou-nos que a primitiva sensibilidade rock não é estranha a um sofisticado gosto orquestral.



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CAROLINE SHAW / ATTACCA QUARTET, OrangePunctum, Entr'acte [video] ou Plan & Elevation: o Attacca Quartet interpreta algumas das composições que fizeram de Caroline Shaw um caso sério da música "made in USA": Pulitzer de 2013, colaboradora de Kanye West, o seu trabalho desafia certezas, esquemas e fronteiras.



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DANISH STRING QUARTET, Prism II — "Um raio de luz fragmenta-se através do prisma de Beethoven" — voltaram a mostrá-lo com o segundo volume de Prism, ligando fugas de Bach e os quartetos finais de Beethoven a sons da nossa modernidade. Agora, o contraponto é dado pelo Quarteto nº 3, de Alfred Schnittke [video: Andante], composto em 1983.



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LANA DEL REY, Norman Fucking Rockwell! — Veneza. E arredores. Califórnia, entenda-se: a mesma Venice onde Jacques Demy rodou o seu admirável Model Shop (1969). Lana Del Rey poderia ser uma personagem em fuga desse universo cinéfilo, perseguindo sempre a miragem de uma utopia romântica que se diz através dos filmes em Super 8.



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LARRY GRENADIER, The Gleaners — O título remete para a inspiração de Agnès Varda (1928-2019), através do filme de 2000 Os Respigadores e a Respigadora [The Gleaners and I], como quem recolhe restos esquecidos de uma arte condenada ao paciente exercício da solidão — o contrabaixo de Grenadier expõe o povoamento dessa solidão.



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SHARON VAN ETTEN, Remind Me Tomorrow — "Ninguém é fácil de amar", canta ela. Através de um metódico paradoxo: expondo as agruras de qualquer movimento amoroso, através de uma cenografia de discreto distanciamento, como quem nos recorda que sobrevivemos ao apocalipse — se existe uma pop "brechtiana" (oops...), encontramo-la em Sharon Van Etten.



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THOMAS ZEHETMAIR, Sei Solo — A arte do violino terá um dos seus desafios mais radicais nas seis Sonatas e Partitas para violino solo, BWV 1001-1006, compostas por Bach em 1720. Usando instrumentos de época, Zehetmair convoca-nos para um reencontro apaixonado que envolve a sensação radical de uma primeira escuta.

quinta-feira, fevereiro 23, 2017

Nos bastidores de uma nova peça
de Anna Meredith



Anno é uma nova obra de Anna Meredith que combina as Quatro Estações de Vivaldi com música que ela mesma compôs para o Scottish Ensemble juntando uma orquestra de cordas, cravo e eletrónicas, e que é apresentada com imagens criadas por Eleanor Meredith.

sábado, outubro 01, 2016

Anna Meredith atua a 10 de outubro no CCB


É uma das melhores surpresas da rentrée dos palcos lisboetas e promete um encontro invulgar com um nome que começa a cativar atenções. Dia 10, o Pequeno Auditório do CCB recebe Anna Meredith, que em 2015 teve em Varmints um dos álbuns mais interessantes do ano.

Anna Meredith é tão capaz de entusiasmar um Royal Albert Hall em noite de Proms, como é uma compositora dotada de uma capacidade de sedução evidente para quem acompanha a linha da frente de acontecimentos nas vanguardas do pensamento eletrónico. Já compositora residente da BBC Scottish Symphony Orchestra e desempenhou cargo semelhante com a Sinfonia Viva e, em 2012, cativou atenções com Handsfree, peça sem instrumentos interpretada pelos elementos da National Youth Orchestra, iniciou um trabalho de demanda discográfica em paralelo a este esforço na composição e pelo qual cruza todas estas sensibilidades por um gosto evidente pelas dinâmicas e sonoridades da música eletrónica.

Nos discos estreou-se em 2012 com Black Prince Fury, um primeiro EP no qual tomava as ferramentas eletrónicas como base de trabalho, procurando tanto pistas entre formas próximas dos espaços da música de dança como heranças possíveis dos minimalistas, revelando Nautilus, o tema de abertura, uma potente fanfarra para metais, um sentido de visão que dava desde logo sinais de que Anna Meredith trilhava o seu novo caminho no sentido certo. Um ano depois, o segundo EP, Jet Black Rider, juntava aos espaços já explorados a presença da sonoridade de instrumentos mais “convencionais”, colocando-os contudo num contexto diferente daquele que estamos habituados a encontrar quando os vemos no quadro de uma orquestra sinfónica. As eletrónicas voltavam a ditar a pulsação do corpo musical, experimentando formas mais próximas da canção pop, encerrando o alinhamento com ALR, uma inesperada e surpreendente versão de A Little Respect, dos Erasure.

Em 2015 o álbum de estreia, a que chamou Varmints, deu o seguro passo em frente face a esses dois primeiros ensaios sobre os fundamentos de uma linguagem que, sem ser de rutura, representou uma das mais interessantes propostas de diálogo entre os universos da música eletrónica e da música orquestral que têm surgido em cena nos últimos tempos.

terça-feira, março 29, 2016

Novas edições:
Anna Meredith, Varmints

Pode um álbum nascido sob evidente pulsão experimental ser uma peça acessível, capaz de cruzar barreiras de géneros, formas e sons, projetando-nos num domínio que é o oposto da ideia de terra de ninguém para, afinal, poder ser uma terra de todos? Não será fácil imaginar um destino de grande visibilidade mainstream para a música de Anna Meredith, até porque os consumos nesses patamares estão cada vez mais fechados a regras formulaicas que fazem parecer coisa surda tudo o que se afasta dos sabores do momento. Mas, tão capaz de entusiasmar um Royal Albert Hall em noite de Proms, como dotada de uma capacidade de sedução evidente para quem acompanha a linha da frente de acontecimentos nas vanguardas do pensamento eletrónico, esta jovem britânica, que foi já compositora residente da BBC Scottish Symphony Orchestra e desempenhou cargo semelhante com a Sinfonia Viva e, em 2012, cativou atenções com Handsfree, peça sem instrumentos interpretada pelos elementos da National Youth Orchestra, iniciou um trabalho de demanda discográfica em paralelo a este esforço na composição e pelo qual cruza todas estas sensibilidades por um gosto evidente pelas dinâmicas e sonoridades da música eletrónica.

Nos discos estreou-se em 2012 com Black Prince Fury, um primeiro EP no qual tomava as ferramentas eletrónicas como base de trabalho, procurando tanto pistas entre formas próximas dos espaços da música de dança como heranças possíveis dos minimalistas, revelando Nautilus, o tema de abertura, uma potente fanfarra para metais, um sentido de visão que dava desde logo sinais de que Anna Meredith trilhava o seu novo caminho no sentido certo. Um ano depois, o segundo EP, Jet Black Rider, juntava aos espaços já explorados a presença da sonoridade de instrumentos mais “convencionais”, colocando-os contudo num contexto diferente daquele que estamos habituados a encontrar quando os vemos no quadro de uma orquestra sinfónica. As eletrónicas voltavam a ditar a pulsação do corpo musical, experimentando formas mais próximas da canção pop, encerrando o alinhamento com ALR, uma inesperada e surpreendente versão de A Little Respect, dos Erasure.

Agora, três anos depois, o álbum de estreia, a que chamou Varmints, dá o seguro passo em frente face a estes dois primeiros ensaios sobre os fundamentos de uma linguagem que, sem ser de rutura, representa uma das mais interessantes propostas de diálogo entre os universos da música eletrónica e da música orquestral que têm surgido em cena nos últimos tempos. Há precedentes. Todd Levin, que nos anos 90 apresentou um álbum com alma de ovni no catálogo da Deutsche Grammophon, tinha já experimentado ensaiar espaços de comunicação entre estes mundos. A série Re-Composed (através sobretudo das contribuições de Moritz von Oswald ou Carl Craig) também já andou por estes caminhos. Mas o que Anna Meredith junta aqui é a sensibilidade da compositora que toma os instrumentos como ponto de partida para deles fazer nascer a busca de uma voz nova, integrada, comunicativa.

Nautilus, que regressa quatro anos depois, dá o mote e faz-nos entrar num alinhamento que, depois, lança a surpresa a cada faixa que se sucede, entre o ineditismo de algumas sugestões havendo contudo um cativante sentido de familiaridade. Como se, afinal, estas formas e sons fizessem já parte da nossa experiência. Só não tinham sido tão bem reunidos antes num corpo comum.

Do acesso de techno de R-Type, com flirt elétrico de pulsão quase metal que emerge pontualmente a meio do tema, às paisagens mais ambientais e cenicamente plácidas de Honeyed Words, passando pela experiência pop empolgante de Taken (que evoca sabores da música de um Philip Glass em finais dos anos 70 em diálogo com um corpo new wave),Varmints é, garantidamente, um dos discos mais surpreendentes, imaginativos e diferentes que vamos escutar este ano.