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10 August 2023

 
(sequência daqui) Para Keep Your Courage, sucessor de Butterfly (2017), poderia dizer-se que Merchant se decidiu por outra colecão de figuras (míticas e reais) como entidades tutelares: Afrodite, Narciso, São Valentim, Walt Whitman, William Blake, Joan Didion ou Buffy Sainte-Marie que, em não menos amplo espectro de idiomas musicais — gospel, soul, New Orleans, folk britânica, clássica de câmara —, chamam a si intérpretes tão distintos como Abena Koomson-Davis, do Resistance Revival Chorus, o colectivo folk Lúnasa, o virtuoso clarinetista sírio Kinan Azmeh, o trombonista Steve Davis ou o compositor Gabriel Kahane, unidos no espírito do apelo a Afrodite: “Make me head over heels, make me drunk, make me blind, over the moon, half out of my mind, oh, make me weak in the knees, tremble inside, give up easy and swallow my pride, oh, make me, make me love”.

16 March 2023

"Silver Seed"
 
(sequência daqui) E, um pouco por todo o lado, outros nomes – Shane MacGowan, Johnny Cash, Nick Cave, William Blake, Christy Moore – iriam sendo pronunciados, inclusive pela própria Lisa quando interrogada sobre que elementos a influenciariam: “A chuva, o vento, as flores, as abelhas, os rios, as árvores, os pássaros, as perguntas que as crianças fazem. Gente como Alan Watts, Charlie Chaplin, Einstein, Nina Simone, Moondog, a lua e o pó das estrelas”. Nem seria preciso recordar a assombração da sua voz no episódio final da série Peaky Blinders incinerando o haiku “All The Tired Horses”, de Bob Dylan, para que, antes da escuta de All Of This Is Chance, não tivesse já a menor dúvida de que “a lawless league of lonesome beauty” acabara de chegar das costas da Irlanda. Crua e densamente orquestral, entranhadamente tradicional e irremediavelmente contemporânea, com o olhar nas estrelas ("A star ran rings around the star before me and spun and swooped and sank in rock beneath me”) e uma fonte de alimentação inesgotável: “The solar system is a very large pool to draw from!

17 March 2021

 
(sequência daqui) Também em Janeiro, o Goran, de Liubliana, na Eslovénia, dirigia-lhe a interrogação “Como sabe se escreveu algo valioso? Qual é o seu processo?” Já não será muito arriscado imaginar que Sua Santidade Nicholas Edward Cave pegou na Bíblia mais à mão (confirma-se, pegou) e, citando a sua “passagem preferida do Novo Testamento”“Maria Madalena e a outra Maria permaneceram, à espera, diante do sepulcro” –, fez descer sobre o esloveno a boa nova: “Esta frase parece-me resumir o processo de criação. William Blake dizia que ‘Jesus é a imaginação’ e essas palavras sempre ecoaram em mim. Reuniram as noções de Jesus e do acto de criação e elevaram-no à esfera do sobrenatural. Grande parte do processo da escrita de canções é esperar atentamente frente ao desconhecido. Em vigília, à espera que Jesus – a ideia divina, a ideia bela – saia do túmulo e se revele. Tal como Maria Madalena não reconheceu Jesus, também, muitas vezes, a ideia bela nos parece estranha e improvável. Continuamos à espera, alerta e preparados para a receber. Não confiemos nas ideias que nos chegam demasiado facilmente. Não queremos uma ideia em segunda mão. Queremos uma ideia nova, a ideia bela. A ideia difícil e perturbadora, cintilando suavemente por entre as ideias mortas e defeituosas, puxando-nos a manga, delicada mas persistentemente – a ideia de Jesus”. (segue para aqui)

21 January 2021

Maria McKee - "I Never Asked"

(daqui
 
Leonard Cohen evocava o poeta persa, Rumi, para falar da "intoxicação pelo amor, da ideia de me render como um ébrio perante o ser amado”. Maria McKee, após 13 anos de silêncio total, percorre o mesmo caminho pela mão de Dante e da espiritualidade erótica dos Fedeli d'Amore, com Blake, Shelley, Byron e Yeats no horizonte. Renascida como “a pansexual, polyamorous, gender-fluid dyke”, La Vita Nuova é uma arrebatadora elegia orquestral à beleza e ao desejo. (daqui)

31 March 2020

POEMA PARA BEATRIZ
 

Maria McKee? Não deve ser exactamente uma multidão o número daqueles a quem, por esta altura, esse nome fará tocar uma ou duas campainhas. Por motivos bastante concretos: da valquíria "cowpunk" que, desde 1982, aos 18 anos, à frente dos Lone Justice (e integrando o mesmo destacamento a que pertenciam Jason & The Scorchers, Beat Farmers, Long Ryders, Rank & File ou Meat Puppets), assinou o óptimo Lone Justice (1985) e o menos notável Shelter (1986) e, posteriormente, a solo, nos seduziu o ouvido com Maria McKee (1989), You Gotta Sin To Get Saved (1993), Life Is Sweet (1995) e High Dive (2003), não havia notícias há 13 anos. Pelo caminho, deixara o único tema original – "If Love Is A Red Dress (Hang Me In Rags)" – da banda sonora de Pulp Fiction e trepara até pelas tabelas de vendas com "Show Me Heaven", do trambolho cinematográfico Days of Thunder

 
Só por essa lomga ausência, a publicação de La Vita Nuova seria já um acontecimento assinalável. Mas é-o muito mais ainda na medida em que se trata, verdadeiramente, de uma segunda vida para Maria Luisa McKee: anunciando-se renascida como “a pansexual, polyamorous, gender-fluid dyke” e activista dos direitos LGBT, "a queer leftist witch” iniciada numa loja da Hermetic Order of the Golden Dawn de Yeats e Crowley, e – jura – em comunicação espiritual com Bryan MacLean (o irmão mais velho já falecido, fundador dos lendários Love), mudou-se dos EUA para Inglaterra e aí mergulhou na música de Scott Walker, Vaughan Williams, Bowie, John Cale e Sandy Denny, e nas obras de Keats, Swinburne, Dickens, Blake e Dante. Foi a este que tomou de empréstimo o título do álbum acerca do qual teríamos bastas justificações para recear o pior. Nada de mais errado: La Vita Nuova, gravado com uma orquestra de 19 elementos, é uma avassaladora obra-prima com aquela patine “antiga” que evoca a Sandy Denny mal-amada de Like an Old Fashioned Waltz e Rendez Vous, mas também, aqui e ali, Joni Mitchell, e toda a constelação de divindades tutelares que a si quis chamar para este imenso poema à sua Beatriz.

11 February 2020

FILÓSOFO MUSICAL OBLÍQUO


Para além do "fish and chips", dos "scones", da "steak and kidney pie", e do "five o’clock tea", não existe produto mais vincadamente britânico do que o “British eccentric”. Podem ser importantes inventores como Alexander Graham Bell (que pretendia ensinar o cão a falar), o venerado poeta William Blake (no jardim da sua casa, em Lambeth, ele e a mulher, Catherine, declamavam o Paradise Lost, de Milton, em trajes de Adão e Eva), ou Lord Cornbury (nomeado pela rainha, em 1702, seu representante em Nova Iorque e New Jersey, fez questão de apresentar-se nas cerimónias oficiais com roupagens femininas), mas a todos une essa característica de inclassificáveis “one of a kind”. Ivor Cutler (1923-2006) – surrealista, sábio absurdista, poeta, professor, figura da rádio, piloto da Royal Air Force (dispensado por ser demasiado “sonhador”), e "songwriter" – definia-se como “filósofo musical oblíquo” e era uma espécie de Lewis Carroll arraçado de Samuel Beckett.



No Magical Mystery Tour, os Beatles ofereceram-lhe o papel de Buster Bloodvessel (o condutor do autocarro), Bertrand Russel, John Lydon, Jim O'Rourke, Elvis Costello, David Toop e os Monty Python eram fãs, Robert Wyatt convidou-o para Rock Bottom (1974) e, no EP Nothing Can Stop Us (1982), interpretaria a sua "Go And Sit Upon The Grass", e, apenas atrás dos Fall, foi o segundo mais frequente convidado do programa de John Peel, na BBC. Na verdade, podemos verificá-lo agora, não apenas esses mas diversos mais recentes como aqueles que se reuniram para o duplo álbum de homenagem, Return to Y'Hup: The World of Ivor Cutler, referência à imaginária ilha da sua psicogeografia privada. A saber, Citizen Bravo/Matt Brennan, Raymond MacDonald, Malcolm Benzie, e Andy Monaghan, núcleo em torno do qual orbitam Tracyanne Campbell (Camera Obscura), Alex Kapranos (Franz Ferdinand), Stuart Braithwaite (Mogwai), Stuart Murdoch (Belle & Sebastian), Emma Pollock (The Delgados), Karine Polwart, Wyatt e vários outros entregues à invejável missão de, sob múltiplos ângulos, declinar, estas 26 preciosas miniaturas. Pelo menos, "Women Of The World" (“Women of the world, take over, ‘cos if you don’t the world will come to an end, and we haven't got long”), merecia sucesso global instantâneo.

20 April 2015

Diz o PS de Alhões, Bustelo, Gralheira e Ramires que é aquela cena blakeana do universo num grão de areia, maila história do Nelso (que a madrinha queria que fosse Sandro Felício mas a mãe que era fã do anão beato não deixou)

07 April 2015

BALANÇO E CONTAS


Mui compreensivelmente, Allan Jones, na “Uncut”, pergunta a David Corley porque lhe foi necessário tanto tempo para gravar o álbum de estreia. E ele responde “É preciso viver uma vida para poder escrever sobre ela. Não é coisa que possa ser inventada”. E, ao "Hear! Hear!" Music, quase em modo Fight Club, explica: “Tenho duas regras acerca da escrita de canções. A primeira é: ‘é melhor ter algo para dizer’; e a segunda é: ‘é melhor ter algo para dizer’”. Não estaremos, pois, perante o caso inédito de um “difícil primeiro álbum”, uma vez que não se terá tratado de uma questão de dificuldade mas apenas de respeitar o imprescindível período de maturação. O que, contudo, não torna menos invulgar o facto de Corley, só agora, aos 53 anos, ter publicado o primeiro tomo da sua discografia, Available Light, e reclama algum conforto biográfico. Filho de Lafayette, Indiana, fugiu do "Twinkle, Twinkle Little Star" nas aulas de piano e atirou-se a um "songbook" dos Beatles, estudou informática na Universidade de Athens, Georgia (na mesma altura em que os R.E.M., moços da mesma criação, por lá iam começando a fazer história), e não hesitou em adquirir o estatuto de "dropout".



Nos trinta e picos anos seguintes, foi camionista, carpinteiro, empregado de mesa, operário, barman, agricultor. Mas aquele tipo menos comum de elemento das classes laboriosas que lia Joyce, Whitman, Blake e Rilke enquanto, na consagrada tradição americana, deambulava, de costa a costa. E ia vivendo imensamente mais do que o indispensável para ter algo que dizer. Da destilação de tudo isso, em registo de exemplar classicismo (imaginem o mais que perfeito lugar geométrico onde Springsteen, Willy Vlautin, Mark Eitzel, Dylan, Van Morrison, Randy Newman, Tom Waits, David Ackles e Lou Reed coabitam – sim, são esses os seus pares) e interpretadas com o género de voz de quem já consumiu a quantidade de cigarros e bourbon recomendada, as dez canções de Available Light, balanço e contas de perdas, desencontros e erros (“I hopped up into my truck but I headed to the wrong bar, got way too fucked-up, started wishin' on the wrong star, but the sky, man, it's so large, that's just an easy mistake”), constituem exactamente aquilo que se costuma designar como clássico instantâneo.

23 September 2014

B(R)AND 


Foi um grande momento de sinergia empresarial o que, terça-feira, 9 de Setembro, teve lugar, em Cupertino, na Califórnia: uma "brand" (a Apple) e uma "band" que também é uma "brand" (os U2) subiram ao palco onde a primeira procedia ao lançamento dos seus novos electrodomésticos e os dois respectivos CEO encenaram uma divertida rábula. Após a interpretação de uma canção – "The Miracle (Of Joey Ramone)" – pela "b(r)and" irlandesa, Tim Cook, vocalista da Apple, entoou: “Não foi o single mais incrível que, alguma vez escutaram?...” Teria sido bastante fácil responder-lhe negativamente com 10 000 exemplos de apoio mas ele não deu tempo para isso, acrescentando “Íamos adorar um álbum inteiro assim”. Instantaneamente, no modo pro bono que o caracteriza, Bono interrogou-se: “O problema é por que forma conseguir fazê-lo chegar ao máximo número de pessoas, como sempre foi timbre da nossa banda... Suponho que vocês têm 500 milhões de subscritores no iTunes... seriam capazes de levar o álbum até eles?” Cook, magistralmente, hesitou mas acabou por responder “Se o oferecermos de graça...” 


E, activando magicamente o correcto alinhamento de planetas, cinco segundos depois, a totalidade de Songs Of Innocence era depositada em todas as contas de iTunes e 100 milhões de dólares (miminho da Apple, segundo o “Wall Street Journal”) escorregavam para o baú do quarteto de Dublin no qual, a partir de 13 de Outubro, quando o CD físico estiver nas lojas, deverá cair mais alguma pecúnia jeitosa. Coisa para deixar feliz até Michael Noonan, ministro das finanças da República da Irlanda, não se desse o caso de os beneméritos U2 – tal como 19 dos 20 grupos económicos do luso PSI-20 – terem domicílio fiscal na "tax friendly" Holanda. Tudo isto parece ter muito pouco a ver com, como dizer?... música? Nada disso! Como Bono fez questão de sublinhar, “Não acredito em música gratuita. A música é um sacramento”. Ou, talvez, um $acram€nto. Porque a verdade é que, para quem viu as vendas dos três últimos álbuns descer de 4,4 milhões para 1,1 milhões, ter, de repente, à disposição 500 milhões, só pode reforçar a fé. Pelo menos, o suficiente para escolherem a sede da segunda maior multinacional de tecnologia informática como chão... err... sagrado para o lançamento do “álbum mais pessoal de sempre”, com título inspirado em William Blake e tudo. 

01 August 2012

OKAPIS EM SELVA DE ANFIGURIS

















Gaiteiros de Lisboa - Avis Rara

O calendário, cartografia, fusos horários e cronologia são, evidentemente, pessoalíssimos, embora, surpreendentemente, transmissíveis. Por exemplo: “Fez sábado quinta-feira, pra lá de Évora três semanas, estive dez dias num Verão, nas Américas romanas”. Quer, com isto, dizer-se que, apesar de, a propósito dos Gaiteiros de Lisboa, continuar a ser inevitável ouvir-se falar de músicas tradicionais (portuguesa ou do resto do mapa), a verdade é que, mesmo que todas as coordenadas possam apontar para lugares identificáveis, eles habitam, desde há muito, um universo inteiramente privado, uma espécie de reserva de okapis sonoros em selva de anfiguris. Onde, não sendo impossível que os apanhemos a tocar instrumentos convencionais como gaitas-de-foles (há que fazer jus ao nome), bombos, timbalões ou trompas, o mais provável será darmos com eles â volta de caixofones, cadeiretas, canarions, cabeçadecompressorofones, sanfonocellos, serpentalhos e túbaros de Orfeu, espécimes concebidos por aquela região do cérebro de certos "luthiers" permanentemente sintonizada nas emissões de rádio do asteróide de onde alienígenas como Tom Waits são originários.



De resto, a “avis rara” propriamente dita, tal como, na ilustração da capa, Carlos Guerreiro a retrata – pêga mecânica/boneco de pau articulado, entre bicicleta, helicóptero e aspirador, resultado da cópula de uma bola de futebol rebentada com a descendência de Heckle (ou Jeckle) a bordo da passarola de Bartolomeu de Gusmão –, é assaz esclarecedora: aqui, muito pouco ou nada funciona de acordo com as normas com que, habitualmente, a música é lançada à pauta. A qual, só por acaso ou acidente, será constituída pelas proverbiais cinco linhas paralelas, estorvo intolerável para os caminhos deliciosamente tortuosos por que os Gaiteiros preferem deambular. 



Procurando, ingloriamente, traduzir: as polifonias vocais poderão dar-se ares de cante alentejano mas não é impossível que, afinal, tenham sido extraídas das terras altas das Beiras, de Trás os Montes ou da Polinésia; a sátira política, carimbada por Sérgio Godinho ("Avejão"), prefere travestir-se de tratado de ornitologia (atentem na milagrosa actualidade de “No reino das trepadoras, o papagaio é senhor, mesmo até sem saber ler, qualquer papagaio é doutor”) emoldurado por filarmónica cubista; uma (literalmente) esdrúxula gincana linguística em mar bravio de gaitas à solta ("Proparaxitonias") desagua, de bom grado, em bailarico latino-americano com súplica de “Quiero tier fuerça na vierga”; mortos e vivos (Alexandre O’Neil, Ana Bacalhau, Adiafa, Zeca Medeiros, Godinho), sem que sequer se possa imaginar que, alguma vez, possa ter sido diferente, convertem-se, imediatamente, em irmãos activos da herética Ordem Gaiteira; e, como se fosse necessária comprovação de que tão libérrimo desvario assenta sobre o terreno sólido de quem, de há muito, trata por tu – e, se lhe apetecer, insulta – os mil e um idiomas de ainda mais origens e eras, em "Conde Ninho", as vozes de José Manuel David e Rui Vaz, em equilíbrio sobre o arame de um cavo bordão de gaitas, digladiam-se num virtuoso duelo vocal de vetusta linhagem serrana, coisa de imobilizar instantaneamente o tempo e nos pôr a gaguejar os grãos de areia e as eternidades de William Blake num qualquer dialecto transfronteriço. Foram precisos seis anos para achar o sucessor de Sátiro mas o quinto painel da odisseia de estúdio dos Gaiteiros é daquelas oferendas que vale cada segundo de espera.

19 February 2011

O NOME DA ROSA


Azadeh Razaghdoost - "Sick Rose Series" *

"Empresas ligadas a Rui Pedro Soares e Emídio Rangel compraram os direitos de transmissão dos jogos da liga Espanhola, quiseram adquirir o Porto Canal, compraram a rádio Europa, preparam um novo semanário e negociam a compra dos direitos de transmissão dos jogos do Benfica.

Até agora estas empresas assinaram compromissos no valor de 12 milhões de euros (3 milhões na Rádio Europa e 9 milhões com a liga Espanhola) mas o investimento total pode ser superior aos 50 milhões de euros. Tudo isto sem que se perceba de onde vem o dinheiro. A MediaPro, empresa espanhola anunciada como parceira destes negócios, tem um passivo superior a 900 milhões de euros e está sob administração judicial.

Considerando que Rui Pedro Soares é arguido no caso Figo/TagusPark e, de acordo com notícias vindas a público, terá tentado comprar o canal TVI com dinheiros públicos, considerando que é sua renovada intenção criar um novo grupo de media; considerando que não se percebe de onde vem o dinheiro para estas operações;

Considerando tudo isto, e ao abrigo do seu papel de supervisão, solicita-se à ERC que dê início a um inquérito público para averiguar quais são as fontes de financiamento destes negócios". (assinar a petição aqui)

* William Blake - The Sick Rose

O Rose, thou art sick!
The invisible worm,
That flies in the night,
In the howling storm,

Has found out thy bed
Of crimson joy;
And his dark secret love
Does thy life destroy.


+ Les Fleurs Du Mal (Charles Baudelaire)

(2011)

14 October 2010

O DIABO A SETE
(post convidado ontem no Delito de Opinião)


Gabriele Amorth: "Vade retro!!!..."

A 11 do passado mês de Março, o padre Gabriele Amorth – 85 anos de idade e 25 de experiência como exorcista-chefe do Vaticano –, do alto do seu currículo com cerca de 70 000 casos de possessão demoníaca, declarava que a onda de escândalos de pedofilia que se abatera sobre a Igreja Católica era prova claríssima de que “o Demónio está activo dentro do Vaticano”. E acrescentava que o que por lá mais existia eram “cardeais que não acreditam em Jesus e bispos que têm ligações com o Demónio”. Não seria, de todo, indispensável, possuir, como ele, o título de presidente honorário da Associação Internacional de Exorcistas para ter acesso a tal conhecimento. Há quinhentos anos, o santíssimo papa Leão X (1475 - 1521), já deixara esse assunto suficientemente esclarecido quando afirmou "Quantum nobis prodeste haec fabula Christi” ("Quão proveitosa nos tem sido esta fábula de Cristo"). Mas não desdenhemos da sapiência de Gabriele apesar de ser o próprio a confessar que “às vezes, o Demónio faz pouco de mim”. Até porque, pouco depois, a 8 de Julho, outro grande especialista, o padre católico espanhol José Fortea (autor do Tratado de Demonologia e Manual de Exorcistas, obra de referência sobre o assunto) nos informava de que “Deus e o Demónio conversam. Mas o Demónio não vai visitar Deus, está no Inferno. Só que por vezes eleva a sua voz a Deus. E Deus escuta-o. Mas Deus tem pouco a dizer ao Demónio e o Demónio não quer falar com Deus”.


Não é, de certeza, por acaso, que isto nos pode fazer pensar em ocorrências políticas locais e recentes. E que, irresistivelmente, nos empurra para a leitura da História Política do Diabo, de Daniel Defoe – sim, o mesmo do Robinson Crusoe, mas também comerciante de vinhos em Cadiz, Porto e Lisboa, jornalista (e alegado precursor do jornalismo económico), panfletarista político e agente secreto inglês na Escócia dos séculos XVII/XVIII –, acabado de publicar (ed. Guerra & Paz) na sua primeira tradução em português. E, logo no capítulo inicial, Defoe aborda a vexata quaestio: “Tem, de facto, sido sugerido que ele [o Diabo] terá mesmo tomado ordens e que um certo papa, famoso por ser um dos seus favoritos, lhe facilitou tanto a investidura como a instituição; só que, como disto não há registo algum (...) eu não posso afirmar o caso como verdadeiro, até porque não pretendo caluniar o Diabo”. Mas, mesmo assim, não resiste a insinuar que “ele foi muito íntimo de um santo padre, o papa Silvestre II, e alguns chegam mesmo a acusá-lo de ter duplicado o papa Hildebrando, o Infame, numa ocasião extraordinária em que o próprio Diabo se terá sentado na cadeira apostólica, defronte de toda a congregação reunida”. Mais importante ainda (e vamos apenas na página 16 de um total de saborosas e eruditas 400 e picos em que o tema será desenvolvido): “ficará claro que Satã teve muitas vezes parte no método, senão mesmo no desígnio, da propagação da fé cristã”.

William Blake - Satan, Sin, and Death: Satan Comes to the Gates of Hell (ilustração para o Paraíso Perdido de Milton, c. 1806)

Defoe sabe do que fala mas outros estudiosos, anteriores e posteriores, dissecaram o assunto ao pormenor. E, aqui chegados, ninguém se espantará que peritos como Johann Weyer (Pseudomonarchia Daemonum, 1563) e Collin de Plancy (Dictionnaire Infernal, 1818) tenham estabelecido que a corte infernal está estruturada e é dirigida como uma outra qualquer instituição humana. Constituída por 69 notáveis (“número curioso”, diria Mota Amaral), Belzebu é o chefe supremo e fundador da Ordem da Mosca; Satanaz é o líder do partido da oposição; Baalberith, o mestre das alianças; Nergal, o chefe da polícia secreta; Astharot, ministro das finanças, Baal, comandante-em-chefe dos exércitos, e por aí fora, numa extensa lista de embaixadores, juízes, chefes de cozinha, grandes escanções, mestres de cerimónias, chefes dos eunucos, directores de espectáculos e superintendentes das casas de jogo, onde nem sequer falta Nybbas, “grande parasita, vigarista e charlatão”. Afinal, vendo bem, tudo pessoal conhecido.

(2010)

29 July 2009

O PENSAMENTO FILOSÓFICO PORTUGUÊS (XX)

Laurinda Alves




O universo num grão de areia, a eternidade num segundo e a humanidade inteira numa plataforma do metro. Laurinda actualiza e amplia a visão de Blake e, apelando sempre ao que de melhor em nós existe (até porque, em Portugal, não há essas modernices americanas dos psicopatas e serial-killers), sugere que mergulhemos nos olhos uns dos outros. Por isso, se, entre Saldanha e Picoas, reparar numa gótica cujos olhos se dissolvem apaixonadamente nos de um revisor oficial de contas, isso é o efeito-Laurinda. (aqui)

(2009)

27 January 2007

FORA DO "MUNDO REAL"


A voz é cada vez mais a de um mineiro com séculos de sílica sedimentada nos pulmões. A cantar, no novo e outra vez óptimo Love And Theft, mas também a conversar com uma espécie de delegação da União Europeia — um jornalista por país — que se foi encontrar com ele mesmo à beira dos "Spanish steps" daquela Roma que cantou em "When I Build My Masterpiece". Ele, Bob Dylan, poeta laureado do rock, contraditório comentador político do mundo moderno, solipsista psicadélico radical, revolucionário/reaccionário absoluto.



Que, hoje, aos sessenta anos acabados de cumprir, com novíssimo bigode de Zorro latino, não tem a menor dúvida em afirmar: "Acerca de quê poderá alguém pensar em escrever que não veja todos os dias nos noticiários e nas televisões? As emoções humanas básicas permanecem as mesmas mas são os media que as dirigem... Rimbaud, Shelley, William Blake, Byron, quem são eles? Apenas poetas que temos a liberdade de conhecer mas que ninguém escuta na televisão. Os media acabaram de vez com a poesia e a literatura. Ninguém está disposto a desempenhar o papel de Kafka, de escrever para não haver ninguém que o leia. Quem escreve quer ser visto e lido. Ter, pelo menos, uma reacção. E é disso que os media se encarregam. Não se pode esperar melhor poesia do que a que se vê nos noticiários. Aí mostram-nos tudo o que é possível existir e mesmo aquilo com que nunca fomos sequer capazes de sonhar. O que pode fazer alguém que escreve? Todas as ideias são exibidas nos media muito antes de podermos aproximar-nos delas. Vivemos num mundo de ficção científica. A Disney conquistou o mundo. Este é um mundo de ficção científica Disney. Parques temáticos, ruas da moda, é tudo ficção científica. Por isso, se um autor tiver algo para dizer, deve fazê-lo fora disso. Fora do 'mundo real' que se transformou no mundo da ficção científica. Quer tenhamos consciência disso ou não. Tivemos a idade do oiro que terá sido a de Homero, depois a da prata, a do bronze, e, agora, somos bem capazes de estar a viver na idade da pedra. Ou na do silicone...".


A explicação do título do álbum, essa, é simples: "O amor e o roubo não são extremos opostos. São exactamente o mesmo. Como os dedos dentro de uma luva. Quando amamos, roubamos sempre alguma coisa a alguém". Depois, se alguém remete para a filiação na tradição norte-americana, ele diz só "John Hammond, o tipo que me 'descobriu' na CBS, ofereceu-me um álbum de Robert Johnson muito antes de ele ter sequer sido publicado. Havia muita gente que não fazia a menor ideia de que ele tinha existido. As gravações dele só existiam, quase secretamente, em pequenas editoras. Nessa altura, no início dos anos 60, a minha relação com a tradição popular americana era bastante mais próxima".






A verdade é que, mesmo quarenta anos depois da publicação do seu primeiro álbum, Dylan ainda não perdeu qualidades naquela sua peculiar arte de confundir jornalistas patetas dedicados à missão de lhe fazer perguntas igualmente tolas: "Uma genealogia para as minhas canções? Isso é tudo treta. Se investigar os meus discos, reparará que, como acontece com todos os autores, por vezes me repito. Mas não me parece que seja algo mais do que isso. Se existe uma continuidade entre o Bob Dylan dos anos 60 e o das décadas que se seguiram, é apenas uma continuidade biológica"; "Porque é que estão sempre a citar-me? Não presto a menor atenção às coisas que digo. Porque o haveriam vocês de o fazer? O meu trabalho é na área do entretenimento ligeiro". Ou, quando interrogado sobre o método da sua loucura criativa, "Não inventei nenhum método original de escrita. Tomo umas notas, imagino uma melodia ou duas, volto a elas mais tarde... A minha atitude é a de permitir que as coisas aconteçam e rejeitar o que não me parece que sirva. Deixo que uma certa 'stream of consciousness' funcione mas não me ponho a meditar em cada linha que escrevo. Não me sento exactamente no cadeirão para escrever. As frases encaixam-se ou não na estrutura do episódio que é cada canção. Têm de se resignar a um certo idioma. A forma não é livre e é inútil adequá-las a um determinado ponto de vista ideológico. Não é isso que se pede a uma canção, ela não o pode fazer. É verdade cheguei a fazê-lo e outros o fizeram também. Mas, à partida, nunca tive isso em mente". Ou ainda, sobre outra interrogação algo mais abstrusa, "É verdade, sim, já ouvi dizer que me queriam nomear para o Nobel. Isso iria por-me na companhia de quem? Hemingway? Ele escrevia para a 'Time Magazine'... John Steinbeck? Não me parece que pertença a essa categoria. Estarei acima ou abaixo dela? Quero lá saber...".



Noutro registo, há a novíssima cultura-jornalística-'Caras'-internacional com a qual Bob Dylan continua a lidar com as proverbiais e justíssimas duas pedras em cada mão: "Não, não sinto que faça realmente parte da cultura dos 'rich & famous'. Não fui eu que escolhi fazer aquilo que faço. O que faço escolheu-me a mim. Poderia ter sido algo de muito diferente: cientista, engenheiro, médico...". E que, num rastreio exemplificativo de quase duas horas de conversa com que, guerrilheiramente, se degladiou, se poderia sintetizar assim: (p: ainda se diverte com o que faz?) "O que é divertir-se?, Sim, diga-me, se for capaz, o que é divertir-se? Estou aqui, não estou? Poderia ter feito outra escolha?" (p: gostou de ganhar o Óscar?) "Não fui lá".(p: acha que é um reflexo do seu próprio tempo?) "Sempre, claro. Nunca poderia reflectir outro período, não lhe parece? Embora, provavelmente, reaja mais do que reflicta". (p: imagina-se a começar a cantar nos dias de hoje?) "Se se tiver o talento, a capacidade e o conhecimento para isso, porque não?". (p: de onde lhe continua a vir a energia?) "A energia é uma ficção. Tal como qualquer pessoa que aprenda a fazer alguma coisa, há certos estratagemas, códigos, técnicas que se põem em movimento. Há que saber usá-los de uma forma combustível. Essa tal energia em acção pode assemelhar-se a uma técnica. Mas é uma combinação feliz de técnica com emoção". Ou, no registo anti-tecno-moderno, "Sim, sim, estou certo que algum pervertido me há-de ter colocado na Internet...". Finalmente, a reacção ao nível "interpretativo/comemorativo": "Não, não me importa muito a análise que possam fazer das minhas canções seja ela de um ponto de vista freudiano, marxista, idealista..."; "Sim, celebrei os meus sessenta anos da maneira habitual: as velas, os amigos, a família. Espero bem ser 'younger than that now'...".


Numa modalidade um pouco menos tonta, há quem o questione acerca do papel dos produtores na sua música ou de como gravar uma voz tão singular como a sua ou as de Lou Reed ou Leonard Cohen. E, mesmo assim, não muito pacientemente, Deus, Dylan himself, responde: "Quando trabalhamos com produtores, eles têm a possibilidade de conduzir as nossas canções nesta ou naquela direcção. E, por vezes, não seria a direcção que nós mais desejaríamos. Muitos dos meus discos são atravessados por esse tipo de compromissos. O que se nota muito menos quando se trata de discos ao vivo. Nunca diria que sou um produtor de discos mas, se, de facto, possuirmos uma visão pessoal do que como a música deve soar, não existe nada que um produtor faça que nós não possamos fazer também". Siga: "Habitualmente, a ideia não é como gravar a minha voz mas sim como é que aquela particular canção deve soar. O lado audiófilo escapa-me bastante. Mas, se calhar, a solução ideal seria a de me sintonizar com a extensão de um determinado instrumento em particular. Sublinhar uma certa presença. Não me parece que a minha voz seja assim tão difícil de registar mas não conheço ninguém que tenha realmente compreendido como me deve gravar. Não há nenhum culpado em especial. A minha extensão vocal é que possui o seu sistema próprio". E a rematar, "Não sei muito bem como é que as vozes deles deveriam soar embora a do Leonard Cohen seja bastante mais compreensível do que a do Lou. Sempre me pareceu que a melhor maneira de lidar com a minha voz seriam os sistemas mais antiquados, analógicos, estéreo ou mono, de certeza, os mais simples". E, exemplificando um pouco com o novo álbum, "Uma canção como 'Po' Boy' canta-se a si mesma. Eu sou obrigado a cantar dessa forma. Ela poderia existir sem nenhum texto. Assenta exclusivamente no encadeamento de acordes sem nenhuma instrumentação a não ser uma guitarra muito minimalista".



Quanto ao público dos "fiéis", lamento muito muito ter de ser eu a informá-lo, mas é mesmo assim, tem muito pouco a esperar. É ele próprio, sua Dylanidade, quem desavergonhadamante o confessa: "Habitualmente, ignoro as pessoas na primeira fila dos concertos e toco para as das últimas filas. As das primeiras filas já estão habituadas aos concertos, passe-se o que se passar, vão gostar na mesma. Por isso, não é a essas que eu quero chegar". E reflectindo sobre os anos que, inexoravelmente, passam,"A única coisa que realmente nos une a todos é a mortalidade. Nada mais existe que nos torne a todos semelhantes. Não que eu reflicta muito sobre a minha mortalidade. É mais sobre o que se passa à minha volta com as pessoas que me são proximas".
Encerre-se a função: "Há muito pouco tempo, o Leonard Cohen disse-me que, ser considerado um poeta, era um fardo demasiado pesado para se carregar. Está de acordo?". Dylan: "Sei muito bem do que ele fala". "Isso era o que acontecia no século passado, não era?" "Muitas eras lá atrás, sim...". (2001)