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03 November 2024

"Patterns"
 
(sequência daqui) Na verdade, não será exactamente assim. Quando Sir Charles William Somerset Marling (o tal 5º baronete de Marling), mal Laura tinha completado 6 anos, se dispôs a ensinar-lhe os rudimentos da guitarra acústica, a primeira canção que aprendeu foi "The Needle And The Damage Done", de Neil Young, mais uma lista de TPC que incluía Bert Jansch e James Taylor e, hoje, se estende até Townes van Zandt e ajoelha perante o intocável Leonard Cohen ("Cohen foi um poeta de extraordinária elegância, um dos raros realistas-românticos, um género a que fui buscar inspiração para as minhas ainda curtas vida e carreira. O universo lírico dele é tão intenso, melancólico e solitário... mas, crucialmente, nunca isolado. É um 'storytelling' moderno, uma turbulência romântica adulta. Sempre o imaginei com 30 e tal anos, de fato completo, sempre olhando amavelmente para o mundo, interrogando-se sobre como caminhar nele, reflectindo sobre a sua última paixão e guardando espaço no coração para a seguinte"). Foi essa a Laura Marling que, aos 16 anos, trocou o Hampshire por Londres, mais exactamente pela nu-folk scene - Johnny Flynn, Mumford & Sons ou Noah & The Whale - que, na segunda metade dos anos 00, fervilhava no microscópico clube Bosun’s Locker, em Fulham. Porém, a pálida musa que, um atrás do outro, foi despedaçando corações no pequeno oásis folk, a partir de determinado ponto, sentiu-se desconfortável com o colectivismo instituido: "Tocar com toda a gente, ao mesmo tempo, tornava tudo demasiado homogéneo. Tinha de fazer coisas diferentes. Senti que a minha música estava a ficar igual à de todos os outros e queria que, para mim, ela fosse especial. Não era capaz de funcionar dentro de um gang, tinha um grande ego. Desejava ser única". (segue para aqui)

14 January 2022

"You Can Close Your Eyes" (c/ James Taylor - Peel Session, no Paris Theatre de Londres)
 
(sequência daqui) Assaz ironicamente, porém, a faixa de abertura do primeiro CD deste ilustríssimo exemplo da museologia musical inaugurada pela “Bootleg Series”, de Bob Dylan, assinala um indiscutível falhanço: "Midnight Cowboy", escrita para a banda sonora do filme homónimo de John Schlesinger, acabaria preterida a favor de "Everybody’s Talkin’", de Harry Nilsson. Por essa altura, ela poderia ver-se como símbolo de uma geração de "singer-songwriters" agudamente confessionais, expondo-se publicamente “como um saco de celofane cheio de orgãos humanos com um coração a bater no meio”. Mas esse lado magoadamente “sensível” não a impediria de, perante a multidão ostensivamente desatenta do festival da Ilha de Wight de 1970, ter desabafado, sem pesar as palavras: “Parem de se comportar como turistas. Vá lá, mostrem algum respeito!

11 January 2022

(sequência daqui) Ne verdade, uma boa parte dessa “magia” foi fruto da sua vontade e determinação. Quando, em 2002, declarou à “Rolling Stone” que a indústria musical era “uma fossa séptica” e “tinha vergonha” de fazer parte dela, anunciando a muito provável reforma antecipada, não estava a brincar: de facto, apenas publicaria mais um álbum (Shine, em 2007). Em entrevista ao “Los Angeles Times”, em Setembro de 2004, explicar-se-ia ainda melhor: “Noutro dia, alguém da indústria dizia que já não andavam em busca de talentos, o que fazia falta era gente com uma determinada imagem e vontade de colaborar. Engraçado, pensei eu, sempre me pareceu que ser totalmente destituído da vontade de colaborar era indispensável para se ser um artista. Não por quaisquer motivos perversos mas pela necessidade de proteger a nossa visão. As considerações de uma empresa, especialmente agora, nada têm a ver com arte ou com música. É por isso que passo o meu tempo a pintar”. Cobrindo o período durante o qual publicou os primeiros quatro álbuns – Song To A Seagull (1968), Clouds (1969), Ladies Of The Canyon (1970) e Blue (1971) –, Archives Volume 2: The Reprise Years (1968-1971) recolhe mais de 5 horas de raridades, ensaios e "outtakes", gravações domésticas, de estúdio e ao vivo, incluindo a estreia no Carnegie Hall de 1969, a aparição televisiva no Dick Cavett Show de 18 de Agosto de 1969 (onde, com Stephen Stills, David Crosby e Grace Slick se discutiriam as peripécias do festival de Woodstock dos dias anteriores), e a Peel Session, no Paris Theatre, de Londres, com James Taylor (1970).  (segue para aqui)

06 June 2013

NULLI PRAEDA SUMUS


No caldo de cultura pop largamente dominante em que a inspiração tende a funcionar através do método de aspiração-Hoover do passado, as águas dividem-se entre aqueles que negam peremptoriamente as provas óbvias da matéria aspirada e os outros que as exibem triunfantemente como se de troféus de caça se tratasse. Com Laura Marling, as coisas passam-se de um modo algo diferente: não só é ela a primeira a admitir que, quando, aos seis anos, começou a aprender a tocar guitarra, a primeira canção que o pai lhe ensinou foi "The Needle And The Damage Done", de Neil Young, e que, praticamente, bebeu do biberão Joni Mitchell, Bert Jansch e James Taylor, como, hoje, é, justamente, gente como Young, Graham Nash ou Joan Baez que se confessa fã da filha do quinto baronete de Marling, cujo lema de família, Nulli Praeda Sumus (“Não somos presa de ninguém”), Laura tatuou no pulso direito. 

 

Once I Was An Eagle poderá, facilmente, deixar-se inscrever no género dos álbuns “confessionais” – de que Mitchell et alia foram os praticantes máximos, entre uma multidão de discípulos menores que chegaram a transformar "singer-songwriter" num insulto bem pior do que “palhaço” – mas, note-se, num subcapítulo das refregas sentimentais em que Laura Marling não abdica do estatuto de predadora. Experimentem este percurso: “When we were in love, I was an eagle and you were a dove”, “I’m a master hunter, I cured my skin, now nothing gets in”, “I will not be a victim of romance, I will not be a victim of circumstance”, “Once is enough to make you think twice”, “You weren’t a curse, thank you naïveté for failing me again, he was my next verse” e “Give me something, let me go, tell me something I don’t know”.  



Mas, se lhe acrescentarem “You want a woman who’ll call your name, it ain’t me babe, no, no, no, it ain't me babe”, isso, por interposto Dylan, ajudará a compreender como Marling, ainda só no quarto álbum (após Alas, I Cannot Swim, 2008, I Speak Because I Can, 2010, e A Creature I Don't Know, 2011, todos, como este, com títulos de seis sílabas) se mostra suficientemente confiante para citar os clássicos e – escutando os seus 63 minutos –, ao mesmo tempo, reclamar para si uma genealogia musical não menos aristocrática do que a da sua família de sangue: a de Roy Harper, John Martyn, Nick Drake, Van Morrison ou dos Byrds (se quisermos aproximar mais conspirativamente a cronologia, pense-se, igualmente, em Sometimes I Wish We Were An Eagle, de Bill Callahan, 2009). Quase conceptual na estrutura (suite inicial de uma única peça desdobrada em cinco títulos, coda, interlúdio e desfecho final em oito andamentos), austero na utilização praticamente exclusiva de guitarras, violoncelo e percussão – mas o Hammond, oh quão dylaniano!... de ‘Where Can I Go?’ –, é o perfeito lugar geométrico onde todos os elementos se combinam, expandem e transfiguram, a evocação das 12 cordas de Roger McGuinn convive com modalismos tão orientais como ibéricos e, à discretíssima boleia de "It's Alright, Ma (I'm Only Bleeding)", em "When We Were Happy", Laura Marling, por um segundo, nos obriga a pensar com ela: “I look at people in the city and wonder if they’re lonely or like me they’re not content to live as things are meant to be”.

21 September 2011

ALINHAR OS CHAKRAS
 


Jonathan Wilson - Gentle Spirit

Vão desculpar-me mas, a sério, “The raven who flies through the desert sky is wiser than you or me... the desert raven, he has poetry” é coisa possível de ser cantada e escutada sem que ninguém se ria? E isso, aninhado num fofinho casulo filosófico que adverte "Natural world she needs our energy" (notar o emprego do género feminino para “natural world” – estamos em plena cena "new age" da “deusa-mãe” primordial e diáfanos panteísmos afins uma vez mais reciclados), sintoniza “vibrations in the air” e remata o assunto com aquele tipo de proclamação – "A hundred blowin' up in the headlines, we've seen it all before, the powers are killing the paupers, for some idea of God, or whatever" – que cai sempre bem à hora do chá, coloca-nos, então, onde?

Exactamente: Laurel Canyon, Los Angeles, final dos anos 60, início dos 70, jardim do paraíso da aristocracia folk-rock bem pensante, cenário transbordante de amor, paz e dólares no qual James Taylor, Joni Mitchell, Jackson Browne, CSN&Y e diversos outros apóstolos da boa nova ensinavam que, se déssemos as mãos, alinhássemos os chakras, consumíssemos as drogas certas, e, ocasionalmente, saíssemos da toca para participar numa ou outra manifestação contra as guerras mazinhas, Marx e Cristo dansariam a valsa, Hitler e Buda trocariam afectuosos ósculos no além e, de um modo geral, tudo correria muito bem. Jonathan Wilson, residente actual do Canyon e criatura de prestígio enquanto músico e produtor junto de gente como Elvis Costello, Robbie Robertson ou Erykah Badu, acredita piamente que o tempo se imobilizou há quarenta anos e, com desmedido "savoir-faire" musical, para quem não teve oportunidade de estar presente na altura certa, recria, ao detalhe, a cena original de Laurel Canyon. Que Shiva e Shakti o façam muito feliz.

(2011)