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22 November 2024

MEA MAXIMA CULPA (VI)

(publicado no nº 11 da "Granta")

(sequência daqui) Poderia ainda acrescentar ao rol de desatinos a reacção inexplicavelmente alérgica a Steve McQueen (1985), dos Prefab Sprout ("É impossível não franzir o nariz a esta pop quase sem espinha nem energia, hipercarregada de efeitos e complicativa, piscando incessantemente o olho a si mesma e que, deslumbrada com tanta aparente versatilidade, é incapaz de seguir de modo escorreito um percurso melódico sem ceder à tentação de lhe sobrepor desvios 'espertalhões' a mostrar aos entendidos que a sabedoria até vai além dos desprezíveis quaternário e cadência de dominante-tónica") mas é obrigatório reconhecer que não se colecciona asneiradas apenas virando o polegar para baixo. O inverso também pode ser generosamente produtivo. 
 
Uma década depois, em Dublin, o festival Green Energy converter-se-ia em palco de aparições milagrosas. E juro solenemente, cross my heart and hope to die, que nada disso teve sequer vagamente a ver com o facto de o patrocinador do evento ser a cerveja Heineken. Por lá andavam Lou Reed, Goldie, Orbital e inúmeros anónimos (ou quase) mas a primeira revelação ocorreria num dos inúmeros palcos de bar/pub , de Temple Bar, o Fitzsimmon's. Poucos passos à minha frente, Nine Wassies From Bainne. Abalo existencial instantâneo: "Colisão frontal e fulgurante entre Zappa, a comédia Dada, Zorn, o fantasma electrocutado do rock, Hendrix, Captain Beefheart e todos os arredores mais delirantes desta área de catástrofe. Apenas uma bateria-turbo, um baixo em estado de taquicárdia e uma guitarra que viaja em voo picado, da distorção ao timbre de trompete, passando pelo contraponto de pedais e sonares alucinados, 'flashes' de derrapagem orquestral e intervalos de melodia encaixilhada em arame farpado", escreveria eu, ainda em levitação. E, solenemente, proclamava: "São de Cork, evitam a Inglaterra (demasiado 'trendy') e estão a caminho de Nova Iorque, em busca de editora. Não se esqueçam, foi aqui que ouviram falar deles pela primeira vez". Pela primeira e, muito provavelmente, a última. Porque, embora tenham encontrado a editora que procuravam, nela gravariam Ciddy Hall, único álbum da sua meteórica carreira discográfica, e pouco depois esfumar-se-iam. (segue para aqui)

23 October 2023

(Franks Wild Years, na íntegra aqui)

(sequência daqui) Ao longo de Rain Dogs (1985), Franks Wild Years (1987) Bone Machine (1992) e The Black Rider (1993), Waits montaria, peça a peça, uma improvável escultura sonora feita dos escombros de Kurt Weill, Harry Partch, Captain Beefheart, aromas de New Orleans, folk irlandesa, blues, tango e rascunhos de Tin Pan Alley, em busca do essencial: "É verdade que a minha música se tem tornado cada vez mais despojada. Até se reduzir quase só a uma frase. Sinto necessidade de qualquer coisa rudimentar, fundamental. Actualmente, prefiro escrever sem nenhum instrumento, só com a minha voz. E estalando os dedos. Isso liberta-me da tirania do teclado ou da escala da guitarra. Repare na pop: actualmente, parece o Exército de Salvação, uma troca de trapos velhos. O que faz falta são canções. O que é superficial desaparecerá. No hip-hop, uma bateria e um órgão podem chegar. São simétricos, satisfatórios. E quais são as raízes do hip-hop? Os blues". (segue para aqui)


11 September 2023

Captain Beefheart - Bat Chain Puller (na íntegra)
 
(sequência daqui) Mas também My Squelchy Life (1991), de Brian Eno (gravado e com cópias enviadas para a imprensa, acabaria substituido, à última hora, por Nerve Net, 1992, que ele descreveria como "uma jam session entre Booker T & The MGs e Iannis Xenakis numa 'warehouse rave'"); The New My Bloody Valentine Album (a longa espera que se seguiu a Isn't Anything (1988) e Loveless (1991), apenas em 2013 terminaria com mbv, "uma avassaladora experiência de sufocação por uma tempestade de areia no interior de um salão de ópio"); Electric Nebraska, de Bruce Springsteen (gravado originalmente com a E-Street Band, em 1982, Nebraska acabaria por ser publicado na versão acústica inicial das "demo tapes" que Springsteen preferiu à interpretação eléctrica); Bat Chain Puller, de Captain Beefheart (as proverbiais complicações contratuais impediram a publicação deste álbum de 1976, de Don Van Vliet; só dois anos depois, reapareceriam algumas faixas integradas em Shiny Beast); Stampede (1967), dos Buffalo Springfield (alegadamente concebido como segundo álbum da banda de Stephen Stills e Neil Young, os conflitos internos levaram a que fosse posto de lado e substituído por Buffalo Springfield Again); e o imenso legado, real ou imaginário, de Paddy McAloon, a solo ou com os Prefab Sprout (inclui, pelo menos, oito álbuns completos, duas óperas – Michael Jackson - Behind The Veil, e outra, sem título, sobre a princesa Diana –, um "cartoon musical" – Zorro - The Fox –, um álbum de "gospel flavoured spirituals", The Atomic Hymnbook, e Earth - The Story So Far, um ambicioso projecto acerca da história do mundo tendo como protagonistas Adão e Eva, Elvis Presley, os Kennedys e Neil Armstrong, para além de pouco mais do que miragens como 20th-Century Magic, Femmes Mythologiques, Jeff & Isolde e Doomed Poets Vol. 1). (segue para aqui)

20 November 2022

MONSTERPIECE
Há 5 anos, Peter Buck decidiu comprar um dos 75 retratos de uma série sobre Lou Reed que Luke Haines colocara à venda. Inesperadamente, Haines propos-lhe gravarem um álbum a meias. Sem nunca se terem encontrado fisicamente, assim nasceriam as dez canções de Beat Poetry For Survivalists (2020), mui peculiar objecto em cujas esquinas Andy Warhol, Liberace, os Ramones, Captain Beefheart e Maria Callas se cruzavam. Supostamente, não teria sucessor. Mas, com os constrangimentos pandémicos a pesar, o ex-R.E.M. e o ex-Auteurs/Black Box Recorder/Baader Meinhof optaram por dar uso útil ao muito tempo disponível e reactivar a colaboração: “Apercebi-me que, com o Luke, não há limites. Tudo o que lhe enviava ele concluía. Era o Verão de 2021 em Portland, com incêndios, ondas de calor e protestos, e dei comigo a pensar ‘Será que preciso realmente de escrever mais uma canção bonitinha em Mi menor com um riff de guitarra catita?...’ Que se lixe, não era esse o meu estado de espírito na altura”, contou Buck à UCR“. (daqui; segue para aqui)

18 September 2021

VINTAGE (DLXXXVII)

Captain Beefheart & His Magic Band - Safe As Milk

(álbum integral)

21 August 2021


(sequência daqui) A primeira metade de "In The Stone", a faixa de abertura, engana. Dir-se-ia que, afinal, tudo teria permanecido sem grandes abalos. Mas, logo à frente, a liquidificação da guitarra eléctrica anuncia que novos ângulos irão ser explorados. E sê-lo-ão. Em "Tag", Riley Jones revela que se deixou voluntariamente influenciar pelos Psychic TV e Jeffrey Lee Pierce (Gun Club) e que, para "Desire", optou por Elvis, Keiji Haino e Kylie Minogue; Forster descreve "The Chance" como uma canção de Tim Hardin com um refrão das Hole e "Bathwater"enquanto vénia às Raincoats com uma batida disco e alusões aos Kiss e Blue Nile; e James Harrison fica-se por Jandek, Syd Barrett e Nick Drake. Mas, bem espiolhadas e analisadas uma a uma, encontrar-se-ão ainda vestígios – reais ou imaginários mas prontamente assumidos – de Throbbing Gristle aos "psych-rockers" japoneses dos anos 70, Les Rallizes Dénudés (famosos, entre outras proezas, por um dos seus elementos, militante da Red Army Faction, ter desviado um avião e pedido asilo político à Coreia do Norte), Royal Trux, Coil, The Stooges, Cocteau Twins, Jesus And Mary Chain, Fushitsusha, This Mortal Coil ou até (Riley, era mesmo necessário?...) a trafulhice psicanalítica de Jacques Lacan. Não resta a mais ínfima dúvida que Louis Forster, James Harrison e Riley Jones desejaram muito cortar o cordão umbilical que, para o bem e para o mal, os ligava à genealogia Go-Betweens. Essencial, então, é saber se, pelo meio da teia de referências e da utilização quase obsessiva do batalhão de sintetizadores de Geoff Barrow, das guitarras sobre-processadas e da sonoridade desmedida de percussões acústicas e electrónicas, tudo não terá resultado inutilmente sobrecarregado e excessivamente afastado da espontaneidade das "jams" na Fantasy Planet, de Brisbane, onde houve ainda tempo e espaço para, antes de chegarem às maquetes de Mirror II, gravarem um álbum “demasiado beefheartiano” e lançá-lo para o lixo.

03 June 2021

PERSONAL ANARCHY
 
 
O mistério do cérebro perdido de Ulrike Meinhof. A história fantástica de Jack Parsons, pioneiro aero-espacial, espião e ocultista da seita de Aleister Crowley. O Situacionismo e a guerrilha urbana. A "sci-fi" neo-swiftiana sobre uma comunidade hiper-libidinosa de mutantes de 6 centímetros. Uma discografia – em nome próprio ou sob as designações de The Auteurs, Baader-Meinhof e Black Box Recorder – com perto de 30 títulos, entre os quais The Oliver Twist Manifesto (2001), Das Capital (2003), 9 1/2 Psychedelic Meditations on British Wrestling of the 1970s & Early '80s (2011), Adventures In Dementia (2015), British Nuclear Bunkers (2015) e o inédito e confidencial The State Funeral of Winston Churchill (2005). Três livros – Bad Vibes: Britpop and My Part in Its Downfall (2009) Post Everything: Outsider Rock and Roll (2011) e o “psychedelic cookbook”, Outsider Food And Righteous Rock And Roll (2015) – e uma extensa lista de canções pelas quais, em estados variáveis de desfiguramento, desfilam Andy Warhol, Liberace, Ramones, Jacqueline du Pré, Captain Beefheart, Donovan, Maria Callas, Valerie Solanas, Nick Lowe, Klaus Kinski, Gene Vincent, Lou Reed, Peter Hammill, Marc Bolan, Bruce Lee, Roman Polanski e os futuristas russos. É, pois, inteiramente legítimo afirmar que, no imenso caldo de cultura pop/rock, não existe quem, sequer remotamente, se assemelhe a Luke Haines, adepto confesso da “personal anarchy” e supremo praticante da modalidade. (daqui; segue para aqui)

"Ex Stasi Spy"

01 September 2020

FESTIM 



Quando publicaram o segundo álbum, II (2018), os Sunwatchers fizeram questão de que na capa, desenhada por Catherine Wheeler, figurasse a sua "mission statement": “In solidarity with the dispossessed, impoverished and embattled people of the world”. E, não escondendo serem “homens brancos, nascidos na América”, perante “o facto terrível e indiscutível de que, neste mundo, os homens brancos possuem um milhão de vezes mais recursos de comunicação e mobilidade do que qualquer outro género ou etnia”, propunham-se usar o “imerecido púlpito” para “propagandear os direitos dos espoliados”. Acrescentavam: “Toda a arte criada no interior de um determinado sistema é, inerentemente, política. Vivemos numa das décadas mais tóxicas, desonestas e perigosas da História na qual um esquema de enriquecimento criminoso e explorador mascarado de sistema político hegemonizou o mundo. Apercebemo-nos disto bem antes de o idiota fascista Trump e a sua confederação de gangsters anarco-capitalistas terem tomado o poder. O capitalismo põe a humanidade em perigo e devemos acabar com ele se desejamos sobreviver”



O que, para Jeff Tobias, Peter Kerlin, Jim McHugh e Jason Robira seria sinónimo de “criar música liberta da tirania semântica, longe do lamaçal das abstracções sem sentido”. Pelo menos tão importante era o que, por fim, confessavam: ”É preciso que se diga que estivemos quase a intitular o álbum ‘Let’s Have Some Fun!!!’ porque também não passamos sem isso...” Puríssima verdade: tanto essa gravação como Illegal Moves (2019) e, agora, Oh Yeah? e o EP praticamente simultâneo, Brave Rats, são aquilo a que apenas pode chamar-se uma exuberante celebração da música, de todas as músicas, num imenso caldeirão sonoro sobrenaturalmente coeso. Se pensarmos nuns Archie Shepp, Roland Kirk, John Coltrane, Albert Ayler e Pharoah Sanders psicadélicos ou em Zappa, Beefheart e East Of Eden de costela punk, eles apressam-se a informar que, para completar o diagrama de Venn estético faltam ainda “o minimalismo moderno, o underground/punk/noise/drone rock, o cajun, o klezmer, a country, a tradição tailandesa e da Irlanda”. Todos ingredientes indispensáveis a um festim “ávida e pronunciadamente político”.

07 April 2020

ASSIM SOBREVIVE-SE MELHOR


Em Março de 2013, Luke Haines escreveu uma canção de 2 minutos, “apenas com três notas, um riff imbecil e duas palavras repetidas 72 vezes: Lou Reed”. Viria a ser a nona faixa de New York In The '70s (2014). Na capa, um pastiche de Haines sobre a fotografia (por Oliviero Toscani) de Reed para Lou Reed Live (1975). Durante três anos, manter-se-ia fiel ao propósito de pintar 72 variações em torno dessa imagem, em acrílico sobre tela, que coloca à venda por 49£ cada. Em Abril de 2017, na sala de espera de um consultório médico, recebe uma mensagem de Peter Buck (ex-R.E.M.) que pretende adquirir uma delas. Por 99£. Não tendo nada a perder, aproveita o pretexto para lhe propor gravarem um álbum a quatro mãos. Buck acha piada à ideia mas responde que, naquele momento, tem a agenda demasiado preenchida e não irá ser possível. 


Quatro meses depois, porém, cai-lhe na caixa de email uma "demo" tosca de Buck com uma sequência de acordes sobre as batidas de uma "drum machine" Univox da qual Haines extrai uma melodia e um texto acerca de Jack Parsons, engenheiro e pioneiro aeroespacial, ocultista da seita de Aleister Crowley e íntimo do farsante L. Ron Hubbard, fundador da Cientologia. Nunca se haviam encontrado antes – nem se encontrariam até à conclusão das dez canções de Beat Poetry For Survivalists – mas, via-email, com a contribuição adicional de Scott McCaughey e Linda Pitmon (na verdade, Haines mais três quintos dos Filthy Friends), estava dado o tiro de partida para a materialização musical de uma “mutual admiration society”: Buck considerava Haines o melhor "songwriter" do Brit Pop e Baader Meinhof (álbum de Luke, de 1996), um clássico, e o criador dos Auteurs confessava que, para ele, só existiam três bandas: The Fall, Go-Betweens e R.E.M.. Naturalmente, Beat Poetry... é coisa singularíssima: preparem-se para canções sobre estações de rádio pós-apocalípticas que só difundem a obra de Donovan, e assistam ao desfile de Andy Warhol, Liberace, os Ramones, Jacqueline du Pré, Captain Beefheart e Maria Callas, por entre guitarras ácidas, tablas, glockenspiel e flautas de bisel. Assim sobrevive-se melhor.

09 May 2019

COMBUSTÍVEL


“A música 'underground' deverá estar intrinsecamente ligada a ideias radicais, a uma empatia radical ou não passará de uma pose. Se a música não se relacionar com uma noção maior do bem comum, será suspeita de não ser senão um entretenimento altamente intelectualizado para gente rica. Recusamo-nos a contribuir para esse lamaçal. Na América, o sistema da justiça criminal é a linha da frente do sistema de privação de direitos económicos em que a nação assenta. Sendo todos nós homens brancos – aqueles para cujo benefício o sistema foi construido –, temos de usar esse previlégio para o dedicar a algo maior, às pessoas que o sistema esmaga. A música não é o combate material e físico necessário para mudar as coisas mas contribui para que as pessoas tomem consciência do poder que têm nessa luta”, declara à “Uncut” Jim McHugh, guitarrista dos novaiorquinos Sunwatchers (uma homenagem a "Sun Watcher", do álbum New Grass, de Albert Ayler, 1968), que, juntando as palavras aos actos, fazem reverter o produto da venda das suas gravações para diversas ONG e grupos de abolição e reforma do sistema prisional.


A capa de Illegal Moves, terceiro álbum da banda, procura deixar bem explícitas as intenções: assinada por Scott Lenhardt num estilo gráfico próximo do da “Mad Magazine”, é uma espécie de variação sarcástica sobre a de Sgt. Pepper's, onde uma multidão de figurões (de Nixon a Margaret Thatcher e ao palhaço Ronald McDonald, com os quatro elementos do grupo incluidos), assiste ao eufórico esquartejamento do Tio Sam pelo boneco da Kool-Aid. De facto, para um grupo que se apresenta como “o martelo que esmagará o capitalismo” mas cria apenas música instrumental, dir-se-ia que o apoio visual seria imprescindível. Nem tanto assim: reivindicando-se da herança do free-jazz (Archie Shepp, Ayler, Pharoah Sanders) e dos Coltrane, Alice e John, mas também de Beefheart, Zappa, do punk e do psicadelismo mais ácido, o programa – ideologicamente irmão dos Gnod de Just Say No To The Psycho Right-Wing Capitalist Fascist Industrial Death Machine (2017) – encara a mudança enquanto explosão simultânea de “sonic catharsis and revolution”. Na fornalha, em acesos combates de guitarra, sax, baixo e bateria, arde, então, o espectro dos Stooges mas também "Ptah, The El Daoud", de Alice Coltrane – algo como a banda sonora de um "western spaghetti" alimentado a "phin" tailandês e "saz" turco, em atmosfera "free-form" – ou o exotismo libertário dos East of Eden, combustíveis insurrreccionais de eleição.

03 April 2017

28 September 2013

24 December 2012

OITO (+ QUATRO) ACHAS PARA A FOGUEIRA (III)



Tom Waits - Swordfishtrombones

Em Tom Waits, existe, indiscutivelmente, um a.S. (antes de Swordfishtrombones) e um d.S. (depois de Swordfishtrombones). Se, na primeira fase, ele representava o papel de jovem herdeiro do legado "beatnik", eterno habitante das "small hours", com um copo de "bourbon" sempre pronto para dar de beber a um piano alcoólico, na segunda, à boleia dos blues, de Captain Beefheart, Harry Partch e Kurt Weill, partiu em demanda da América “surrural” e descobriu-a reflectida num espelho deformante (“Agora, o meu ponto mais forte é pegar numa coisa, combiná-la com outra com que não tenha nada a ver e conseguir que isso faça sentido. Digamos que procuro formas diversas de usar um guarda-chuva. A maior parte dos instrumentos são quadrados mas a música é sempre redonda e a verdade é que não gosto de linhas rectas”). Escancarando a nova era, estava o magnífico Swordfishtrombones.

17 July 2011

SÓ AGORA REPAREI NISTO...



... e fiquei aterrorizado quanto ao resultado da minha ADD!

(mas, para tentar safar-me, recomendo vivamente isto)

(2011)

22 February 2011

A GLORIOSA PÁTRIA


PJ Harvey - Let England Shake

Passava alguma coisa das nove da manhã do domingo 18 de Abril do ano passado, quando, no programa de Andrew Marr, da BBC One, PJ Harvey, dedilhando apenas uma autoharp mas utilizando como fundo o "loop" de um "sample" de "Istanbul (Not Constantinople)" (um êxito de 1953, dos Four Lads), cantou perante o ainda então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown (o entrevistado do dia), palavras que não o deverão ter deixado excessivamente confortável no sofá: “The West’s asleep, let England shake, weighted down with silent dead, I fear our blood won’t rise again, England’s dancing days are done, another day, Bobby, for you to come home and tell me indifference won”. Um mês depois, o Labour – e Brown com ele – sofria a mais pesada derrota eleitoral desde 1931.



Não se tratou, seguramente, de praga que PJ Harvey lhe tivesse lançado mas da consequência inevitável dos dez anos de hipocrisia política do “New Labour” que, em Junho de 2007, Tony Blair lhe depositara no colo. Até porque, durante aqueles embaraçosos minutos no interior do estúdio da BBC, Harvey nem sequer destilara o fel mais amargo que o álbum que agora publica acabaria por conter: Brown foi poupado, por exemplo, a "The Glorious Land" (onde, sob um clarim militar de alvorada, se escuta “what is the glorious fruit of our land? Its fruit is orphaned children”), também a "England" (o enlace arrepiante de uma voz búlgara com um desespero folk que entoa “I live and die through England, it leaves sadness, it leaves a taste, a bitter one”), e, de um modo geral, livrou-se dos quarenta e tal minutos de Let England Shake, um aterrador cenário de devastação e morte – “death was in the staring sun, fixing its eyes on everyone” – que, se, aparentemente, toma como pretexto diversos episódios da absurda carnificina da Primeira Guerra Mundial, na verdade, fala tanto deles como da Inglaterra e do mundo contemporâneos.


Real. Seamus Murphy

Polly Jean (em entrevista à “Pitchfork”) confirma-o e explica como, neste segundo capítulo da inflexão iniciada com o anterior White Chalk (2007) que a conduziu de um universo herdeiro do punk e dos blues via-Beefheart e Patti Smith (com referências a Flannery O’Connor e Salinger interpoladas) até aos lívidos fantasmas da Olde England, se deixou submergir pelos Desastres da Guerra, de Goya, os quadros de Dali acerca da Guerra Civil espanhola, Paths Of Glory e Barry Lyndon, de Kubrick, poesia e ensaios políticos de Harold Pinter, música dos Pogues, Velvets, Doors e diversas tradições populares do mundo e, colocando-se na situação de “song correspondent from the front-line”, se decidiu erguer esta desmedida imprecação sobre a “gloriosa pátria” (“How is our glorious country ploughed? Not by iron ploughs, our land is ploughed by tanks and feet marching”), a fétida Albion (“Let me walk through the stinking alleys, to the music of drunken beatings”), a obscenamente imperial Britannia (“people throwing dinars at the belly-dancers, in a sad circus, beside a trench of burning oil”). Em registo folk contra-pastoral (Mick Harvey e John Parish avinagrando o tempero), com sarcásticos implantes de reggae ("Blood And Fire", de Niney the Observer) e dos "Summertime Blues", de Eddie Cochran, imprevisível e tremenda Guernica resultante da colisão de London Calling com "A Hard Rain’s A Gonna Fall" numa tela remendada.

(2011)

17 January 2011

ARQUIPÉLAGO DE EMOÇÕES



Anna Calvi - Anna Calvi

Poderia duvidar-se da pureza das intenções do Príapo, Brian Eno – justamente famoso, enquanto jovem, pelas suas lendárias e confessadas maratonas sexuais de 36 horas "non-stop" –, quando, publicamente, declarou ser o surgimento de Anna Calvi o acontecimento musical “mais importante desde Patti Smith” e, posteriormente, lhe enviou uma carta em que afirmava que a música dela era repleta “de inteligência, romance e paixão... que mais podemos exigir da arte?”. Embora, hoje, um respeitável cavalheiro Lib-Dem de 63 anos, teríamos de compreender o turbilhão hormonal do insigne teorizador-pop perante a encandeadora visão da diminuta ítalo-britânica de lábios escarlate, olhos de lobo, salto alto e flamejantes "chemises" vermelhas ou de renda negra, brandindo uma Telecaster. De igual modo, os louvores sobre ela derramados por Nick Cave pareceriam, eventualmente, suspeitos ao darmo-nos conta de que, por mais de uma vez, Calvi foi associada a PJ Harvey (e escolheu até como produtor Rob Ellis), e, em particular, se nos recordarmos da preferência de Cave pelos pequenos formatos do tipo-Kylie Minogue.



Mas, não descartando a indiscutível importância desses factores de avaliação, todas as reticências se extinguem instantaneamente no momento em que começamos a escutar o álbum de estreia de Anna Calvi e somos, literalmente, fulminados por aquela voz algures entre o gótico-Siouxsie Sioux, o épico-Grace Slick e o operático-Alison Goldfrapp (a do primeiro Felt Mountain). E, sim, sem dúvida, os espectros de Patti Smith (o galope vertiginoso de "Desire") e de Polly Jean ("I’ll Be Your Man" em registo To Bring You My Love) pairam. Ela própria insiste em referir Maria Callas, Nina Simone, Scott Walker, Edith Piaf e David Bowie e, do ponto de vista da composição e da execução na guitarra, um eclético leque que começa a abrir-se em Robert Johnson, Captain Beefheart e Jimi Hendrix e alcança Dr. John, Ravel, Debussy e Messiaen.



Inicialmente identificada pelos radares que captavam sinais da cena "nu-folk" londrina (colaborou com Johnny Flynn e gente dos Mumford & Sons), na verdade, embora ainda razoavelmente distante, o parentesco mais legítimo será com as também moças-de-conservatório, Shara Worden/My Brightest Diamond e St. Vincent, por via de alguma dimensão orquestral que, aqui e ali, Anna Calvi cultiva. Porque, em todo o resto que importa, esta música, arquipélago de emoções intensas encenadas em amplo espaço aberto – essencialmente, ela, na guitarra e voz, Mally Harpaz, em múltiplas percussões e harmonium, e Daniel Maiden-Wood, bateria –, incorpora muito do que se poderia imaginar ser uma variação de Morricone sobre o flamenco (tal como o delta do Mississippi o viu nascer), escrita para um argumento de Robert Rodriguez, com cenografia de David Lynch e realizado por Wong Kar Wei. Sim, exactamente isso: o cálculo de reagentes, catalisadores, inibidores e velocidades de reacção foi rigorosamente calibrado e, naquilo que Calvi descreve como “mini-filmes que nos conduzem para outro lugar e nos comovem, quer isso signifique fazer-nos pensar em sexo ou sentir vontade de chorar”, geram-se assombrosos unicórnios sonoros, relâmpagos de guitarra arrepiantemente carnais e árias empolgadas para oratórios interpretados em fundo de cetim vermelho-bordel. Brian e Nick, como foi possível termos duvidado de vós?...

(2011)

29 December 2010

CAÍDOS NO CHÃO DA SALA DE MONTAGEM (II)
(durante o Verão)










The Drums - Album

O Verão é, oficialmente, uma estação, do ponto de vista musical, pouco exigente. Qualquer coisinha que desempenhe, a contento, o papel de gin-tónico sonoro e, se possível, traga acoplado um sistema de ar condicionado, cumpre, instantaneamente, os mínimos exigíveis para ser considerada música-de-Verão. The Drums estão nessa categoria: cópia de cópias dos Cure, New Order, Orange Juice e afins mas... fresquinha.











Jónsi - Go

Com os restantes Sigur Rós em sabática, Jónsi Birgisson – o cantor de timbre quase-castrato – inventa a banda sonora para uma espécie de Disneylândia imaginária. E apercebemo-nos de que a felicidade jorra como leite e mel porque Jónsi se converteu à língua da fada Sininho. Mas, caso tivéssemos dúvidas, as portentosas cavalgadas orquestrais de Nico Muhly arredá-las-iam de vez. O mundo é bom e belo e os anjos cantam.











Vários - Theme Time Radio Hour With Your Host Bob Dylan (Season 2)

A enorme riqueza das “Theme Time Radio Hours” que, entre Maio de 2006 e Abril de 2009, Bob Dylan manteve na Sirius XM Rádio, residia tanto na selecção musical como nos textos, apartes e entrevistas que Dylan incluía como separadores. Aqui, recolhem-se “apenas” 50 faixas da segunda temporada: de Captain Beefheart a Loretta Lynn, não falta quase nada. Só o humor e a sabedoria made in Zimmerman.











The White Stripes - Under Great White Northern Lights (DVD, real. Emmett Malloy)

Um pouco à maneira do que os Sigur Rós haviam realizado também em 2007 e registado no DVD Heima, os White Stripes, em digressão por palcos menos comuns (autocarros, barcos, lares de terceira idade, escolas e salões de bowling) de remotas cidades do Canadá, levantam – mas não demasiado – as cortinas sobre os bastidores e deixam-nos espreitar, em simultâneo, para alguns fragmentos dos concertos.











Los Campesinos! - Romance Is Boring

À terceira investida, Los Campesinos! (Cardiff, UK) inventam um módico de equilíbrio entre uma estética-"over the top" (cordas, sopros, guitarras frenéticas e histeria coral) e sólida filosofia pop traduzida em tiradas como “there’s future in the fucking, but there is no fucking future”, “I love the look of lust between your thighs” ou a memorável “All’s well that ends, I suppose”.

(2010)

18 December 2010

VINTAGE (XVIII)

Captain Beefheart: entrevista telefónica no "American Bandstand"



(2010)

27 February 2010

ESQUARTEJAR A POP

















Matthew Fiedberger - Winter Women/Holy Ghost Language School

Inicialmente publicados em 2006 e, agora, reeditados, Winter Women e Holy Ghost Language School constituem a demonstração final de que, ao lado da irmã, Eleanor – nos Fiery Furnaces –, ou sozinho, em roda livre, Matthew Friedberger mantém a zona criativa do seu cérebro permanentemente sintonizada para aquele trilho temporal em que, com audível felicidade, os Beatles esquartejavam o idioma pop em catastroficamente gloriosas fatias que, logo a seguir, reconfiguravam e baptizavam como “I Am The Walrus”, “Strawberry Fields Forever”, “Revolution nº 9” ou “Baby You’re A Rich Man”. O mesmo nicho estético no qual, em anos vizinhos, Kevin Ayers elevava o dandyismo lisérgico a forma de arte superior e Robert Wyatt, do mais profundo Rockbottom, assegurava que a Ruth era muito mais estranha que o Richard. Em formato de (extensa) colecção de canções soltas (Winter Women), ou agregadas conceptualmente enquanto rock-opera de recorte algo mais jazzy e virtualmente concebida por um Robert Moog raptado por Captain Beefheart para os anéis de Saturno (Holy Ghost), este é o tipo de matéria sonora com prazo de validade potencialmente ilimitado.

(2010)