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05 September 2017

MATÉRIA NEGRA (II


Vale a pena voltar a Randy Newman, agora que o seu 11º álbum em meio século (Dark Matter) acaba de ser publicado. Porque, por diversos motivos, o percurso que iniciou em 1968 é uma absoluta singularidade. Sobrinho de Emil Newman (director musical em cerca de 200 filmes), Alfred Newman (arranjador e director musical de Gershwin, Richard Rodgers, Irving Berlin, e, aos 20 anos, da 20th Century Fox – para a qual escreveu a fanfarra ainda hoje presente na abertura de todos os filmes da companhia –, responsável por mais de 200 bandas sonoras, nomeado para 45 Óscares e vencedor de 9), e Lionel Newman (director musical da 20th Century Fox, após a morte de Alfred, compositor em mais de 300 filmes, proposto para 11 Óscares dos quais receberia um por Hello Dolly), como, há pouco, recordou, “cresceu com a orquestra da Fox nos ouvidos”. Não foi, contudo, por aí que, inicialmente, enveredou: só em 1981, após algumas fugazes experiências anteriores, se dedicaria verdadeiramente â film music, compondo para Ragtime, de Milos Forman, ponto de partida para mais de duas dezenas de OST – nomeadamente, 7 da Disney/Pixar – que o fizeram conquistar 2 Óscares em 20 nomeações, a somar a 5 Grammies e várias outras distinções. 



Porque, bem antes, era já – ainda que isso só raramente o torne um dos primeiros nomes na ponta da língua – um dos "songwriters" com uma mais ácida e devastadora visão da nação americana. Uns quantos exemplos bastarão: se, em "Political Science" (de Sail Away, 1972), dava voz a um tipo de criatura que, desgraçadamente, voltámos a conhecer bem (“We give them money but are they grateful? No, they're spiteful and they're hateful, they don't respect us, so let's surprise them, we'll drop the big one and pulverize them”), "Rednecks" (Good Old Boys, 1974) oferecia o primeiro plano à peçonha racista (“We're rednecks, and we don't know our ass from a hole in the ground, we're rednecks, and we're keeping the niggers down”) e "It’s Money That I Love" (Born Again, 1979) exibia a ética subjacente (“They say that's money can't buy love in this world but it'll get you a half-pound of cocaine and a sixteen-year-old girl”). A lista poderia ser interminável mas aquela que lhe faria perder o último voto da “Nation Under God” seria, seguramente, "God's Song (That's Why I Love Mankind)", também de Sail Away: “I burn down your cities, how blind you must be, I take from you your children and you say how blessed are we, you all must be crazy to put your faith in me, that's why I love mankind, you really need me”. Matéria nada Disney, convenhamos.

25 September 2008

O FIM DO IMPÉRIO



Randy Newman - Harps & Angels

No princípio, era o tio Alfred: 45 nomeações para o Oscar de melhor banda sonora (segundo mais nomeado de sempre) e 9 troféus da Academia no currículo. Havia também o tio Lionel, director musical de todos os filmes de Marilyn Monroe para a Fox, 11 nomeações e um Oscar para Hello Dolly. Embora de menor fulgor, não esqueçamos o tio Emil, diligente trabalhador musical em mais de 200 filmes e programas de televisão e uma nomeação para Oscar. Descendo na árvore genealógica, refiram-se os primos Thomas Montgomery Newman (8 nomeações) e David Newman (uma nomeação) e o sobrinho Joey (música para cinema, televisão e videojogos). Não será ainda uma dinastia como a dos Bach mas a família Newman para lá caminha. Pelo que não é de admirar que, com tal linhagem, Randy Newman, para além de um indiscutível clássico da canção popular norte-americana (e, claro, da “film music”: 15 nomeações e um Oscar), seja, acima de tudo, um classicista. Parcimonioso na publicação da obra – 10 álbuns de originais em 40 anos de carreira –, decantador dos licores das mais nobres castas (do vaudeville ao jazz de New Orleans, da pop-Tin Pan Alley a Weill ou Cole Porter), desde Bad Love (1999) que não lhe púnhamos os ouvidos em cima (descontando The Randy Newman Songbook Vol. 1, de 2003, regravação de temas anteriormente editados).



Harps & Angels – pouco mais de 35 minutos e dez novas canções – é, porém, prova mais do que suficiente de que ainda há-de vir longe o tempo em que Randy Newman despirá aquela sua pele de “songwriter” que abriga no mesmo corpo o avô rabujento, o filósofo da escola de pensamento “yellow cab” e o requintado estilista musical. No caso, com as garras particularmente afiadas e o sarcasmo a ferver: “A Few Words In Defence Of Our Country” começa por declarar que “the leaders we have, while they’re the worst that we’ve had, are hardly the worst this poor world has seen” estabelecendo, então a cruel comparação com Calígula, Hitler, Estaline e a Santíssima Inquisição e concluindo com a profecia “the end of an empire is messy at best, and this empire is ending like all the rest, like the Spanish Armada adrift on the sea, we’re adrift in the land of the brave and the home of the free”; “Korean Parents” apela à importação de pais/educadores coreanos para meter os indisciplinados fedelhos americanos na ordem; “A Piece Of The Pie” fustiga o desgoverno social (“living in the richest country in the world, wouldn’t you think you’d have a better life?”) e dispara alfinetadas na direcção da "santidade" de Bono e Jackson Browne, e, com essas e as restantes (acompanhado por notabilidades como Mitchell Froom, Greg Cohen ou Pete Thomas), coloca-nos nas mãos mais outro precioso “songbook”.

(2008)