AGITADORES
No extenso e desvairado menu da esfera conspiranóica, um dos pratos actualmente com mais saída é o do “marxismo cultural”, herdeiro legítimo do “bolchevismo cultural” nazi. Simplificando bastante porque não é de digestão fácil, algures numa obscura caverna, uma seita de temíveis radicais apostados em virar o mundo do avesso, trabalharia dia e noite para manter em frenética actividade os seus agentes espalhados pelo planeta (e, em especial, pelos media, universidades, artes, letras, ciências sociais), soldadinhos da subversão do Ocidente branco e cristão e da militância por causas com as quais, na maioria, Marx nunca sequer sonhou: políticas de género, ambientalismo, imigração, secularismo, questões identitárias. Não basta ser direitolas para combater nas fileiras dos anti-marxistas culturais, é indispensável acreditar que, desta vez, “o espectro” anda mesmo por aí e que, sem darmos por isso, vai devorar-nos as entranhas.
"New Left Review #2" (álbum integral aqui)
Por, em 1985, terem chegado cedo de mais – o papão do “marxismo cultural” só foi detectado no início dos anos 90 – ou por tenderem para um marxismo mais "old school", os McCarthy de Malcolm Eden, Tim Gane, John Williamson e Gary Baker (Lætitia Sadier juntar-se-lhes-ia fugazmente antes de, com Gane, fundar os Stereolab) nunca caíram no index da nova Inquisição mas, na qualidade de agitadores infiltrados na cultura pop, houve muito poucos como eles. Adepto do distanciamento brechtiano, Eden (a locomotiva ideológica da banda), ao modelo punk de agit-prop irada, preferia as interrogações educadamente irónicas (“Who made the wealth in this pleasant land? The entrepreneurs made it with their only free hand. Why do prices rise? Who's to blame for that? The workers put up prices with their pay demands”) envoltas no doce crochet de guitarras de raiz Byrds/Smiths. The Enraged Will Inherit The Earth (1989) – segundo volume antes do terceiro e final Banking, Violence And The Inner Life Today (1990) –, agora reeditado em duplo vinil com as proverbiais raridades, não há-de escapar outra vez às patrulhas de vigilância.