31 August 2023
24 July 2022
22 July 2022
(sequência daqui) Combat Rock iria ser o último álbum dos Clash (não contando com Cut The Crap, de 1985, extertor final que, dos Clash originais, apenas reteria Joe Strummer). Inicialmente pensado como um duplo intitulado Rat Patrol From Fort Bragg, nos estúdios Electric Lady de Nova Iorque acabaria por se afastar do plano original de um regresso ao rock’n’roll primordial e incluir diversas colagens sonoras, uma secção de "spoken word" pelo poeta beat Allen Ginsberg em “Ghetto Defendant” (“Starved in metropolis, hooked on necropolis, addict of metropolis, the worm on the acropolis, slam dance the cosmopolis, enlighten the populace (...) Guatemala, Honduras, Poland, 100 years war, TV re-run, invasion, death squad, Salvador, Afghanistan, meditation, old Chinese flu, kick junk, what else can a poor worker do?”) e outra pelo street artist Futura 2000 em “Overpowered by Funk” (“Car crashed, food for the hungry millions? Funk out! Home for the floating people? Funk out! Over-drunk on power, Funk out! The final game will be solitaire, over-drunk on power, funk out”). Mas, sobretudo, "Should I Stay Or Should I Go", "Rock The Casbah" (uma parábola acerca da proibição da música nos regimes islâmicos fundamentalistas) e "Straight To Hell" que Simon Reynolds descreveria como "around-the-world-at-war-in-five-verses guided tour of hell-zones where boy-soldiers had languished”. Jim Jarmusch, em declarações à “Uncut”, preferir-lhes-ia a faixa de abertura, "Know Your Rights": “É um dos meus momentos favoritos em toda a história do rock’n’roll. Joe Strummer é um autor muito inteligente: trata-se, na verdade, de um alerta disfarçado de proclamação. E fá-lo com aquela tonalidade vocal dele, vigorosa e insolente, carregada de indignação. Por estes dias, 1982 parece-nos um ponto muito longínquo no tempo. Mas esta canção, em 2022, ressoa ainda mais poderosamente com todo o autoritarismo que se vai expandindo sobre o globo como as sombras no pôr do sol. Vivam os Clash!” (segue para aqui)
26 October 2021
19 July 2021
23 May 2021
01 July 2020
Agora mesmo, a propósito da publicação de Rough And Rowdy Ways – sucessor, a oito anos de distância, de Tempest –, em entrevista ao “New York Times”, sobre "I Contain Multitudes" (a mui whitmaniana canção que abre o álbum), diz: “Não foi preciso muito esforço. É o tipo de coisa em que empilhamos versos 'stream of consciousness', esquecemo-los, e, depois, regressamos a eles. Nessa, em particular, os últimos versos foram os primeiros. Era por esse caminho que a canção desejava seguir. O catalisador foi, obviamente, o título. É uma daquelas que se escreve por instinto. Numa espécie de estado de transe... ou melhor, num autêntico estado de transe. A maioria das minhas canções recentes é assim. Os textos são verdadeiros, tangíveis, não são metáforas. As canções sabem o que querem, escrevem-se sozinhas e contam comigo para as cantar. Cada uma é como um quadro, é impossível apreendê-lo na totalidade se o olharmos perto de mais. Os pormenores individuais são apenas partes do todo”.
Em sintonia arrepiantemente exacta com um tempo de peste, insurreição urbana e desmantelamento de mitos e estátuas, inesperadamente, à meia-noite de 27 de Março, Dylan publicava o épico "Murder Most Foul", uma História da América com epicentro no assassinato de Jack Kennedy, sob a forma de um “jukebox” alucinado, espécie de arquivo vivo alojado no cérebro de 79 anos de um supremo mestre do "remix" enquanto desfile prodigiosamente emaranhado de memórias, lendas, ameaças, conspirações e escombros. Dias depois de Donald Trump ter criminosamente sugerido a administração de injecções de desinfectante como tratamento para a Covid-19, surgia "False Prophet" (“I ain't no false prophet, no, I'm nobody's bride, can't remember when I was born, and I forgot when I died”), um blues musculado de terra nas unhas que não esconde a ascendência em "If Lovin’ Is Believin’’, de Billy "The Kid" Emerson. Na capa, um esqueleto de cartola brandindo uma seringa. Não é a única homenagem enviezada: o título do disco dobra o joelho perante "My Rough and Rowdy Ways", do santo padroeiro da “country”, Jimmie Rodgers; "Goodbye Jimmy Reed" (“You won't amount to much, the people all said, ‘cause I didn’t play guitar behind my head, never pandered, never acted proud, never took off my shoes, throw 'em in the crowd, goodbye Jimmy Reed, goodbye, goodnight, put a jewel in your crown and I put out the lights”) presta tributo ao bluesman do Mississippi que abriu os ouvidos de Elvis Presley e Keith Richards; e, por todo o resto do álbum – com a vigorosa guitarra "old school" de Charlie Sexton ao comando de um combo de acordeão, bateria, baixo, violino e harmónica –, Dylan vai ampliando um panteão tão privado como colectivo (Martin Luther King, Gregory Corso, Ginsberg, Kerouac, Leon Russell, Liberace, S. João apóstolo, Al Pacino, Marlon Brando, Dante, Hendrix, Louis Armstrong, Harry Truman, Homero, Ricky Nelson, Janis Joplin…).
Bob Dylan sabe reconhecer os seus. Na tarde escura e tempestuosa de 23 de Julho de 2009 em que se preparava para dar um concerto em New Jersey, resolveu sair do hotel e dar uma volta pela Ocean Avenue e ruas adjacentes. Quando a jovem agente da polícia Kristie Buble, tomando-o por um sem-abrigo, lhe pediu a identificação, não a tinha, e dizer-lhe que se chamava Bob Dylan e ia dar um concerto nada significou para ela. A custo, conseguiu convencê-la a transportá-lo até ao hotel onde o "tour manager", de olhos arregalados, viu um Dylan encharcado sair de uma carrinha da polícia mas rapidamente resolveu o problema. Poucos chegaram a conhecer, na altura, o motivo da escapadela: procurava a casa onde Bruce Springsteen tinha escrito "Born To Run".
27 November 2019
Em Dezembro de 1959, Leonard Cohen viaja para Londres, onde se predispõe a escrever a sua “obra-prima”. Mas Beauty At Close Quarters apenas, em 1963, será publicado como The Favourite Game após, por determinação do editor, Jack McClellan, ter sido podado em metade da sua extensão original (“Qualquer pessoa com um bom ouvido perceberá que destruí orquestras inteiras para encontrar uma única linha melódica”, dirá mais tarde). Compra uma máquina de escrever Olivetti verde, e, na Burberry’s, de Regent Street, uma (futuramente famosa) gabardina azul. “Estar em Londres, naquele tempo, foi uma revelação. Era uma outra cultura, uma espécie de terra de ninguém entre a Segunda Guerra Mundial e os Beatles”. (Philip Larkin, doze anos mais velho, em "Annus Mirabilis", de 1967, confirmá-lo-ia: “Sexual intercourse began in nineteen sixty-three (which was rather late for me), between the end of the ‘Chatterley’ ban and the Beatles' first LP”). Um conhecido – Jacob Rothschild, futuro 4º barão de Rothschild – fala-lhe de uma ilha grega, Hidra, que abrigava uma comunidade de expatriados, artistas, boémios e escritores vindos de todo o lado.
10 September 2019
25 June 2019
12 March 2019
Em The Flame – recolha de poemas e fragmentos inéditos iniciada por ele e finalizada, postumamente, pelo filho, Adam, e por Robert Faggen e Alexandra Pleshoyano – se há algo de que não pode ser acusado é de falta de autenticidade: ele que se colocava no polo oposto do “first thought, best thought”, de Allen Ginsberg (“My first thoughts are dull, are prejudiced, are poisonous. I find last thought, best thought”), ele o “lazy bastard living in a suit“ capaz de demorar décadas a concluir uma canção, expõe integralmente as suas capelas imperfeitas: esboços (“I feel ridiculous/ In my grey suit/And my pomaded hair/All groomed for love/While the vermin/Swarm between my thighs”), “first thoughts” (“I think, therefore, I am/Right up there with/Mary had a little lamb”), apontamentos (“Tom Waits singing (…) I can hear him, his music begin, it is so beautiful and original and sophisticated – so much better than mine”). E um último desejo: “I am trying to finish/My shabby career/With a little truth/In the now and here”. (sequência daqui)
06 December 2018
Um outro olhar sobre o passado é também o que Paul Simon propõe com In The Blue Light: revisitar 10 canções daquela zona de sombra do seu reportório que designa por “almost right or overlooked”. Isto é, as que, embora nunca tendo constado da lista de pedidos dos fãs nem haverem trepado pelas tabelas de vendas, nada devem às que habitualmente se classificam como “greatest hits”, embora tivessem a ganhar com algo semelhante a “uma nova demão de tinta nas paredes de uma velha casa de família”. De facto, com metade dos temas oriundos de Hearts And Bones (1983) e You’re The One (2000) – dois dos mais injustamente mal amados álbuns de Simon – e os restantes colhidos nos recantos pouco iluminados de There Goes Rhymin' Simon (1973), Still Crazy After All These Years, One-Trick Pony (1980), The Rhythm of the Saints (1990) e So Beautiful or So What (2011), trata-se menos de um gesto de humildade de quem, aos 77 anos, promete não voltar a pisar os palcos do que de uma reafirmação da excepcionalidade antes não reconhecida.