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13 May 2021

(álbum integral) 
 
(sequência daqui) The Moon And Stars: Prescriptions For Dreamers é, então, o ponto mais que perfeito para o qual tudo o que o antecedia converge e se magnifica. Entregues aos arranjos de Lester Snell (joalheiro de Isaac Hayes, Al Green e Solomon Burke) e de Tony Visconti (co-piloto de David Bowie que, como Leonard Cohen, Sharon Jones e John Lennon, figura no panteão privado de Valerie June), socorrendo-se das iluminações de Sun Ra, Fela Kuti e Carla Thomas – “Queen of Memphis Soul” e a “fada madrinha do álbum” que também nele participa recitando um provérbio africano e acompanhando Valerie em "Call Me A Fool" –, é um fulgurante e colorido manifesto de música gloriosamente livre (“Não devemos ter de lutar para sermos aquilo que somos. Devemos brilhar, devemos ser irradiantes. Devemos encarnar todos os multi-géneros que, naturalmente, somos sem sentir a necessidade de o explicar”) e que somente obedece a uma única lei: “As canções são os meus professores, são elas que ditam como devo fazer. Não tenho de pensar muito quando escrevo uma canção. Elas vêm ter comigo e eu canto aquilo que oiço. Por vezes, é a voz de um velho, outras vezes, de uma mulher ou de uma criança. Eu só tenho de as ouvir e reproduzir o que me dizem. Agarrar em algo que não pode fisicamente ver-se e apanhá-lo do ar”.

26 February 2010

BARALHAR OS DADOS, S.F.F.



Num dos dias em que a intempérie que ficou conhecida como Snowgeddon se abatia sobre a Costa Leste dos EUA, marquei um número de telefone de Nova Iorque, para conversar com Matt Friedberger, dos Fiery Furnaces. Exactamente na altura em que, notoriamente atrapalhado, ele, em regime de absoluta urgência, fazia os esforços necessários para encontrar quem fosse capaz de resolver uma das piores coisas que, então, poderiam ter acontecido: uma janela partida. Naturalmente, a entrevista, seria combinada para a tarde seguinte e, aí, já sob condições de temperatura e pressão mais favoráveis, foi possível esclarecer o método criativo de uma banda que, no limite, pretende deixar de ser imprescindível.

O processo de escrita das canções – fragmentárias, quase "stream of consciousness" – dos Fiery Furnaces, obedece a algum conjunto de regras particulares?
Na realidade, acaba por ser a combinação de uma série de processos diferentes. Umas vezes, existe um texto acabado para o qual, a música é concebida. Outras, a música tanto pode interferir com a organização do texto como acontecer o contrário. Ou as coisas podem surgir de momentos de improvisação e de escrita quase automática, de sequências de acordes ou de melodias dispersas, de um tópico que nos prendeu a atenção, que anotamos, e que, depois, a partir daí, vai ter a outro lugar completamente diferente. Quando estamos a moldar tudo isso sob a forma de uma canção, temos de ser extremamente críticos.



Sempre tive a ideia de que poderia ser algo de semelhante à técnica (e à estética) de montagem cinematográfica...
É verdade, no fundo, é o mesmo processo: podemos ter grandes planos, planos médios, planos de conjunto e de corte, abordar uma música sob diferentes ângulos. E isso acontece muito (em especial, no live, Remember) antes de chegarmos à fase das misturas. Não tanto naquela acepção da escultura sonora, descendente contemporânea da musica concreta, mas, de facto, mais como montagem cinematográfica.

De qualquer modo, os dois últimos discos, Widow City e I’m Going Away, abdicaram um pouco dessa lógica de puzzle...
Quisemos gravar discos que fossem uma contrapartida em relação à complexidade do live. Isso talvez, não seja evidente mas foi a nossa intenção. Pretendemos que fossem bastante directos e simples. Mas que, ao mesmo tempo, quem conhece a banda, se pudesse aperceber de como aquelas canções poderiam ter sido muito mais elaboradas. Aliás, eu nem sei bem o que é a estrutura tradicional da cancão-rock. No White Album, dos Beatles, por exemplo, há, por um lado, canções como "Cry Baby Cry" e, pelo outro, "Happiness Is A Warm Gun". Não é absolutamente necessário que as canções tenham múltiplas secções, a estrutura pode ser menos complexa.



Para chegar aí, no início, partiu de que modelos?
Quando comecei a compor, tentei imitar os Kinks, as canções mais simples dos Who, e canções soul dos anos 70, do Al Green. E não consegui!... Aos dezoito ou dezanove anos, tinha uma tal confiança que quis imitar o primeiro álbum a solo do Syd Barrett, The Madcap Laughs. Foi por aí que aprendi a escrever e a ser mais analítico e mais musical em relação a todo esse processo. Especialmente porque, sendo esse disco tão extraordinário do ponto de vista dos arranjos, fui obrigado a prestar atenção a todos os pormenores. Mas também The Fall, não pude deixar de reparar na escrita dos textos deles – por essa altura, Bob Dylan já legitimava tudo -, e a estrutura das canções do James Brown nas gravações ao vivo no Apollo, as medleys, as longuíssimas jams assentes em dois acordes... foi aí que aprendi que a transição entre as diversas partes das canções tem de ser, pelo menos, tão interessante como o refrão.



Como irá realmente ser o anunciado “silent non-record record”?
Vai ser uma caixa que conterá um livro de cerca de 200 páginas de canções com muito diversos tipos de notações: notação convencional para ensemble ou piano; outra, para quem toque apenas um pouquinho de piano ou de guitarra; outra ainda, destinada a quem esteja bastante à vontade com um instrumento... haverá bastantes instruções acerca da criação de situações musicais para quem não tocar nada de todo, mas que lhe apeteça juntar-se com amigos que se desembaracem minimamente com um instrumento, ao ponto de serem capazes de tocar as canções e, imitando-as, partirem daí para criar as suas próprias. A ideia surgiu do facto de, actualmente, devido à partilha de ficheiros, já ninguém comprar discos. Mas, mais importante do que isso, é a intenção de possibilitar aquelas pessoas que não têm o tempo ou a confiança suficientes para subir a um palco, ensaiar durante semanas a fio e transportar o equipamento para os concertos, uma oportunidade para também estarem envolvidas. Não incluirá nenhum apoio em áudio. Em determinado momento, poderá surgir um site na Internet onde se apresentarão as diferentes versões dos vários intérpretes.

Claro que irão aparecer coisas completamente diferentes das vossas propostas...
Mas é exactamente isso que nós desejamos que aconteça! Encorajamos as pessoas a não seguirem nenhum modelo, especialmente aquelas que não lêem absolutamente nada de música, a usar o livro como uma ferramenta que as estimule a tocar e a improvisar. Organizaremos, depois, uma série de espectáculos onde elas poderão mostrar os resultados a que chegaram. O livro incluirá também uma pequena sinfonia clássica mas completamente modular, desagregada, nas diversas melodias, linhas de baixo, que, cada grupo poderá reconstituir como entender. Nós participaremos de alguns dos concertos que deverão ter lugar no Outono. Nos EUA e na Europa, onde temos a esperança de, por o inglês, na maioria dos países, não ser a primeira língua, tornar as instruções e os textos das canções – particularmente se usarem os tradutores automáticos da Internet – um pouco mais abstractos e baralhar criativamente ainda mais os dados. É um projecto sem fim: idealmente, o livro deixará de ser necessário, não será imprescindível que nós estejamos presentes e o que, no termo, resultar já não terá nada a ver com o início!

(Fiery Furnaces, hoje, Santiago Alquimista, Lisboa)

(2010)

09 November 2008

ACADEMIA DE POLÍCIA



Claro que interessa conhecer os motivos, as curvas e as contracurvas que conduziram uma aluna de violino da classe – na universidade de Boston – de um discípulo de David Oistrakh, a transformar-se em instrumentista e “songwriter” pop. Mas francamente mais intrigantes eram as razões para que Joan Wasser tivesse optado pelo “nom de plume” de Joan As Police Woman. Visivelmente esgotada por um carrossel de voos e entrevistas mas nem por isso com menos vontade de conversar, a ex-companheira de Jeff Buckley conta uma história que diz bastante acerca de si e do seu sentido de humor: “A meio dos anos 70, havia uma série policial de televisão, com a Angie Dickinson, chamada Police Woman. Passava-se em S. Francisco e ela desempenhava o papel de uma agente da polícia infiltrada. Creio que foi a primeira série do género a ter uma mulher como protagonista. Só a conheci quando passou em repetição mas cresci a ver séries policiais. Era muito 'cool'... também havia a Charlie’s Angels mas essa era demasiado 'fofinha', esta era mais como o Kojak. Quando comecei os espectáculos a solo com o meu nome verdadeiro, as pessoas supunham que iriam assistir a um concerto de violino, não sabiam que eu escrevia canções. Tive de inventar um nome para mim. Num dia em que tinha vestido qualquer coisa muito anos 70, um amigo disse-me ‘Joan, incorporaste o espírito da Angie, no Police Woman?E foi assim que me tornei Joan As Police Woman”.



O outro lado da biografia, então. Das aulas de piano, desde os seis anos, até aos dois álbuns a solo (Real Life, 2006, e To Survive, 2008), passando pelo percurso como violinista ao lado de Lou Reed, Sparklehorse, Tanya Donelly, Mary Timony, Antony e Rufus Wainwright: “Estudei violino clássico na universidade mas, ao mesmo tempo, comecei a tocar em todas as situações que ia descobrindo. Adoro a música clássica mas era, para mim, evidente que não iria fazer dela a minha vida. Queria tocar música nova e interessava-me mais tocar as peças que os professores da minha escola compunham. Quantas vezes será ainda possível tocar o concerto para violino de Brahms melhor do que já o foi? Eu não era uma criança prodígio, nunca seria capaz de o fazer”. O primeiro ensaio de autonomia estética foram bandas como os Lotus Eaters e Hot Trix mas, principalmente, os Dambuilders: “Gravei vários discos com eles e toquei por todo o lado. Não me passava pela cabeça escrever canções, o que me preocupava era descobrir uma forma de integrar o violino num contexto pop sem que soasse a falso”.



Alto! O que significa realmente isso de “integrar o violino num contexto pop sem soar a falso”? Será o retorno à escola de pensamento John Cale? “Isso mesmo. Procuro encaixar-me entre a guitarra e o baixo e tocar muito mais ritmicamente do que melodicamente. E também uso muito os pedais de distorção, delay, fuzz... No meu primeiro álbum, em “Christobel”, muita gente me veio dizer que adorava o solo de guitarra… na verdade, era o meu violino. Comecei por tocar um violino de cinco cordas que incluía o dó grave da viola de arco, gosto dos registos graves. Uma das piores formas de fazer sobressair o violino é abusar dos agudos”. Antes de prosseguir com a narrativa autobiográfica – e Joan recita-a, ordenada e cronologicamente arrumada, numa impecável “timeline” –, parece oportuno perguntar-lhe se sente alguma particular afinidade com outras recentes “songwriters” e instrumentistas de formação académica desviadas para a pop, como Shara Worden (My Brightest Diamond) ou Regina Spektor: “Conheço a Shara e falei uma vez com a Regina mas, a ela, não a conheço bem. No fundo, todas estudámos música e desejamos criar algo de nosso. Os conhecimentos que temos de harmonia permitem-nos ir além daquilo que é mais habitual no idioma da pop que, em grande medida, descende dos blues. Estamos bastante habituadas a lidar com 'clusters' de acordes, com alguma complexidade harmónica. Que diabo!...ter tocado Mahler aos catorze anos há-de, inevitavelmente, ter produzido algum efeito”.



Etapa seguinte. Ponto final nos Dambuilders e a difícil transição do papel de violinista para o de compositora e cantora: “Quando a banda acabou, isso despertou-me a vontade de explorar outras vias e comecei a tocar guitarra o que, naturalmente, me estimulou a cantar, precisava de ouvir melodias. Em palco, sentia-me muito confortável com o violino mas, sempre que tinha de cantar, ficava paralisada de terror! Não estava segura da minha voz, tinha medo de a usar. Mas a minha personalidade sempre me empurrou para me atirar àquelas coisas que me assustam, desde que me aperceba que posso aprender algo com isso. Escrevi, então, as primeiras canções e pus de pé uma banda, Black Beetle – os músicos que tocavam com o Jeff Buckley – em que, tanto o Michael Tighe, o guitarrista, como eu, estávamos a aprender a escrever canções. Gravámos um disco mas nunca o publicámos. Por volta de 2000, comecei a dar concertos a solo para me obrigar a ir mais longe vocalmente, sem a bengala de uma banda. Tinha tocado com imensos músicos espantosos e poderia continuar a fazê-lo durante o resto da vida mas a decisão de pôr a minha música em primeiro lugar estava tomada”. Dois álbuns, dois EP e meia dúzia de singles mais tarde, apetece saber quais os modelos e referências (se os há... mas há sempre, mesmo quando, voluntária ou involuntariamente, ocultos) que Joan Wasser, da academia para os palcos pop, sente que poderão ter sido lançados para o caldeirão da sua escrita.



Não hesita um segundo: “No que respeita à comunicação das emoções, adoro a Nina Simone. Cantou imensas canções que não eram dela mas, de cada vez que cantava, sentia-se que ela estava toda naquele momento e era impossível não partilharmos das suas emoções. E continuo a sonhar ser capaz de escrever uma canção como as do Neil Young. Mas também gosto muito do David Bowie e da Joni Mitchell... é uma lista interminável. De momento, não tenho ouvido mais nada senão Al Green. Há tempos, também tive uma recaída de Stevie Wonder: de cada vez que o ouvimos, descobrimos coisas novas, aquele universo continua vivo!”. Mas há ainda outro universo que continua vivo. E que regressa, radiante, à superfície sempre que lhe dão uma oportunidade para isso. Como aconteceu, no programa de música clássica, “Visionaries”, da BBC World News (segundo Joan, ainda não emitido), que a convidou para derramar louvores sobre o compositor russo Shostakovich: “Sempre falei muito acerca dele em entrevistas, é uma música que me emociona imenso. É muito programática, como acontece na música para cinema. Tem um carácter muito destemido: por vezes, é brutal, outras, soturna, e noutras ainda, alegre e vibrante. Também gosto muito de Sibelius, Bartók, Ravel, Britten, Stravinsky... iria ser outra lista sem fim. Todos os grandes são sempre verdadeiramente grandes!”.

(2008)

26 May 2008

FIM DE CAPÍTULO
(repescado a partir daqui)



Tindersticks - Donkeys 92-97

Stuart Staples fala como se tivesse pavor de que uma só das palavras que pronuncia pudesse deixar uma impressão errada. A voz sai-lhe segredada, quase inaudível, repete as ideias, gagueja, sorri embaraçado com algumas das perguntas mas, mesmo assim, lá consegue explicar as razões por que os Tindersticks se decidiram a editar Donkeys, uma compilação que recolhe todos os seus singles e raridades avulsas até aqui dispersas. E, depois, anuncia que o grupo se prepara para grandes mudanças ao mesmo tempo que conta como realizou a fantasia de cantar com Isabella Rosselini e não consegue encontrar outra razão para o título do álbum a não ser que "it just felt right".

Por que motivo decidiram publicar agora esta compilação de lados B e raridades que não é exactamente aquilo a que nos habituámos a chamar um "Best Of"?
Suponho que porque, para nós, ele funciona como o encerramento de um capítulo. Resume todo um ciclo de canções, garantindo, ao mesmo tempo, que nada daquilo que fomos publicando fique indisponível.

Se isto encerra um ciclo de canções, como irá ser o seguinte?
Ainda não sabemos bem, estamos a trabalhar para o proximo disco. Penso que vai ser muito diferente dos anteriores embora também não me espante que, depois, as pessoas não identifiquem muito bem essas diferenças. Mas estamos a descobrir uma nova forma de escrever as canções com uma ênfase muito mais nítida na totalidade do grupo e na contribuição das ideias de cada elemento.



Por que motivo esta compilação se intitula Donkeys?
Só porque sentimos que ficava bem (risos). Há qualquer coisa nessa palavra que casa perfeitamente com o espírito das canções. Não houve nenhuma outra razão muito especial.

Ouvindo o disco, houve uma coisa que me chamou a atenção e em que antes nunca tinha verdadeiramente reparado: a apurada sensibilidade pop dos Tindersticks na forma como, a partir de um desenho de guitarra, de um "leitmotiv" de cordas ou da forma como cada canção cresce da estrofe para o refrão, se define o essencial...
Mas nós sempre nos encarámos realmente como uma banda pop. Quando escrevemos uma canção, partimos de uma ideia inicial e procuramos conduzi-la até à sua conclusão natural. Embora isso não queira dizer que tenhamos uma fórmula secreta que nos indique exactamente como havemos de fazer as coisas.

A partir de certa altura, enveredaram por uma via de pop orquestral. Do vosso ponto de vista, isso constituiu um desenvolvimento inevitável?
Foi uma consequência muito natural do facto do Dickon fazer parte do grupo e de ele tocar violino. A utilização de uma orquestra acabou por ser também uma forma de evitar que, para gravar as partes de cordas, ele tivesse de tocar trinta vezes a harmonia de cada canção. Parece-me, por outro lado, que essa via já deu os frutos que tinha a dar e é altura de mudarmos de rumo.

Vai ser essa, então, uma das mudanças?
A mudança irá ser mais profunda. Não é uma questão de nos vermos livres disto ou daquilo em particular. Trata-se verdadeiramente de descobrir o que funciona realmente bem quando nós os seis tocamos em conjunto e ser capaz de transpôr isso que é, de facto, especial para um disco. O que, até aqui, creio que ainda não conseguimos. Esse é o objectivo mais importante.



De qualquer modo, os Tindersticks, como os Divine Comedy ou os Walkabouts integram-se numa corrente de pop orquestral que está a crescer...
No caso deles, deve ter sido porque todos ouviram os nossos discos!... (risos) Claro que é muito simples decidir que se deseja escrever pop orquestral e contratar um arranjador. Como sabe, nós não funcionamos dessa forma. Connosco esse impulso veio de dentro.

Independentemente disso, no seu caso, como cantor, tem consciência de se estar a referir a uma antiga tradição de "crooners"?
A verdade é que os cantores que eu admiro não vêm dessa tradição. É certo que, há cerca de dois anos, estávamos obcecados com a ideia de escrever a canção definitiva de Jimmy Webb. Mas levámos isso até onde era possível e, agora, já não vale a pena continuar por aí.

Lembro-me de ter lido que, em determinado momento, contactaram Juan Garcia Esquivel, o papa do "easy listening" mexicano para escrever para vocês...
Isso foi há cerca de três anos. Foi uma daquelas coisas que nos passou pela cabeça. Admirávamos a música dele (se quiser, foi, mais uma vez, esse filão da música orquestral) e lembrámo-nos de lhe falar. Mas é como lhe digo, agora, há que seguir por outro caminho.

Como é que surgiu a ideia para o seu dueto com Isabella Rosselini em "Marriage Made In Heaven"? Pensou nela desde o primeiro momento?
Essa é uma das nossas primeiras canções. Originalmente, cantei-a com a Nikki, das Huggy Bear, e editámos pouco mais de mil exemplares. Gravámo-la e misturámo-la num único dia mas era uma daquelas canções a que estávamos sempre a voltar. Quando decidimos regravá-la tínhamos um certo desejo instintivo em relação à possibilidade de o fazermos com a Isabella. Imaginámos como ela seria e fomos atrás dessa ideia para confirmar se tínhamos razão. E, de facto, encontrá-la e estar com ela confirmou as nossas fantasias.

Ela revelou-se uma cantora natural?
Não. Mas os cantores naturais também não têm assim tanto interesse, pois não? Ela é uma actriz e o que faz nesta canção é representar.



Se relacionarmos esse seu dueto com a outra versão de "No More Affairs" cantada em francês, vamos ter quase directamente a Serge Gainsbourg e Jane Birkin...
Espero bem que sim...(risos) Essa versão em francês tem a ver com a ideia de sempre me ter fascinado a expressão das emoções através da fonética de uma língua que não compreendo.

Na ultima linha do "press release" para este disco, é referido que os Tindersticks são vestidos por Timothy Everest, um alfaiate de cavalheiros londrino. Isso é assim uma coisa tão importante para vocês?
Houve uma altura em que foi. Vestíamos uma roupa que mais ninguém usava. Tal como acontecia com as nossas canções.

Para terminar, posso-lhe pedir o seu "top ten" de discos privado?
Sempre que me perguntam isso, faz-se-me uma branca no pensamento. Mas acabo sempre por falar de gente como Tim Hardin, Velvet Underground, Big Star, Al Green, Townes Van Zandt...

Na primeira vez que conversámos, disse-me que passou a juventude a ouvir os discos de Neil Diamond da sua mãe...
Isso é uma velha tradição de família... Pelo Natal, ou são esses ou os do Perry Como...



(1998)