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24 December 2024

MÚSICA 2024 - INTERNACIONAL (IV) 

(iniciando-se, de baixo para cima *, de um total de 27)

  
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 The Unthanks - In Winter
 
 

 
 
* a ordem é razoavelmente arbitrária 

20 February 2024

"Bad Idea" (daqui; ver também aqui)
 
(sequência daqui) Se o belíssimo anterior (Shades, 2019) podia definir-se como uma sequência de litanias “for the lovers, for the killers, for the liars”, este, com a determinante co-produção de Kenneth Pattengale, alarga horizontes e, bebendo tanto da atmosfera da Sinfonia do Novo Mundo, de Dvořák (aquela que Neil Armstrong fez viajar até à Lua, em 1969) como do "surruralismo" sonoro de Tom Waits, espraia-se por amplíssimas paisagens de "western", cenário e, ao mesmo tempo, matéria-prima mental. Ela explica: "Vejo este álbum como uma topografia da memória. Como se a desdobrássemos e os momentos que a constituem se erguessem em relevo. Uma colecção de histórias cerzidas por uma linha de sonhos que permite a convergência de espaços diferentes numa única vastidão dificilmente reconhecível. Os espaços em que vivemos atribuem-nos uma forma. E a memória redesenha tudo outra vez".

18 February 2024

TOPOGRAFIA DA MEMÓRIA 

O Colt Single Action Army é um famoso revólver concebido, em 1872, pela Colt's Patent Firearms Manufacturing Company para o governo dos EUA e que viria a ser adoptado pelo exército norte-americano entre 1873 e 1892 bem como por rancheiros, agentes da lei e fora da lei notórios. Tinha como alcunha "Peacemaker" em virtude do modo como, numa situação de confronto violento, possuia os argumentos necessários para o fazer cessar de imediato. "Foi a arma que 'domesticou' o Oeste americano. A derradeira ironia residia não apenas no facto de ser um símbolo da paz alcançada através da violência mas também uma bonita palavra que embrulhava algo horrível", diz Vera Sola a propósito da inspiração para o título - Peacemaker - do seu segundo álbum. E acrescenta: "Tem uma ressonância temática com a essência do disco tal como um significado pessoal em relação â minha linhagem familiar de velhos pistoleiros do Oeste. Agarra realmente a complexidade da música. Essa complexidade é importante para mim. Esse gesto de encarar as sombras e ser capaz de as reintegrar". (daqui; segue para aqui)

"The Line" (ver também aqui)

11 June 2019

O ESTADO DA NAÇÃO


Quando, um mês antes das últimas eleições presidenciais norte-americanas, Dave Eggers e Jordan Kurland lançaram o site “30 Days 30 Songs”, o objectivo (como o próprio nome indicava) era apenas, na recta final da campanha, criar um espaço onde, organizadamente, a comunidade musical pudesse dar o empurrãozinho que faltava no sentido de uma “Trump-free America”. Sabemos hoje demasiado bem que os disparos de Aimee Mann, Andrew Bird, R.E.M., Franz Ferdinand, Matt Berninger, Lila Downs, Adia Victoria, Mirah, Ani Di Franco, Bob Mould e vários outros não bastaram para impedir o desastre. Não foi necessário recorrer a poderes sobrenaturais para, logo no balanço de 2016, ter escrito “Talvez não seja motivo para, nos EUA, voltar a cantar-se já, já, ‘Strange Fruit’”, mas, no momento em que o mundo se dava conta de que “um candidato apoiado pelo Ku Klux Klan e pronto a partilhar o saque com um tirânico ex-director do KGB chegara à presidência dos EUA”, tudo fazia “adivinhar o renascimento de uma contracultura de protesto”. Inevitavelmente, durante os dois anos e meio seguintes, à medida que as piores previsões se iam concretizando, sob os mais diversos ângulos, de Fiona Apple a Hurray For The Riff Raff, Gnod, Lee Bains, Randy Newman, Sleaford Mods, Marc Ribot, Poliça, David Byrne, Stick In The Wheel, Anal Trump, Goat Girl, Sunwatchers, Vampire Weekend, Vera Sola, The National, Laurie Anderson, Gruff Rhys, Parquet Courts ou Richard Thompson, a resistência foi-se avolumando. Se “30 Days 30 Songs”, entretanto ampliado para “1000 Days 1000 Songs”, encravou na canção 172 – "My Country ‘Tis of Thy People You’re Dying", de Buffy Sainte-Marie – vale a pena recordar que foi aí que, através de "Despierta" (“Your time is over, your power’s peaked, adiós, senador, I have come to get the keys”), nos apercebemos da existência dos Filthy Friends, a coligação "indie" de Peter Buck (R.E.M.) e Corin Tucker (Sleater-Kinney) que, no Outono de 2017, publicaria o óptimo Invitation.


A atmosfera era, já nessa altura, previsivelmente inquieta mas, acerca do novo Emerald Valley, apenas pode dizer-se que é um discurso sobre o estado da nação em forma de – não se trata de outra coisa – colecção de canções beligerantemente de protesto. “Transformou-se numa espécie de manifesto. Não acredito que tenhamos deixado as coisas chegar a este ponto. Não é fácil compreender aquilo por que estamos a passar. Haverá alguma forma de olharmos para trás sem nos sentirmos envergonhados?” disse Tucker à “Nylon”, acrescentando: “São muito bizarras todas estas personagens que parecem saídas de livros de BD mas que são, afinal, pessoas reais”. Primeiro boneco, então, o vil e facilmente reconhecível "November Man", “Long skinny tie and hair of gold, you made the deal, our future sold (…) you sip White Russians, or a Moscow Mule, the ice in your glass tastes of power to you, but Winter comes to everyone, will yours be bitter, will yours be cold?” a quem, qual PJ Harvey em fúria sobre tornado eléctrico, dirige a dedicatória envenenada: “We don’t have no words, we don’t have no song, we don’t have no music, we don’t have no love, for November Man”. Panfletário e de garras afiadas, sim, mas também rock vibrante e enérgico, Emerald Valley é o lugar onde se apela à insubordinação (“Enough, enough, the people must speak up!”), se denuncia a miserável separação das famílias de imigrantes (“They are torn apart by fools from the arms of mothers, fathers, by some devil making rules") e, de uma ponta a outra, se toma a palavra na “partilha da tristeza, da raiva e do desespero”.

08 February 2019

26 January 2019