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06 August 2019

ACORDAR DE NOVO


A 17 de Fevereiro de 1978, os Clash publicaram o quarto single, "Clash City Rockers", no lado B do qual se encontrava "Jail Guitar Doors", uma canção que aludia à prisão de Wayne Kramer, dos MC5 (“Let me tell you 'bout Wayne and his deals of cocaine, a little more every day, holding for a friend till the band do well, then the D.E.A. locked him away”), três anos antes. Foi dela que Billy Bragg se recordou quando, em 2007, buscando uma ideia significativa para comemorar o quinto aniversário da morte de Joe Strummer, soube da iniciativa de uma cadeia de Dorset onde se ensaiava a reabilitação dos presos através de aulas de guitarra. Não apenas ofereceu, de imediato, diversos instrumentos como alargou também o âmbito do projecto – a que chamaria “Jail Guitar Doors” – a mais de 20 prisões e, em 2009, associou-se a... Wayne Kramer para a criação da “Jail Guitar Doors USA”. Integrada nesse programa, na California Institution for Women e na Lynwood Jail (ambas em Los Angeles), durante os últimos dois anos, apresentou-se como voluntária para orientar aulas de "songwriting", a também professora de Inglês para filhos de imigrantes, Eleni Mandell. 

Embora com atraso, já a havíamos captado no radar há 12 anos, quando publicou Miracle of Five, o sexto álbum. Apadrinhada por Chuck E. Weiss – e pela corte de Tom Waits, em geral –, tão devota de Bukowski quanto de Gershwin, Cole Porter e Rogers & Hammerstein ou dos lendários punk angelenos, X, Mandell era ainda uma revelação que se enquadrava bem nessa atmosfera de família. É, por isso, algo indesculpável que só cinco álbuns mais tarde, com o actual Wake Up Again, tenhamos voltado a reparar nela. Mas compense-se a falha anunciando que este conjunto de 11 canções inspiradas pelas sessões de trabalho com as reclusas das duas penitenciárias femininas – advogadas, enfermeiras, donas de casa, professoras e traficantes de droga – é, sem dúvida, do mais precioso que essa particular linhagem do cancioneiro norte-americano já acolheu. Acompanhada por Ryan Feves (baixo), Kevin Fitzgerald (bateria) e pelo magnificamente waitsiano Milo Jones (guitarra), nestes instantâneos de perplexidade (“It wasn’t me who did those things, it was my circumstance”), claustrofobia (“She’s a box in a box, she’s underneath the floor, she’s a curtain that went down, she’s shut behind the door”) e desesperada esperança (“If I had the chance would I, could I wake up again?”), quase diríamos escutar Aimee Mann interpretada por Rickie Lee Jones.

18 July 2017

ASSALTO TOTAL 


A 23 de Julho de 1967, a “Motor City” explodiu. Quatro anos antes, os 125 000 manifestantes da Walk To Freedom March haviam desfilado pacificamente pela Woodward Avenue, na qual Martin Luther King ensaiaria o discurso “I Have a Dream” que, semanas depois, iria proferir em Washington D.C.. Mas, quando, às primeiras horas daquele domingo de Julho de há 50 anos, a polícia realizou um brutal raide a um clube na esquina da 12th Street – hoje, o Rosa Parks Boulevard – onde se celebrava o regresso do Vietname de dois GI negros, durante cinco dias, Detroit entrou em estado de guerra. Balanço final: 43 mortos, 1 189 feridos, 7 200 detenções, e mais de 2 000 edifícios destruídos. Vindo de Flint, John Sinclair tinha chegado a Detroit em 1964. Na universidade, lera os evangelhos segundo Ginsberg, Ferlinghetti, Corso e Kerouac, salmodiara ao som de Coltrane e descobrira o santíssimo sacramento da cannabis sativa.



Não tardou muito até que Sinclair (que, entretanto, escrevia para revistas de jazz, publicara três livros de poesia - This is Our Music, Fire Music: A Record e Meditations: A Suite for John Coltrane - e conhecera Ginsberg e Ed Sanders, dos Fugs), com vários outros "agents provocateurs" locais, tivesse criado a Artists’ Workshop dedicada à insubmissão perante a “square culture” dominante. Inalando profundamente o ar do tempo, a Workshop daria origem à comuna Trans-Love Energies que tanto acolheria os MC5 (brigada de agitadores sonoros "garage-proto-punk" mas amantes de Albert Ayler, Archie Shepp, Sun Ra e Coltrane) como, em 1968, serviria de incubadora para o White Panther Party. Fundado, segundo a lenda, por instigação do Black Panther, Huey P. Newton, o programa mínimo era esclarecedor: "a total assault on the culture by any means necessary, including rock and roll, dope, and fucking in the streets". Irmãos de armas (ainda mais) pedrados dos Yippies de Jerry Rubin, Abbie Hoffman e Phil Ochs, iria ser por aí mesmo que o FBI lançaria o ataque, prendendo Sinclair, apanhado na posse de dois cigarros “aromáticos”, pelo que, em 1969, seria condenado a dez anos de prisão. Libertado em 1971, após uma incansável campanha a que John Lennon se associaria, Sinclair, na sequência da desintegração dos White Panthers, gravaria quase três dezenas de álbuns de "spoken-word". Beatnik Youth Ambient (produzido por Martin Glover/Youth) é o último e belíssimo estojo para a voz de "grizzly" de John Sinclair, sobre fundo de jazz e electrónica mutantes, invocar a memória dos seus heróis literários e musicais.

Edit: Escutar o reverendo Jack Van Impe pregando contra o rock & roll e a contracultura, em 1969, referindo-se aos MC5, John Sinclair e ao White Panther Party (sugerido na caixa de comentários)

14 July 2017

11 August 2014

O SONHO TINHA ACABADO


Quase meio século de distância pode distorcer um pouco as memórias. Mas, por mais que Graham Nash garanta que os Crosby, Stills, Nash & Young e as canções que compunham fossem produto de preocupações humanistas e não declaradamente políticas – como se umas e outras pudessem ser dissociadas –, a verdade é que, nessa época (final de anos 60/início de 70 do século passado), tudo era eminentemente político: as drogas, o estilo de vida, a alimentação, o sexo, as artes, até o próprio corte de cabelo como David Crosby deixaria claríssimo em "Almost Cut My Hair": “Almost cut my hair, it happened just the other day, it was gettin' kinda long, I could have said it was in my way, but I didn't and I wonder why, I feel like letting my freak flag fly, yes I feel like I owe it to someone”. A “freak flag” tanto podia residir no comprimento capilar como na deriva terrorista dos Weathermen – inspirados por Dylan, em "Subterranean Homesick Blues": “You don’t need a weatherman to know which way the wind blows” –, no anarco-marxismo-tendência-Groucho dos yippies do Youth International Party (fundado, entre outros, por Jerry Rubin e Abbie Hoffman, em torno dele gravitariam Allen Ginsberg, Phil Ochs e os MC5) que, para as eleições presidenciais de 1969, nomeariam o porco Pigasus, no afro-nacionalismo dos Black Panthers, ou no novo paganismo lisérgico da League For Spiritual Discovery, de Timothy Leary.

O candidato Pigasus

Em 1974, porém, vivia-se já a ressaca das grandes comunhões cósmicas e dos devaneios comunitários – Lennon decretara que “the dream is over”, o punk estava a dois anos de distância e os CSNY, porta-bandeiras do activismo da aristocracia hippie de Laurel Canyon, quatro anos após a separação, apenas acediam a meter as birras no bolso e a reunir-se para uma digressão de 31 concertos, essencialmente (garante Stephen Stills, “não é bem assim”, suaviza Nash), “for the money”. David Crosby chamou-lhe “Doom Tour”, o manager Chris O’Dell qualificou-a como “a mais disfuncional reunião de egos na história do rock’n’roll” mas, pelo que se escuta nos três CD e no DVD de CSNY 1974, citando Graham Nash, eram ainda “uma bela banda”. Depois da última data em Wembley, Crosby voltou para a Califórnia, Stills viajou para França e Young e Nash meteram-se num Rolls Royce de 1934 apontado para o deserto do Sahara. Não passaram da Bélgica.

09 July 2014

ONZE HORAS

  
25 de Dezembro é, sem dúvida, uma data importante. É nesse dia que se comemora o nascimento de Isaac Newton (1642), Humphrey Bogart (1899) e – caso ainda não se tivesse reparado –, informam-nos as cinco melhores páginas do número de Agosto da “Uncut”, também Shane MacGowan (1957). Não é o único nem sequer o mais importante dado que se pode retirar da entrevista do ex-Pogue com Nick Hasted que se iniciou à meia noite, no pub Boogaloo, do Norte de Londres, e terminou por volta das 11 da manhã seguinte quando MacGowan concluiu a sua dissertação acerca de "life, the universe & everything" e colapsou sobre um sofá. Sim, porque o tipo que, em 1989, confessava “Nunca escrevo quando estou sóbrio, nem saberia por onde começar. A razão por que continuo a beber é que detesto ressacas. Sou um exemplo lixado, muito mau mesmo. Mas também diria que os nossos fãs não precisam de maus exemplos. São perfeitamente capazes, por si mesmos, de serem verdadeiras bestas degeneradas, Deus os abençoe...”, agora, ameaça frequentar um ginásio, distribui generosamente conselhos sobre “beber responsavelmente”, pratica remo e (por muito que as circunstâncias da entrevista o contradigam), asseguram os actuais companheiros de The Aftermath com quem gravará ou não um novo álbum, “em estúdio, é só chazinho”

Shane MacGowan, Sharon Shannon - "Rainy Night in Soho"

A restante dieta parece reunir um sortido rico de MC5, The Chieftains, Roxy Music, Nick Cave, Sex Pistols, Beatles, Van Morrison, o tenor irlandês Frank Patterson e filmes de Scorsese, Leone e Woody Allen. Mas o que, verdadeiramente, sobressai do longuíssimo périplo pelo passado de um fulano que recebeu a sua primeira garrafa de whiskey aos 6 anos, cuja mãe, pela mesma altura, o fazia ler Thomas Hardy, Dickens e Edna O’Brien e o pai lhe metia James Joyce nas mãos, ele que, hoje, jura por Brendan Behan, Yeats e Seamus Heaney e que, com a tia Nora, rezava fervorosas novenas “to get the Brits out”, é o meio alívio/meio remorso por, durante o Verão-punk de 1976 (“Os Sex Pistols surgiram, o IRA fazia explodir tudo o que mexia, era um mundo maravilhoso: drogas, sexo e violência!”), terem sido os Pogues a contribuir para que ele não se tivesse convertido em guerrilheiro nacionalista irlandês: “Sempre me senti culpado por não ter arriscado a vida pela Irlanda. Tenho vergonha de nunca ter tido coragem suficiente para me juntar ao IRA. Os Pogues foram a minha forma de ultrapassar essa culpa”.

04 March 2013

HÉROUVILLE, 1971
(sequência daqui)


José Mário Branco conheceu José Afonso numa noite de 1969, em Paris. Um, emigrado político, cantava numa colectividade dos subúrbios, o outro, recém-chegado de Portugal, actuava no auditório do Foyer International des Étudiantes, no número 93, do Boulevard Saint Michel. Mas Branco não ousou desperdiçar a oportunidade de se encontrar com aquele que era já o nome maior da música popular portuguesa e uma das figuras da oposição ao Estado Novo. Contudo, embora, a partir daí, Afonso tenha passado a actuar como mensageiro entre José Mário e a editora Sassetti, através da qual Mudam-se Os Tempos, Mudam-se As Vontades acabaria por ser publicado, só dois anos mais tarde a colaboração musical entre ambos se estabeleceria: José Mário Branco produziria Cantigas do Maio que, entre 11 de Outubro e 4 de Novembro de 1971, seria gravado nos Strawberry Studios do Chateau d’Hérouville, a 30 quilómetros de Paris, lugar com "pedigree": castelo do século XVIII, construído pelo arquitecto da escola de Roma, Gaudot, na proximidade dos campos onde Van Gogh pintou algumas das suas últimas obras, tinha sido comprado pelo compositor Michel Magne que o convertera em estúdio. Viria a ser utilizado pelos Pink Floyd, Grateful Dead, Gong, Jethro Tull, MC5, David Bowie e Iggy Pop e, nesse ano, por José Afonso que, ali, registaria um dos discos-chave da música portuguesa.


"Grândola Vila Morena" seria a quinta faixa do álbum. Quando Zeca apresentou a José Mário Branco, como costumava dizer, “uma coisa que inventei”, este sugeriu-lhe realizar não exactamente um arranjo mas antes uma encenação sonora, um exercício de estilo sobre o canto alentejano. Uma vez que a melodia se assemelhava a uma toada do Alto Alentejo (menos pesadas na letra e na música do que as do Baixo Alentejo), ela seria concretizada desse modo, para o que seria necessário trabalhar a letra no sentido de lhe impor as inversões de versos que lhe são típicas. A estrutura coral característica com o alto, o ponto (ambos cantados por José Afonso) e o côro (Zeca, Zé Mário, Francisco Fanhais e Carlos Correia/Boris) a responder, estabeleceria a forma final. Foi também proposta de José Mário Branco a inclusão da sonoridade dos passos (gravados pelos quatro, sobre a gravilha, no local das antigas cavalariças), replicando o que tinha visto, enquanto jovem, em Peroguarda, quando os camponeses vinham da monda, pela estrada, abraçados, arrastando um pé e pousando, um tipo de cadência de cantar, andando. Pelo meio, "Grândola" perderia uma quadra ("Capital da cortesia, não se teme de oferecer, quem for a Grândola um dia, muita coisa há-de trazer"), ganharia outra ("À sombra de uma azinheira, que já não sabia a idade, jurei ter por companheira, Grândola, a tua vontade") mas, acima de tudo, adquiriria o estatuto de ícone sonoro de um momento irrepetível.

17 May 2012

A REGRA DE TRÊS SIMPLES 
(2ª parte da entrevista com Jack White publicada na "Blitz") 


Não estava propriamente à espera de que um diálogo de vinte e cinco minutos com um dos 20 melhores guitarristas de sempre do rock’n’roll, de acordo com o ranking de 2011, da “Rolling Stone” (mais precisamente, o 17º - “the hottest new thing on six strings by celebrating the oldest tricks in the book: distortion, feedback, plantation blues, the 1960s-Michigan riff terrorism of the Stooges and the MC5”), pelo caminho, se desviasse para uma espécie de debate em torno da influência da religião no processo político norte-americano e suas peculiaridades anexas, sob o eventual alto patrocínio de Richard Dawkins. Mas tudo começou quando, em naturalíssima sequência da alegada “obscenidade da religião”, me ocorreu perguntar a Jack White o que pensava acerca do despique actualmente em curso nas primárias do Partido Republicano, travado à volta da magna questão de aferir quem é mais fanática e irremediavelmente conservador e cristão?

“Os políticos, na América, utilizam a religião como a forma mais fácil para serem eleitos. As pessoas assustam-se, supõem que há quem se preocupe imenso com questões morais, mas, no fundo, é apenas o caminho mais curto que descobriram para chegar ao poder. Imagina que, se algum candidato se declarasse abertamente ateu, poderia, alguma vez, ser eleito presidente? Nunca na vida. Poderia ser mil vezes mais capaz e mais qualificado para o cargo que todos os outros mas nunca seria eleito”.

A resposta à interrogação seguinte – “posso perguntar-lhe em quem votou nas últimas presidenciais?” –, porém, foi ainda mais desconcertante:

“Em ninguém. Nunca votei para a presidência. Recuso-me a fazê-lo porque não acredito no sistema do colégio eleitoral que não respeita o voto popular. O presidente deveria ser eleito por voto directo: aquele que tivesse maior número de votos ganharia. Mas o que acontece é que é eleito pelo colégio eleitoral, uma relíquia repugnante que data do século XVIII e que permitiu, por exemplo, que George W. Bush fosse eleito sem ter alcançado a maioria dos votos. Ganhou através do colégio eleitoral e não pelo voto popular. É absolutamente ridículo, mas ninguém parece preocupar-se com isto”.

26 March 2011

VOZES AUTOBIOGRÁFICAS


















June Tabor - Ashore



















Marianne Faithfull - Horses And High Heels

Marianne Faithfull, com aquela naturalidade aristocrática que, nela, foi sempre uma segunda pele, aprecia falar dos piores episódios do seu passado soltando afirmações como “Não ser alcoólico nem consumir drogas, sem dúvida, ajuda muito”, embora confesse que, não sendo necessário viver de uma forma decadente, a decadência “é algo que ainda me atrai, continua viva em mim”. June Tabor, alma de outras geografias mentais, pelo seu lado, pareceu-lhe óbvio dedicar um álbum inteiro à história dos homens e do mar, ou seja (nas suas palavras), “aos naufrágios, emigração, canibalismo, interminável mau tempo e privações de todo o tipo”. Sobre Faithfull, disse a feminista dissidente, Camille Paglia, que Broken English (1979) era “uma das obras mais importantes alguma vez criadas por uma mulher” e Elvis Costello excomungou parcela considerável do universo afirmando “quem não gosta de escutar June Tabor, mais vale que deixe de ouvir música”. Mas, com quase um exacto ano de idade de diferença (June nasceu a 31 de Dezembro de 1947, Marianne em 29 de Dezembro de 1946), sem dúvida as duas mais impressionantes vozes femininas vivas da música popular britânica.



Vozes autobiográficas também. Se a de June Tabor espelha a do primeiro elemento da família que frequentou a universidade (Oxford, St Hugh’s College, Línguas Modernas e Medievais, essencialmente, francês medieval e do Renascimento, “nada depois de Voltaire!”, como ela sublinha), fugazmente, via-Françoise Hardy, sonhou com a pop, se entregou à folk ao lado de Maddy Prior, nas Silly Sisters, foi bibliotecária e episódica dona de um restaurante e, pelo meio, se ocupou a tornar-se “the most august voice in British folk”, a de Faithfull traz as marcas de uma herdeira da linhagem Erisso Von Sacher-Masoch, tragédia e "mal de vivre", cabaret, punk e alguma redenção, expelidas com veneno, paixão e ódio sobre uma incomparável discografia. É natural, pois, que as suas duas últimas obras não se afastem demasiado das coordenadas que já, bastamente, estabeleceram e, só por improvável acidente, elas não seriam, pelo menos, óptimas. Nem isso, contudo, nos prepararia para o torrencial assombro de Ashore, peça conceptual em que, de "street-ballads" a tradicionais franceses das Channel Islands, a uma releitura de "Shipbuilding" (de Costello) – que coloca a, até aqui, definitiva, de Robert Wyatt, em sentido – e, sobretudo, a aterradora "Across The Wide Ocean", de Les Barker (uma história de selvagem limpeza étnica nas Highlands escocesas), o denso nevoeiro da voz de June Tabor, paira, imperial, como uma bênção e maldição simultâneas.


Marianne Faithfull - "Prussian Blue"

Horses And High Heels, apenas um ou dois passos abaixo do anterior Easy Come, Easy Go (2008), é novo painel no cenário de abismos de Marianne Faithfull: uma vez mais, com Hal Willner aos comandos e participações cirúrgicas de Lou Reed, Wayne Kramer (MC5) e Dr. John, equilibra nove versões e quatro originais, envia um mínimo de cinco para o cânone (reparar, particularmente, em "That’s How Every Empire Falls", "Prussian Blue", "Goin’Back", "Horses and High Heels" e "The Old House") e, em tons de cinza e nicotina, afaga-lhe a acidez da voz.

(2011)

03 January 2011

2010 - MEIA IDADE


M.I.A. - "Born Free"

A 4 de Novembro passado, no “Guardian”, John Harris, num texto intitulado “Someone out there, please pick up a guitar and howl”, interrogava-se acerca dos motivos porque, após “dois anos de tumulto pós-crash” e na sequência dos violentos protestos de rua em reacção às medidas tomadas por David Cameron no Reino Unido, a cultura pop permanecia “descomprometida, carregada de ironia, essencialmente apolítica”. Mais especificamente, no caso da música, sublinhava que “actualmente, o espírito de dissidência, parece ter-se tornado demasiado um exclusivo de gerações anteriores que existe mais para ser saudado com reverência do que reinventado”. E – antes de, quase em desespero, terminar com o apelo às armas que serviria de título ao artigo – adiantava duas hipóteses explicativas: 1) a pop, na totalidade do seu espectro geracional e em todo o planeta, entrou definitivamente na meia-idade, encontrando-se, hoje, muito mais vocacionada para vender telemóveis do que para banda sonora de revoltas sociais; 2) porque ocorreria a alguém exprimir ideias de insurreição através da forma de arte preferida do capitalismo?



Não existirá melhor exemplo de como a pop, em boa medida, se transformou (também) em território consensual para amável troca de galhardetes políticos do que o episódio ocorrido a 8 de Dezembro, no parlamento britânico, por altura da votação dos cortes nas verbas para o ensino público, entre David Cameron e uma deputada da oposição trabalhista, quando esta lhe perguntou o que – sendo ele um confessado fã dos Smiths – pensava do facto de, via Twitter, tanto Johnny Marr como Morrissey o terem, simbolicamente, “proibido de gostar deles”. E acrescentou: “Se o primeiro-ministro sair vencedor do voto de quinta-feira, que música imagina que os estudantes estarão a ouvir naquele momento? ‘Miserable Lie’, ‘I Don’t Owe You Anything’ ou ‘Heaven knows I’m miserable now’?” Tranquila e sorridentemente, Cameron respondeu: “Acho que, se estiverem a pensar em mim, não vai ser ‘This Charming Man’. Mas, se eu estiver ao lado do Secretário de Estado, William Hague, provavelmente será ‘William, It Was Really Nothing’”.



Na verdade, se a pop nunca marchou, de armas na mão, sobre os Palácios de Inverno do mundo, não se descobre já, a cada esquina, um Phil Ochs ou uns MC5, e não será amanhã que um novo grupo de guerrilheiros urbanos alucinados como os Weathermen dos anos 70 se inspirará numa canção de um qualquer Dylan para iniciar as hostilidades. Casos como o de M.I.A. e do seu polémico vídeo “Born Free” (mas diz-se “polémico” e o impacto é, instantaneamente, amortecido...) são a excepção e não a regra. Laurie Anderson ainda ousa dizer “You thought there were things that had disappeared forever, things from the Middle Ages, beheadings and hangings and people in cages, and suddenly they’re alright, welcome to the American night”. Mas a pop tem mais com que se preocupar.

(2011)

12 July 2010

MC5 - "KICK OUT THE JAMS"



"According to Kramer, the MC5 of this period was politically influenced by the Marxism/Maoism of the Black Panther Party and Fred Hampton. Black Panther Party founder Huey P. Newton prompted John Sinclair to found the White Panthers, a militant leftist organization of white people working to assist the Black Panthers. Shortly after, Sinclair was arrested for possession of illegal narcotics.

Under the 'guidance' of John Sinclair (who dubbed his enterprise 'Trans-Love Energies' and refused to be categorized as a traditional manager), the MC5 were soon involved in left-wing politics: Sinclair was active with the White Panther Party and Fifth Estate"
. (aqui)

(2010)

28 January 2008

OLDIES BUT NOT SO GOLDIES
(I - uma série exumada a partir daqui)



At The Drive-In - Relationship Of Command




Godspeed You Black Emperor! - Levez Vos Skinny Fists Comme Antennas To Heaven




Sigur Rós - Agætis Byrjun

Três ultra-exemplificativas variantes de um certo reaccionarismo estético contemporâneo: o punk-rock-garage, o "wall of sound" de guitarras à maneira de Glenn Branca e Rhys Chatham e a revisitação 4AD fora de prazo. Que a avassaladora amnésia (em versão menos benevolente: apenas pura ignorância ou, ainda pior, complacência) actual se tem empenhado em transformar em "revelações" ou "next big things" não se sabe muito bem de quê.

Os At The Drive-In são tão só os Stooges e MC5 exumados e convertidos em guerrilheiros salvadores da alma perdida do rock "íntegro". E isto quer só dizer os mesmos três acordes de sempre (com aparição obrigatória do fantasma de Iggy Pop — mas, esse, não vendeu já a alma ao "showbiz"?!) em denúncia decibelicamente portentosa da "opressão" que dá sempre muito jeito estar ali mesmo à mão mas que já viu o suficiente para não se impressionar demasiado com "guerrilheiros" destes que, em última análise, se limitam a ser apenas um bom espectáculo-para-entreter-os-putos-mais-ou-menos-rebeldes.


GYBE!

Os Godspeed You Black Emperor! investem na dimensão esotérica-alternativa (na versão A Silver Mt. Zion são algo mais interessantes...) mas, se excluirmos os bruitismos e concretismos "schaefferianos" de "musique vérité" que, francamente, já deram há muito quase tudo o que tinham a dar (pelo menos, quando encarados desta forma tão literal), sobram só os épicos crescendos intermináveis de guitarras que, há duas décadas, Glenn Branca e Rhys Chatham sugaram com proveito até ao tutano e, em versão, pop/rock, os Sonic Youth desenvolveram.

E cheguemos aos únicos reaccionários verdadeiramente interessantes do lote: os islandeses Sigur Rós, colectivo de praticantes daquela metafísica sonora que, um dia, no início da década de 80, emergiu em Londres num edifício de Alma Road e assumiu o compromisso de se extinguir dez anos depois. Pois, nem a 4AD cumpriu o prometido nem os seus apóstolos, um pouco por todo o mundo, o fizeram por ela. Como estes islandeses que habitam um universo imaginário de secções de cordas flutuantes, dicionários inventados, litanias encantantórias, vozes angélicas, paráfrases mortalcoilianas, joy divisionismos avulsos e arrebatamentos de dissonância orquestral que se encontram no interior de um álbum esteticamente velho mas (é impossível não o admitir) assombrosamente bonito. (2000)