Showing posts with label Rob Young. Show all posts
Showing posts with label Rob Young. Show all posts

27 February 2021


(sequência daqui) "The Land of Cockayne is one of the oldest English utopias, even pre-dating Thomas More. For the feudal and downtrodden peasant class of the Middle Ages, troubadours singing of Cockayne offered a compensatory vision of unimaginable plenty without effort; where unending physical and gastronomical pleasure was on tap and no punishment was meted out for laziness. 'The Big Rock Candy Mountain', a song originally collected in the 1930s by John Lomax, updates Cockayne for the Great Depression's discontents. Fittingly, the song as recorded by Burl Ives in 1949, was one of the first singles in the new Americam 'folk guitar' idiom to hit the big time back in the Old Country. The hobo's paradise where 'there ain't no short-handed shovels, no axes, saws, or picks... where you sleep all day, where they hang the Turk that invented work' is a post-industrial iteration of utopia that sounded mighty fine to a grey, somber Britain licking its war wounds" (Rob Young - Electric Eden/Unearthing Britain's Visionary Music) (segue para aqui)

Harry McClintock - "Big Rock Candy Mountain" (de O Brother, Where Art Thou?, de Joel e Ethan Coen, 2000)

26 May 2020

O AZUL DISTANTE


Quando, no dia seguinte a ter estado presente numa reunião da Socialist League, William Guest acorda, descobre-se, inesperadamente, num mundo maravilhoso onde não existem propriedade privada, sistema monetário, tribunais, casamentos, prisões, nem autoridade, e toda a estrutura social assenta na propriedade comum dos meios de produção. Porém, tal estado de felicidade não se atingira através da industrialização e do progresso tecnológico que libertaria a humanidade do pesado fardo do trabalho mas pelo regresso a uma idílica sociedade agrária respeitadora da natureza, na qual toda a actividade deveria ser livre, criativa e fonte de prazer. Durante a sua deslumbrada viagem de barco pelas águas límpidas do Tamisa, vai descobrindo igualmente que a Hammersmith Bridge que sempre conhecera feita de aço fora substituida por outra, em pedra, mais bela que a Ponte Vecchio de Florença, o barqueiro que o conduz veste-se à maneira do século XIV, a fétida Manchester fora apagada do mapa, e, de um modo geral, tudo à sua volta se parecia com uma tela de Bruegel. 

Muito resumidamente, é este o enredo, situado em 2102, de News From Nowhere (1890), o romance de ficção política do escritor, socialista e figura central do movimento Arts & Crafts, William Morris, que, em Electric Eden, Rob Young cita, observando: “A mente britânica, até certo ponto, não parece ser capaz de imaginar o futuro senão sob a forma do passado”. Justamente aquilo que poderia dizer-se acerca de The Weight of the Sun, terceiro tomo do quarteto Modern Studies. O que, no caso, não é sequer depreciativo: essencialmente pastoral e bucólico, o álbum da banda de Emily Scott, Rob St. John, Joe Smillie e Pete Harvey (gente com pedigree do conservatório, ao rock, à folk, e à "sound art"), gerado entre o Lancashire e a Escócia, não fecha as portas ao presente mas, na sua equação de “classicismo e experimentalismo com uma canção pop no meio”, escutam-se distintamente ecos dos Fairport Convention (revistos pelos Stereolab), dos Velvet Undergound ("Sweet Jane" a viver numa eterna "Sunday Morning") ou do "chiaroscuro" dos Elysian Fields e Mazzy Star. Uma folk de câmara, outonal e suavemente psicadélica, impressionista e de harmonias tangenciais, a dar corpo às palavras de Rebecca Solnit que, em "The Blue Of Distance", evocam: “The world is blue at its edges and in its depths. This blue is the light that got lost”.

09 January 2020

Ecco la Primavera: Music from 14th Century Florence - Early Music Consort of London (dir. David Munrow)

"Like the whole antiquarian business, Early Music is a 20th century phenomenon. After two world wars, we're not very keen on looking into the future. We prefer to look back at what, superficially at any rate, look like brighter and simpler times. Of course, that's a vast illusion. We like to enjoy our early music in a world that has lavatories and central heating, don't we?" (David Munrow, numa entrevista à "Gramophone" de Maio de 1974, citado por Rob Young em Electric Eden)

12 November 2019



 
Morris On - "Old Woman, Shepherds' Hey and Trunkles"





UMA ESTRADA MUITO NEGRA

  
Se, no século XIX, a homeopatia e a psicanálise puderam passar por ciência, não haveria motivo nenhum para que o mesmo não acontecesse ao “folclore” – termo utilizado pela primeira vez em 1846, numa carta de um tal W. J. Thomas para a revista “Athenaeum” – que o britânico Lawrence Gomme, fundador da Folk-Lore Society, definiria enquanto “ciência que lida com a sobrevivência nos tempos modernos das crenças e costumes arcaicos”. A intenção com que essa sobrevivência seria estimulada é que obedeceria a convicções irremediavelmente políticas. No indispensável Electric Eden – Unearthing Britain’s Visionary Music (2011), Rob Young explica que onde compositores e folcloristas como Vaughan Williams e Cecil Sharp “viam a música de um povo (i.e., de uma nação, de uma raça), para outros, mais jovens, tratava-se da música do povo. (...) Empunhando uma foice e um martelo, o cantor e folclorista A. L. Lloyd pôs os pontos nos 'i' no seu monumental estudo sobre a folk song [Folk Song in England, 1967]: ‘A mãe do folclore é a pobreza’

 

Tudo isto não poderia estar mais ardentemente presente no avassalador The Livelong Day, dos irlandeses Lankum: na aflitiva miséria de "Hunting The Wren" – acerca das comunidades de prostitutas sem abrigo, alcoólicas, ex-presidiárias, vagabundas, desempregadas, que, escorraçadas das vilas e cidades durante as grandes fomes do século XIX, viviam, no campo, em “tocas” de tojo –, na igualmente humilhada "Katie Cruel" (aprendida de Karen Dalton), ou no enforcado de "The Young People". Mas – e é isso que torna os Lankum, ex-Lynched, num caso absolutamente singular – sem investir no registo da “canção de protesto” ou, na “topical song” da velha matriz folk. E, embora em tempos tenham declarado que “folk is more punk than punk”, também não é exactamente por aí que seguem. Socorrendo-se de uma imponente bateria instrumental (violino, viola de arco, contrabaixo, harpa, guitarra, banjo, piano, Hammond, Wurlitzer, mellotron, vibrafone, "uilleann pipes", "tin whistle", concertina, "bayan" e harmonium), do timbre imperial de Radie Peat (algures entre Nico e Norma Waterson), e das sobrenaturais polifonias a quatro vozes, a banda que venera Robert Wyatt, Neu!, Can, SunnO))) e manuseia os "drones" como tela de projecção, não apenas assegura a “sobrevivência nos tempos modernos das crenças e costumes arcaicos” mas, também, os trespassa com a denúncia da “estrada muito negra a que governantes e igreja católica nos conduziram nos últimos 100 anos”.