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20 October 2023

Bone Machine (álbum integral aqui)
 
(sequência daqui) Se, entre Closing Time (1973) e Blue Valentines (1978), ele se imaginava como a encarnação de uma personagem da ficção de Kerouac, Damon Runyon ou Raymond Chandler cambaleando por entre coreografias de jazz desmoronado ("Para a maioria dos músicos, há o 'onstage' e o 'backstage'. Eu cresci mais ou menos em público. Tinha vinte e dois anos quando gravei o primeiro disco. Ainda andava a tropeçar pelas escadas abaixo. Não fazia ideia do que estava a fazer mas sabia que iria ser músico. Há pessoas que aparecem logo completamente formadas, como um ovo. Comigo, não aconteceu assim. Fui juntando as peças pelo caminho. Uma 'persona' de palco é muito diferente daquilo que somos. De facto, uma 'persona' é algo que não acreditamos ser mas que tentamos desesperadamente convencer os outros que somos"), a partir daí, contando com Kathleen como insubstituível braço direito, tudo se transformaria: "Escrever canções com a minha mulher é assim: um segura no prego e o outro bate-lhe com o martelo. Colaboramos em tudo. Ela escreve mais inspirada por sonhos e eu pelo próprio mundo. Quando escrevemos, navegamos pelo meio da escuridão e não sabemos a direcção certa. Cinco minutos a mais e pode dar-se cabo de uma canção. Por isso, o tempo também participa do processo. Temos o nosso negociozinho familiar. Eu sou o prospector e ela cozinha. Eu trago o flamingo para casa e ela corta-lhe a cabeça. Eu meto-o na água e ela depena-o. Depois, ninguém lhe apetece comê-lo. Agora, o meu ponto mais forte é pegar numa coisa, combiná-la com outra com que não tenha nada a ver e conseguir que isso faça sentido. Digamos que procuro formas diversas de usar um guarda-chuva. A maior parte dos instrumentos são quadrados mas a música é sempre redonda e a verdade é que não gosto de linhas rectas". E, reforçando o louvor público, "Eu sou a Ingrid Bergman e a Kathleen é o Bogart. Ela tem um brevet de piloto de aviação e, antes de nos casarmos, estava para ser freira. Pus um ponto final nisso. Ela sabe de tudo desde reparação de motos até à alta finança e é uma excelente pianista. Uma das maiores autoridades mundiais acerca da violeta africana. É feita de material muito rijo. É como a Super-Mulher, com a capa a flutuar ao vento. Funciona. Já andamos nisto há muito tempo". (segue para aqui)

 
"I Don't Wanna Grow Up" (real. Jim Jarmusch)

02 November 2015

Primeiras linhas (VII)

"It was about eleven o’clock in the morning, mid October, with the sun not shining and a look of hard wet rain in the clearness of the foothills. I was wearing my powder-blue suit, with dark blue shirt, tie and display handkerchief, black brogues, black wool socks with dark blue clocks on them. I was neat, clean, shaved and sober, and I didn’t care who knew it. I was everything the well-dressed private detective ought to be. I was calling on four million dollars"

27 December 2013

(O 3º ANO A SEGUIR AO) ANO DO TIGRE (CIV)

The Long Goodbye - real. Robert Altman (1973)

Breakfast At Tiffany's - real. Blake Edwards (1961)

15 March 2013




O Museu Horniman, situado em Forest Hill, no Sul de Londres – não demasiado longe do Dulwich College onde Raymond Chandler e P.G. Wodehouse estudaram –, fundado, em 1901, por Frederick John Horniman que herdara do pai a fortuna do negócio do chá, especializou-se em colecções de objectos relacionados com a antropologia, história natural e instrumentos musicais, reunindo um total de cerca de 350 000 espécimes. Mas quem, pelos anos 80, percorresse as salas dedicadas aos instrumentos populares tradicionais da Europa, com origem em Portugal, descobriria apenas... um par de pinhas. Nas 526 páginas do ainda essencial Instrumentos Musicais Populares Portugueses (ed. Fundação Calouste Gulbenkian), Ernesto Veiga de Oliveira, no capítulo “Instrumentos avulsos” e na subcategoria “Instrumentos para marcar o ritmo e acompanhar a dança”, atribuía-lhes a justa dignidade de linha e meia – “Na Nazaré (...) encontramos as pinhas, que se raspam uma contra a outra, em posições desencontradas” – e de uma fotografia do tamanho de um selo.


Inevitavelmente, os tempos mudam e as pinhas apodrecem pelo que, se, hoje, visitarmos o site do Horniman Museum, no sector dos instrumentos musicais populares europeus, procurando por Portugal, depararemos com esse autêntico Fernando Pessoa da organologia lusa: o machete, aliás, cavaquinho, braguinha, braga, machetinho, machinho, manchete, marchete, machim e machete-de-braga ou, em havaiano (desde que, a 23 de Agosto de 1879, o madeirense João Fernandes o transportou até Honolulu), "ukulele". A cotação sobe em flecha para o valor de 10 páginas-Veiga de Oliveira mas, nas vitrinas do Horniman, continua a ser representante único do rectângulo ibérico.


Razão mais do que suficiente para que, quem possa supor que a riqueza nacional em matéria de instrumentos musicais populares se encontra proporcionalmente representada no nº 100 da London Road, visite a exposição permanente recentemente inaugurada, “O Museu, Muitas Coisas”, do Museu Nacional de Etnologia, no Restelo (de que Veiga de Oliveira foi um dos fundadores), onde, pelo meio dos diversos núcleos referentes ao teatro de sombras de Bali, às bonecas do sudoeste angolano, ou às máscaras e marionetas do Mali, é possível apreciar uma amostra do seu importante acervo de instrumentos populares portugueses. Não por qualquer motivo oriundo do “último refúgio dos canalhas” (como Samuel Johnson definia “patriotismo” – Oscar Wilde preferia chamar-lhe “a virtude dos viciosos”) mas, tão só, porque tudo o que é rico e vário, venha de onde vier, merece ser conhecido e partilhado. Se, no entanto, for “patriotismo” aquilo que se busca, é só descer até Belém, à “Exposição do Mundo Português vista através dos seus fotógrafos”, em exibição no Padrão dos Descobrimentos: nas fotografias de Horácio e Mário Novais, Eduardo Portugal, Paulo Guedes ou Casimiro Vinagre, está toda a imaginária glória sob a forma de imperial delírio "kitsch" – das submissas colónias exóticas às mimosas e bucólicas aldeias – de um país provinciano e miserável, em 1940.

18 September 2007

LINGUAGENS SECRETAS

“Foi com Elvis que o cantor se transformou no sacerdote, no mediador entre o secreto culto maçónico e o público. A cultura acontece em segredo, toda a arte é secreta. As pessoas comuns apenas se apercebem das cinzas da arte, ou dos momentos falhados, ou dos instantes imobilizados. Só muito raramente, em cima do palco, uma banda acede à realidade; na maioria das vezes, isso acontece durante os ensaios, em momentos perdidos. Ninguém vê ou sabe alguma coisa acerca disso”, proclama David Thomas, dos Pere Ubu, quando Greil Marcus, por um capítulo inteiro, lhe dá voz em The Shape of Things to Come. Mas essa voz que ele lhe concede – como será praticamente inevitável em qualquer obra de Marcus – é apenas uma de entre a imensa polifonia que se escuta num livro cujo sub-título é Prophecy And The American Voice: concebido no rescaldo dos atentados a Nova Iorque de 11 de Setembro de 2001, como em Mystery Train (1975), Lipstick Traces (1989), Dead Elvis (1991), Invisible Republic (1997) ou Like A Rolling Stone (2005), a música, o cinema ou a literatura sobre os quais Greil Marcus especula nunca são tomados como objectos de avaliação crítica em si mesmos (no limite, interessa-lhe pouco a relevância estética e muito mais o significado cultural – em sentido amplo –, e histórico/simbólico) mas como sintomas, sinais, personagens, de que vai identificando os lugares e a intrincada teia de relações que estabelecem no grande painel dos mitos e da história Americana. É por isso que, quando David Thomas afirma inteiramente a sério que “sempre que nos perguntam o que fazemos, eu respondo ‘pop mainstream’ – exactamente o contrário daquela artista experimental, Britney Spears”, é absolutamente necessário colocar isso num contexto (e é essa a missão a que Marcus se dedica) onde o rosto de Bill Pullman em Lost Highway (de David Lynch), a “trilogia americana” de Philip Roth (American Pastoral, I Married a Communist e The Human Stain), a série de televisão, 24, as profecias bíblicas de Amos, John dos Passos, Allen Ginsberg, Raymond Chandler, Lincoln, Melville, os textos fundadores dos Puritanos ou Twin Peaks são só algumas das peças que atribuem sentido a um puzzle tão poderoso quanto frágil: ”Mais do que qualquer outro lugar no mundo, a América pode ser atacada através dos seus símbolos porque foi por eles que se edificou. É um artefacto, uma ideia e, desde o início até hoje, continua à procura de moldar quem se descobre no seu território. A nação existe enquento potência mas a sua legitimidade é apenas sustentada por algumas folhas de papel. (…) Retirem-se essas e, como nação, restará não mais do que uma colecção de edifícios e gente, sem nenhuma razão especial para falar entre si e com nada para se dizer”.

É preciso recordar que Greil Marcus, com outros “clássicos” como Lester Bangs, Nick Kent, Charlie Gillett, ou mais recentes – Simon Reynolds, David Toop –, é dos raros críticos culturais da coisa-pop que (no âmbito de um sector editorial específico que, anualmente, vomita centenas de títulos) não se fica pela hagiografia dos ícones do momento nem chafurda na coscuvilhice tablóide das intimidades privadas. Reynolds, dois anos depois de Rip It Up And Start Again (uma detalhada investigação do pós-punk), retoma a história no ponto onde a havia deixado e, em Bring The Noise (outro título tomado de empréstimo a uma canção, desta vez, significativamente, dos Public Enemy) reune as suas “obras escolhidas dos últimos vinte anos de escrita em diversas publicações, acrescentadas dos seus próprios comentários, relativizações e (frequentes) sarcasmos actuais. O objecto de análise sintetiza-o ele em dois pontos: “a pop num sentido muito particular – música que penetrou na arena pop vinda do exterior” e o efeito de “ruído cultural”, por exemplo, da “flamejante e desajeitada desgraça de Morrissey ou dos disparates intoxicados do ‘idiot-shaman’ Shaun Ryder”. Dito isto, uma considerável percentagem das cerca de sete dezenas de textos incluídos, centra-se sobre o hip-hop, jungle/d’n’b, seus derivados, ascensão e queda, e desemboca em duas conclusões, de certa maneira, simétricas: “O hip-hop actual faz-me pensar naquela magnífica peça sobre a morte do rock que o Greil Marcus escreveu acerca dos Nirvana, onde ele dizia ‘o rock morreu mas o dinheiro é demasiado bom para se pensar em desistir’”; “ao rock pode muito bem ter acontecido o mesmo que ao jazz, no sentido em que persiste, continua activo e gerando subgéneros, mas já deixou de ocupar o lugar central de comando na cultura popular”.

The Many Lives Of Tom Waits, de Patrick Humphries (que já havia publicado, em 1989, o muitíssimo mais sintético Small Change: A Life Of Tom Waits) inscreve-se no género das “grandes biografias” mas, embora Humphries nos afogue num dilúvio de informação histórica, cultural e política, relativamente aos diversos períodos da vida de Waits (e não deixa de ser interessante saber que ele nasceu um ano antes da publicação, em 1948, do célebre Kinsey Report – estudo pioneiro dos hábitos sexuais dos americanos – ou de Os Nus e os Mortos, de Norman Mailer), praticamente todo o livro repousa preguiçosamente sobre uma colagem de citações das abundantes e torrenciais “tall tales” com que Tom Waits, durante trinta e tal anos, tem montado, desmontado e voltado a montar a ficção da(s) sua(s) personagen(s), e pouco se esforça por passar um pouco além dessa (assombrosa, reconheça-se) cortina de fumo e desvendar um ou dois segredos. Agradece-se o trabalho de compilação mas pedia-se algo mais.

Da produção (sempre excepcional) dos próprios músicos e artistas da cena pop e regiões limítrofes, Night Life, de Laurie Anderson, é o exemplo mais recente e, sobretudo, um belíssimo objecto realizado, em 2005, durante a digressão de The End Of The Moon: o registo de imagens (desenhadas por Anderson) e micronarrativas/haikus ocorridas em sonhos (“a linguagem secreta do corpo”) que, confessa, se decidiu a concretizar “literalmente por instinto de autodefesa”. E se “legendas” como “Destroços. Tudo feito em pedaços. Números de telefone. Escombros. Um estranho cheiro a metal” são indícios do conteúdo desses sonhos, não é difícil compreender como este processo de exorcismo por catarse estética lhe poderá ter sido indispensável a ela e fulgurantemente iluminador para nós. (2007)