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30 April 2019

CORES A EXPLODIR NO CÉU


Houve um riquíssimo – e injustamente menosprezado – filão da música do século XX redescoberto à beira do novo milénio que, embora, à época, tenha produzido descendência apreciável, não chegou a ser exaustivamente garimpado. Os Stereolab, Broadcast, Saint Etienne, High Llamas, Pizzicato Five, Tipsy, Combustible Edison, Pram ou Oranj Symphonette, quais intelectuais renascentistas, poderão ter arregalado os ouvidos perante as três dezenas de volumes recheados de tesouros da série Ultra Lounge (e as muitas outras reedições que recolocaram no mapa Les Baxter, Martin Denny, Ray Coniff, Yma Sumac, Arthur Lyman, e Juan Garcia Esquível enquanto legítimos herdeiros de Bach, Telemann, Debussy ou Satie e antecedentes directos de Cage, Chet Baker e Brian Eno) mas, no vastíssimo universo easy listening/lounge/muzak/exotica/elevator music, muito ficaria ainda por explorar. Acrescente-se ainda a recuperação das obras dos pais fundadores da electrónica – Raymond Scott, Robert Moog, Louis e Bebe Barron –, o encontro com as excentricidades sonoras de Gravikords, Whirlies & Pyrophones (1998), a reavaliação de inúmeras bandas sonoras para "gialli" e eternos residentes nos rodapés da história do cinema – a magnífica recolha Crime & Dissonance, de Morricone, mas também Fabio Frizzi, Krzysztof Komeda, Gene Moore – e o poço sem fundo da "library music", e ficar-se-á com uma razoável ideia da inesgotável matéria-prima pronta para centrifugação laboratorial. 



Foi justamente por aí que Le SuperHomard, banda francesa de Avignon (ou, mais exactamente, Christophe Vaillant, compositor, Julie Big, voz, e acólitos), se orientou, criando uma descendência contemporânea para tão glorioso passado. Situando-se algures no ponto em que uma reinvenção dos ABBA às mãos de membros avulsos dos Saint Etienne e Stereolab se cruzaria com a suave troca de genes entre uns Black Box Recorder menos perversos e um Syd Barrett um segundo antes de se evadir para os anéis de Saturno (eles chamam-lhe “pop retro-futurista” e confessam-se também em dívida relativamente a Morricone. François de Roubaix, Love), Meadow Lane Park é um garboso exercício de "space age bachelor pad music" angélica, um luminoso modernismo sonoro imaginado sob o signo de Vasarely. "Paper Girl" diz tudo: “Take a page, draw a happy face inside a heart, picture you, picture me, picture everyone, draw the lines of fireworks exploding in the sky, red and blue, pink and green, cover all the white”.

20 April 2016

E-Z 


No frenético vai-e-vem das recuperações, reavaliações e repescagens com que a indústria discográfica se entretém – e, através das quais, actualmente, tenta, pura e simplesmente, sobreviver – nenhuma terá sido tão inesperada e tão surpreendentemente interessante como a do “easy listening”/”muzak”/”elevator music”, na segunda metade dos anos 90 do século passado. Nem necessitava de se reivindicar de linhagem ilustre (de Bach a Telemann, Mozart, Satie, Cage ou Brian Eno), porque aquilo que o velho baú, há muito fechado, foi revelando valia por si mesmo: Les Baxter, Martin Denny, Ray Coniff, Burt Bacharach, Yma Sumac, Arthur Lyman, Juan Garcia Esquível (particularmente preciosos foram os cerca de 40 volumes da colecção Ultra Lounge, da Capitol) e inúmeros outros praticantes daquela música “sem qualquer assunto nem objectivo, semelhante a uma cadeira de repouso” sobre que Erik Satie e Henri Matisse terão divagado, não apenas demonstravam que existira vida musicalmente sofisticada antes do rock mas obrigavam também a redescobrir um universo sonoro francamente mais aventureiro do que muita música contemporânea.



A verdade, porém, é que esse movimento revivalista tivera, pelo menos, um antecedente notório: as duas E-Z Listening Muzak Cassettes publicadas, em 1981, pelos Devo, em exclusivo para o seu clube de fãs, e só seis anos depois, reeditadas em CD pela Rykodisc. Continham “Muzak versions of your favourite Devo tunes performed by Devo at a rare casual moment” e, nessa obliqua homenagem à empresa e conceito musical criados pelo brigadeiro George Owen Squier, despiam 20 peças do seu reportório (e "Satisfaction", dos Rolling Stones) até ao osso, como que numa ilustração sonora da sua “de-evolution theory”, defensora da ideia de que, em vez de continuar a evoluir, a espécie humana teria iniciado um processo de regressão evidenciado pelas disfunções e mentalidade de rebanho da sociedade americana. Agora empacotadas sob a forma de "box set" de dois CD ou dois vinis, curiosamente, o resultado a que os manos Mothersbaugh e Casale chegam não se situa demasiado longe daquele a que, exactamente pela mesma altura, em Cardiff, os Young Marble Giants (dos outros irmãos Moxham), em Colossal Youth e Testcard EP, tinham ido dar.

25 August 2008

A LEI DA CONSERVAÇÃO DA MATÉRIA

 


   Stereolab - Chemical Chords 

Pode, evidentemente, dizer-se que, agora, é fácil. Mas, de facto, apetece fazer em sentido inverso o caminho-das-pedrinhas que desvenda a lógica da trajectória musical dos Stereolab. Começando, naturalmente, por este Chemical Chords, ponto de chegada em momento daquela glória pop a que uma banda como a de Tim Gane e Laetitia Sadier (e, agora, também, crescentemente do ex-High Llama, Sean O’Hagan) alguma vez poderia legitimamente aspirar: lounge estival efervescente, arranjos de sopros e cordas entre o “easy listening” e o lego-barroco, tudo cirurgicamente dirigido ao objectivo confessado por Gane – escrever “purposefully short, dense, fast pop songs”.

  

Recue-se, então, passo a passo, nos já quase vinte anos de carreira dos Stereolab. Como diria o também químico Lavoisier, “nada se perdeu e tudo se transformou” nesta aplicação musical da lei da conservação da matéria à estética de composição molecular da dupla Gane/Sadier: da “motorika” do Krautrock às relíquias da electrónica, de Bacharach aos Young Marble Giants, dos Velvets à “chanson”, à sombra tropicalista ou às antevisões “modernistas” de Robert Moog, Esquível ou Martin Denny, tudo acabou por configurar um voluptuoso organismo pop, requintado e sedutor, falso magro, de cérebro bem activo. (2008)

15 June 2008

MÚSICA DE VIDA FÁCIL


Em 28 de JuIho de 1945, um bombardeiro B25 da aviação americana colidiu com o 79° andar do Empire State Building. As chamas tomaram rapidamente conta dos túneis dos elevadores, destruindo os cabos e ameaçando cercar 50 pessoas retidas no 88° andar. Na edição do dia seguinte, o «New York Times» relatava: «Mesmo nesta terrível circunstância, o sistema sonoro continuou a emitir música gravada e os sons tranquilizantes de uma valsa ajudaram a que todos se controlassem». Como exemplo extremo das virtudes da «música para elevadores», é dificil encontrar melhor. Chame-se-lhe «easy listening», «moodsong», «música ambiente» ou «muzak», há que reconhecer que a sua história é algo mais ilustre e antiga do que, à primeira vista, se diria. Mesmo sem recuar à mitologia grega, à musica das esferas pitagórica ou à primeira banda sonora generosamente oferecida par Nero ao incêndio de Roma, os antecedentes não podiam ser mais ricos nem numerosos: na Utopia, Sir Thomas More não se esquecia de referir que, entre outros benefícios de uma sociedade justa e igualitária, «nenhum jantar deveria ter lugar sem música»; o arcebispo Coloredo encomendava peças a Mozart e esclarecia que, esperando companhia para uma refeição, desejava «uma serenata agradável, mas que não perturbe a conversa nem a digestão», enquanto Telemann se dedicava à «Musique de Table». Bach, pelo seu lado, respondia ao pedido do Conde Kaiserling que lhe solicitava tratamento adequado para um grave problema de insónias, escrevendo as Variações Goldberg de acordo com a prescrição que exigia «uma invariabilidade constante da harmonia fundamental» como sedativo sonoro apropriado.


Erik Satie - Gymnopédie nº 1

Deve ter sido, contudo, Erik Satie, que, muito antes da corporação Muzak ou de Brian Eno, teorizou acerca daquilo a que chamou «musique d'ameublement». Segundo uns, tudo teria nascido de uma conversa corn Henri Matisse sobre a criação de uma forma de arte «sem qualquer assunto nem objectivo, semelhante a uma cadeira de repouso». Outros, referem um jantar com Ferdinand Leger, num restaurante em que a orquestra residente tocava tão alto que forçava os comensais a abandoná-lo. O episódio terá levado Satie a reagir com um discurso inflamado em que defendia a existência de uma música «que faça parte dos ruídos ambientes e os tenha em consideração. Vejo-a melodiosa, dissimulando o som das facas e dos garfos, sem os abafar por completo. Preencheria os silêncios embaraçosos que, por vezes, se intrometem na conversa. Evitaria as banalidades habituais. Mais do que isso, neutralizaria os ruídos da rua que, indiscretamente, perturbam o cenário». Numa carta a Jean Cocteau iria mais longe, reclamando que ela estivesse sempre presente «em bancos, escritórios de advogados e cerimónias de casamento. Que ninguém entre em casa sem música ambiente». A 8 de Março de 1920, na Galerie Barzanges, concretizaria o conceito num arranjo para piano, três clarinetes e trombone, executado nos intervalos de uma peça de Max Jacob. E irritou-se seriamente quando os presentes se decidiram a prestar-lhe imensa atenção em vez de conversarem, deambularem e fazerem ruído...


Caberia, entretanto, ao brigadeiro norteamericano George Owen Squier inventar, nos anos 30, o conceito (e a empresa) «Muzak», jogando com as palavras «música» e «Kodak». Em torno dele giraria quase um século de «música ambiente», que passaria por nomes cruciais como Ray Coniff, Percy Faith, Jackie Gleason, Horst Jankowski, Bert Kaempfert, Andre Kostelanetz, Burt Bacharach, Francis Lai, Michel Legrand, Mantovani, Paul Mauriat, Malachrino, Norrie Paramor, Frank Pourcell, The Sandpipers, Swingle Singers, Liberace ou Lawrence Welk. Se a corporação Muzak se dedicou a elaborar estudos e monografias acerca dos efeitos da programação musical nos frequentadores de supermercados, na promoção da imagem das empresas ou na acção sobre o comportamento alimentar (chegando mesmo a determinar que a utilizaçãoo de «música funcional» nos locais de trabalho reduzia o absentismo em 88 par cento), outros retomaram a visão de Satie, caso do britânico Frank Chacksfield, que enquadrava a sua música num contexto de utilidade social: «A anfitriã musicalmente atenta já não permite que o marido ou o mordomo coloquem música no gira-discos ao acaso. Já não se arrisca ao perigo de a sopa ser perturbada por uma sinfonia de Haydn ou de que alguém se engasgue com o peixe porque uma trompete de jazz o assustou. Agora, ela possui uma música de fundo pronta a usar, elegante e adequada, que transforma a noite numa festa de prazer e nervos apaziguados». Pelo meio, esse desejo de decoração sonora de interiores impulsionaria avanços nas técnicas de gravação, enquanto, entre outros, os astronautas da NASA (mais tarde homenageados por Brian Eno em Apollo) confessavam preferir a escuta de Andre Kostelanetz nos seus passeios lunares.


Mantovani - "Kashmiri Song" (1938)

Houve, naturalmente, inimigos ferozes. O dramaturgo J.B. Priestley gabava-se de «ter deligado emissões de 'muzak' em alguns dos meIhores sitios», o cómico Spike Milligan declarava que «se a tranquilidade liberta a alma, a 'muzak' destrói-a», e um comentador americano definia Bill Clinton como «o equivalente político da 'muzak': apropria-se de temas sérios, e, a partir deles, cria portentosas geleias de retórica sem nunca assumir uma atitude decidida». Mas Andy Warhol adorava-a («Gosto seja do que for de 'muzak', é tão audível... devia passar na MTV») e Brian Eno recentemente explicou como a sua Music For Airports teve origem nos discos de Ray Coniff do tio, que ouvia antes de ir para a escola: «o importante não era a melodia nem o ritmo, mas aquele banho de sonoridades corais de que os Ray Coniff Singers eram um excelente exemplo».


The Ray Conniff Singers - "Golden Earrings" (1963)

A notícia, então, é que, se o «easy listening» sempre esteve por aí (nas salas de espera, nos centros comerciais, nas pausas dos telefonemas), agora ele está detinitivamente de volta. Melhor ainda, na moda. David Lynch e Angelo Badalamenti terão dado o pontapé de saída em Twin Peaks (é Badalamenti que conta como a sua música é material indispensável em consultas de psicoterapia), mas outros como os Enigma, Beautiful World, Deep Forest, El Bosco, Adiemus, Kenny G, Yanni ou o patriarca Vangelis encarregaram-se de levar a missão até ao fim, liofilizando o canto gregoriano, as raízes étnicas, a clássica, o jazz ou o rock. Os ensaios analíticos sucedem-se (Elevator Music, de Joseph Lanza, ou Ocean Of Sound, de David Toop, formulam as regras), e recém-chegados e clássicos redescobertos dão cartas.


Mike Flowers Pops, The Karminsky Experience, uma colectânea de Burt Bacharach, ou Esquivel do seminal mexicano Juan Garcia Esquivel são os sintomas próximos. O primeiro, de peruca loira e fatinho azul-petróleo, canta e dirige uma orquestra de treze elementos, teoriza sobre a extinção do pós-modernismo e gaba-se dos seus encontros com Gil Evans e John Cage. Tem 35 anos e faz versões arredondadas dos Oasis, Bjork, Beatles, Jimmy Webb, Black Grape, Velvet Underground e dos Doors. Frequentou a Chelsea School of Arts e acha que é libertador «encarar a música como entretenimento ligeiro em vez de arte». Com ele, tudo se resume ao regresso à estética de Sinatra ou Tony Bennett, seja qual for o pretexto. Prepara uma canção comemorativa do Campeonato da Europa de Futebol e uma versão de «Manic Depression» de Jimi Hendrix. Tem um CD prometido para Maio, que se segue ao primeiro single, "Wonderwall", dos Oasis, que tomou as tabelas de vendas britânicas de assalto.


Mike Flowers Pops - "Wonderwall"

The Karminsky Experience foram pioneiros do «easycore revival»: «Numa pequena cave do Soho, nos primeiros meses de 91, um grupo de boémios, frequentadores de clubes, international 'jet-setters' e modernistas japoneses encontraram-se para afastar a melancolia do Inverno. O choque dos copos de tequilla ecoava no ar como percussões vudu. Os DJ James e Martin Karminsky exploravam um ritmo soprado de outra dimensão». O que eles fizeram foi substituir os vinis de «rare groove» que não tinham possibilidades de adquirir por exemplares de «easy listening» disponíveis, descobrindo uma mina de «novos sons». É o que expõem agora em In Flight Entertainment, onde se alinham «Mambo Mania», de Bert Kaempfert, ou uma deliciosa versão latina de «Light My Fire» por Edmundo Ross ao lado de outros imortais do género com Paul Mauriat, Augusto Algueró, Michel Legrand ou o clássico «Tu Veux Ou Tu Veux Pas», de Brigitte Bardot. Todos tematicamente organizados em três andamentos: «O viajante de sofá», «O swinger» e «O observador curioso».


Dionne Warwick - "Do You Know the Way to San Jose"
(Bacharach/David, 1968)

Adorado por milhões, inspirador dos Portishead, Oasis, Massive Attack, Bjork, R.E.M. e K. D. Lang, Burt Bacharach é o indisputado papa do estilo. Iniciando-se nos anos 50 ao lado do letrista Hal David, especializou-se na composição de pequenas sinfonias de supermercado, unidades perfeitas de três minutos como «Do You Know The Way To San Jose?», «Raindrops Keep Falling On My Head» ou «This Guy's In Love With You», que foram interpretadas por nomes como Aretha Franklin, Barbra Streisand, Linda Ronstadt ou Dionne Warwick. Como observou Noel Gallagher, dos Oasis, exactamente o género de música que, se não chegar para seduzir uma dama, é melhor tirar daí a ideia... Acabado de editar, The Best Of Burt Bacharach contem 20 sugestões para outras tantas tentativas.


arranjo de Juan Garcia Esquivel para "Andalucia"
(pela Mr. Ho's Orchestrotica)

Juan Garcia Esquivel foi o mexicano que, nos anos 50 e 60, conciliou a estética «easy listening» com audácias experimentais, introduzindo timbres exóticos, sonoridades «espaciais» e instrumentos pouco explorados como o theremin e o ondioline. More Of Other Worlds, Other Sounds devolve-os agora em toda a sua glória estereofónica, no pico da alta tecnologia de 1962, usando os sistemas «Dual 35MM/120 CMPS». Tomando de empréstimo as palavras de Joseph Lanza em Elevator Music, «estes discos são o mais próximo a que a América chegou de criar um surrealismo genuíno e próprio. Agora que os 'media' colonizaram e esgotaram as regiões obscuras do espírito, transformando-o em puré feito de filmes e romances de terror, a 'mood music' encanta-nos com as suas paisagens exageradas de ordem e felicidade».



(1996)

26 May 2008

FIM DE CAPÍTULO
(repescado a partir daqui)



Tindersticks - Donkeys 92-97

Stuart Staples fala como se tivesse pavor de que uma só das palavras que pronuncia pudesse deixar uma impressão errada. A voz sai-lhe segredada, quase inaudível, repete as ideias, gagueja, sorri embaraçado com algumas das perguntas mas, mesmo assim, lá consegue explicar as razões por que os Tindersticks se decidiram a editar Donkeys, uma compilação que recolhe todos os seus singles e raridades avulsas até aqui dispersas. E, depois, anuncia que o grupo se prepara para grandes mudanças ao mesmo tempo que conta como realizou a fantasia de cantar com Isabella Rosselini e não consegue encontrar outra razão para o título do álbum a não ser que "it just felt right".

Por que motivo decidiram publicar agora esta compilação de lados B e raridades que não é exactamente aquilo a que nos habituámos a chamar um "Best Of"?
Suponho que porque, para nós, ele funciona como o encerramento de um capítulo. Resume todo um ciclo de canções, garantindo, ao mesmo tempo, que nada daquilo que fomos publicando fique indisponível.

Se isto encerra um ciclo de canções, como irá ser o seguinte?
Ainda não sabemos bem, estamos a trabalhar para o proximo disco. Penso que vai ser muito diferente dos anteriores embora também não me espante que, depois, as pessoas não identifiquem muito bem essas diferenças. Mas estamos a descobrir uma nova forma de escrever as canções com uma ênfase muito mais nítida na totalidade do grupo e na contribuição das ideias de cada elemento.



Por que motivo esta compilação se intitula Donkeys?
Só porque sentimos que ficava bem (risos). Há qualquer coisa nessa palavra que casa perfeitamente com o espírito das canções. Não houve nenhuma outra razão muito especial.

Ouvindo o disco, houve uma coisa que me chamou a atenção e em que antes nunca tinha verdadeiramente reparado: a apurada sensibilidade pop dos Tindersticks na forma como, a partir de um desenho de guitarra, de um "leitmotiv" de cordas ou da forma como cada canção cresce da estrofe para o refrão, se define o essencial...
Mas nós sempre nos encarámos realmente como uma banda pop. Quando escrevemos uma canção, partimos de uma ideia inicial e procuramos conduzi-la até à sua conclusão natural. Embora isso não queira dizer que tenhamos uma fórmula secreta que nos indique exactamente como havemos de fazer as coisas.

A partir de certa altura, enveredaram por uma via de pop orquestral. Do vosso ponto de vista, isso constituiu um desenvolvimento inevitável?
Foi uma consequência muito natural do facto do Dickon fazer parte do grupo e de ele tocar violino. A utilização de uma orquestra acabou por ser também uma forma de evitar que, para gravar as partes de cordas, ele tivesse de tocar trinta vezes a harmonia de cada canção. Parece-me, por outro lado, que essa via já deu os frutos que tinha a dar e é altura de mudarmos de rumo.

Vai ser essa, então, uma das mudanças?
A mudança irá ser mais profunda. Não é uma questão de nos vermos livres disto ou daquilo em particular. Trata-se verdadeiramente de descobrir o que funciona realmente bem quando nós os seis tocamos em conjunto e ser capaz de transpôr isso que é, de facto, especial para um disco. O que, até aqui, creio que ainda não conseguimos. Esse é o objectivo mais importante.



De qualquer modo, os Tindersticks, como os Divine Comedy ou os Walkabouts integram-se numa corrente de pop orquestral que está a crescer...
No caso deles, deve ter sido porque todos ouviram os nossos discos!... (risos) Claro que é muito simples decidir que se deseja escrever pop orquestral e contratar um arranjador. Como sabe, nós não funcionamos dessa forma. Connosco esse impulso veio de dentro.

Independentemente disso, no seu caso, como cantor, tem consciência de se estar a referir a uma antiga tradição de "crooners"?
A verdade é que os cantores que eu admiro não vêm dessa tradição. É certo que, há cerca de dois anos, estávamos obcecados com a ideia de escrever a canção definitiva de Jimmy Webb. Mas levámos isso até onde era possível e, agora, já não vale a pena continuar por aí.

Lembro-me de ter lido que, em determinado momento, contactaram Juan Garcia Esquivel, o papa do "easy listening" mexicano para escrever para vocês...
Isso foi há cerca de três anos. Foi uma daquelas coisas que nos passou pela cabeça. Admirávamos a música dele (se quiser, foi, mais uma vez, esse filão da música orquestral) e lembrámo-nos de lhe falar. Mas é como lhe digo, agora, há que seguir por outro caminho.

Como é que surgiu a ideia para o seu dueto com Isabella Rosselini em "Marriage Made In Heaven"? Pensou nela desde o primeiro momento?
Essa é uma das nossas primeiras canções. Originalmente, cantei-a com a Nikki, das Huggy Bear, e editámos pouco mais de mil exemplares. Gravámo-la e misturámo-la num único dia mas era uma daquelas canções a que estávamos sempre a voltar. Quando decidimos regravá-la tínhamos um certo desejo instintivo em relação à possibilidade de o fazermos com a Isabella. Imaginámos como ela seria e fomos atrás dessa ideia para confirmar se tínhamos razão. E, de facto, encontrá-la e estar com ela confirmou as nossas fantasias.

Ela revelou-se uma cantora natural?
Não. Mas os cantores naturais também não têm assim tanto interesse, pois não? Ela é uma actriz e o que faz nesta canção é representar.



Se relacionarmos esse seu dueto com a outra versão de "No More Affairs" cantada em francês, vamos ter quase directamente a Serge Gainsbourg e Jane Birkin...
Espero bem que sim...(risos) Essa versão em francês tem a ver com a ideia de sempre me ter fascinado a expressão das emoções através da fonética de uma língua que não compreendo.

Na ultima linha do "press release" para este disco, é referido que os Tindersticks são vestidos por Timothy Everest, um alfaiate de cavalheiros londrino. Isso é assim uma coisa tão importante para vocês?
Houve uma altura em que foi. Vestíamos uma roupa que mais ninguém usava. Tal como acontecia com as nossas canções.

Para terminar, posso-lhe pedir o seu "top ten" de discos privado?
Sempre que me perguntam isso, faz-se-me uma branca no pensamento. Mas acabo sempre por falar de gente como Tim Hardin, Velvet Underground, Big Star, Al Green, Townes Van Zandt...

Na primeira vez que conversámos, disse-me que passou a juventude a ouvir os discos de Neil Diamond da sua mãe...
Isso é uma velha tradição de família... Pelo Natal, ou são esses ou os do Perry Como...



(1998)

06 May 2008

ARQUEOLOGIA FUTURISTA


Peter Thomas Sound Orchester (Neo Astronautic Sound) - Warp Back To Earth 66/99

Uma parte muito interessante da pop contemporânea assemelha-se bastante ao que se poderia chamar uma espécie de arqueologia futurista. Ao contrário da pura atitude "retro" que se limita a mimetizar as estéticas do passado transpondo-as tal e qual para a actualidade, os arqueólogos futuristas desenterram literalmente os tesouros esquecidos para, a partir dos fragmentos deles, construir novos edifícios de uma idade pós-pós-moderna onde a realidade anulou o conceito de tempo e a legitimidade de todos os impulsos sonoros é equivalente desde que musicalmente eficazes e funcionais.
Warp Back To Earth 66/99, acabado de publicar, é um dos mais eloquentes exemplos do género. Os principais instigadores da conspiração foram os Pulp que, ao utilizarem um "sample" de "Space Patrol" em This Is Hardcore, redescobriram o ignorado Peter Thomas, um até aqui obscuro compositor alemão de bandas sonoras dos anos 60.



Foi o bastante para que a editora Bungalow congeminasse o projecto deste álbum duplo onde 29 temas de Peter Thomas servem de material reciclável destinado à concepção do "neo astronautic sound", condensado em 17 reelaborações de grupos músicos e remisturadores actuais como os Stereolab, Tipsy, John McEntire, High Llamas, Momus, Coldcut, Stock, Hausen & Walkman, St. Etienne ou Yoshinori Sunahara. De acordo com a versão "oficial", a história é um bocadinho mais "sci-fi": "Em 1966, o compositor Peter Thomas — hoje com 73 anos de idade — abandonou o planeta Terra para acompanhar musicalmente as viagens aventureiras da Space Patrol Orion. Os seus sons, demasiado bizarros e futuristas para a época, não tinham sido devidamente apreciados e compreendidos. Por esse motivo, o seu regresso atrasou-se exactamente 33 anos. Poucas pessoas valorizavam o se trabalho e ninguém quis cobrir os custos do seu bilhete de volta. Mas, agora, as coisas mudaram. Estamos a poucos passos do novo milénio e a Terra está a ser povoada por uma nova geração de pessoas e músicos que veneram este pioneiro musical e criativo excêntrico — e não apenas músicos alemães. O trabalho de Peter Thomas é hoje reconhecido por todo o mundo (e mesmo nas galáxias mais longínquas) ao nível de outros como Henry Mancini, Esquível, John Barry, Ennio Morricone e, especialmente, Gator Gnulp do planeta Org".



O texto não refere sob o efeito de que substâncias o autor estava quando o escreveu mas devem ter sido mais ou menos as mesmas que as dos músicos no momento em que, a partir dos 29 "soundbytes" seleccionados (de um total de 2734, como precisa o livrete), montaram uma épica odisseia espacial em modelo "cadavre exquis". Vagueando entre os planetas "E-Z", "Techno", "Ambient" e uma dúzia de asteróides situados no espaço sideral que os envolve, Warp Back To Earth é verdadeiramente educativo: para a superior ilustração de quem o escuta, oferece ainda num segundo CD os 29 extractos dos temas originais de Peter Thomas (surpreendentemente modernos, intrigantes e inspiradores) como material de estudo comparativo e deleite auditivo geral. No Além digital onde paira a alma de Hal 9000, esta é a música que lhe ocupa os tempos livres durante toda a eternidade.

(2002)

14 December 2007

FORMA E SUBSTÂNCIA



The High Llamas - Can Cladders

Os High Llamas foram, seguramente, a única banda que – tirando partido do trampolim da reavaliação do “easy-listening” que ocorreu a meia da década de 90 – soube inventar uma linguagem própria, digerindo e assimilando completamente os diversos ingredientes mais apetecidos pelo palato requintado do seu fundador, o ex- Microdisney, Sean O’ Hagan. A saber, Brian Wilson, muito Brian Wilson, Burt Bacharach, Steely Dan, a bossa-nova, Esquível e os mais acetinados fios de que se teceram as várias tapeçarias daquilo a que, nos anos 50 e 60 se chamou “exotica”.


(de Hawaii)

Quatro anos após o sumptuoso Beet, Maize & Corn e colaborações avulsas (nomeadamente com os Stereolab e na reencenação londrina, no Barbican, de Tropicália Ou Panis Et Circencis, o manifesto do Tropicalismo brasileiro), Can Cladders é outro intrincado exercício matemático de pormenores, uma minuciosa arquitectura instrumental-vocal em tons pastel, um “lounge-pop” de ourives para quartetos de cordas, órgão, vibrafone, piano, harpa, banjo, coros femininos de mel e madeiras. Poder-se-à argumentar (com inteira razão) que se trata apenas de um triunfo da forma sobre a substância. Mas é também, sem dúvida, um dos mais belos triunfos da forma sobre a substância. (2007)