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04 October 2021

 
(sequência daqui) “Ele tinha o álbum completo na cabeça bem antes de ter começado a gravá-lo. Pensava nele há muito. Tinha tido imensa paciência com os Beatles. Quando chegou o momento de passar à acção, sabia exactamente o que estava a fazer. Não precisava de se dirigir a um produtor para lhe pedir uma opinião. Tinha tudo pronto”, diz Dhani Harrison, o filho que tem sido o produtor executivo de todas as reedições póstumas de All Things Must Pass, o álbum que, à época, levou Richard Williams, crítico do “Melody Maker”, a afirmar que ele representava “um choque equivalente ao dos cinéfilos de antes da guerra quando, pela primeira vez, Greta Garbo abriu a boca num filme sonoro: a Garbo fala! Harrison está livre!”. George não estaria dependente da opinião de um produtor mas, quando entrou nos estúdios da EMI a 26 de Maio de 1970, tinha um nome debaixo da língua: Phil Spector, o génio de grau máximo na categoria não-é-flor-que-se-cheire, inflexivelmente contrário a sequer admitir que "less" pudesse ser "more" – "more" era sempre "more" e quanto mais, melhor. O método seria baptizado por Andrew Loog Oldham como “The Wall of Sound” – Spector chamava-lhe “a Wagnerian approach to rock & roll: little symphonies for the kids" – e haveria de ser aplicado com grande proveito em gravações dos Righteous Brothers, Ronettes, Crystals ou Ike & Tina Turner. Dos Beach Boys aos Jesus & Mary Chain, deixaria inúmeros discípulos, entre os quais George Harrison que apreciava especialmente a pós-produção por que ele fora responsável em Let It Be (McCartney detestava-a) bem como a sua intervenção no single de Lennon e Yoko, "Instant Karma!". (segue para aqui)

01 March 2009

TERRA (QUASE) INCÓGNITA

Né Ladeiras - Essência: Os Anos Valentim de Carvalho 1982–1983
Por esta altura, deverá começar a ficar cada vez mais nítida a ideia de que foi no último terço do século XX que a música popular portuguesa conheceu aquilo que se costuma designar por “anos de ouro”. Após décadas do chamado “nacional-cançonetismo” (no qual, em consequência da associação automática aos tempos do Estado Novo, uma boa mão cheia de standards dignos de figurar em qualquer songbook de pergaminhos ilustres foi, durante demasiado tempo, bastante mal amada), de proletarismos de Parque Mayer, de folclorismos de propaganda oficial, da lenta mutação da matriz do fado e do caricatural “yé-yé” paleolítico – com a desejavelmente esquecível baladeirice “de protesto” em fugaz interregno –, no final dos anos 70, fruto do impacto em terreno local dos estilhaços da explosão punk e do arejamento com que as gravações de José Mário Branco e Sérgio Godinho haviam despoluído a atmosfera, iniciou-se claramente uma nova era. O cânone dos clássicos de então – dos GNR, Pop Dell’Arte e Mler Ife Dada aos Xutos, Variações e Sétima Legião – está suficientemente estabelecido mas, ainda assim, restam ainda uma ou duas zonas obscuras que, no processo de reavaliação, foram ficando, descuidadamente, esquecidas.
 
 

A discografia de Né Ladeiras, dos mais recentes Da Minha Voz (2001), Todo Este Céu (1996, dedicado às canções de Fausto) e Traz-os-Montes (1994, em torno da tradição do Nordeste) aos primeiros álbuns a solo, após a participação em registos da Brigada Vitor Jara e da Banda do Casaco, é um desses territórios virtualmente ignorados que apenas sobrevivem na (melhor) memória de quem, na altura, os escutou. Se Corsária (1989, acto de veneração perante a lendária Greta Garbo, produzido por Luís Cília) ainda foi confidencialmente publicado em CD, o EP Alhur (agora, em Essência, reunido ao mini-LP de 1983, Sonho Azul, que também já conhecera meteórica existência digital), continuou, durante vinte e sete anos, ausente em parte incerta, no limbo do vinil. Dificilmente se poderia ter cometido maior delito por omissão: nas suas quatro faixas (“Húmus Verde”, “Holoteta”, “Essência” e “Alhur”), redescobre-se, agora, o intrigante lugar onde – com produção de Ricardo Camacho, textos de Miguel Esteves Cardoso e mão-de-obra instrumental dos Heróis do Mar – os ecos da música tradicional portuguesa se deixam devorar pelo fantasma de uma Nico gentilmente rústica e as polifonias vocais serranas fazem sobrenatural raccord com a claustrofobia sonora da estética Martin Hannett/Joy Division. 
 
 

Um ano depois, Sonho Azul mudava radicalmente de cenário: entre a reinvenção da canção "easy/lounge" e uma amabilíssima dance music de salão, com pontes imaginárias lançadas para os vetustos universos do swing e da "torch song" ligeira, os oito temas escritos a quatro mãos por Pedro Ayres de Magalhães e Né (em especial, “Os Sinos”, “Em Coimbra Serei Tua” e “Sonho Azul”) e cinzelados por Mário Laginha, Carlos Martins, Tomás Pimentel, António Emiliano e Ricardo Camacho eram um exercício de estilo deliciosamente frívolo que, lamentavelmente, não deixou descendência. Verdadeiramente digna de medalha no 10 de Junho – para além da reedição integral do que falta repor em circulação – seria a exumação do mítico "lost album" da cantos populares religiosos começado a produzir por Hector Zazou em 1999, na igreja de Montemor-o-Velho, e abruptamente interrompido devido às proverbiais “divergências”. Qualquer que fosse o estado de finalização, mesmo enquanto work in suspended progress, faria, decerto, a felicidade de muitos. (2009)