UM TIPO MELHOR QUE O DYLAN
11 de Setembro de 1970. Vini Lopez, o baterista dos Steel Mill, tinha-se enrolado numa desnecessária trapalhada de drogas e, com o objectivo de recolher fundos para pagar a um advogado que o livrasse de sarilhos maiores, a banda decidira dar um concerto no Clearwater Swim Club de Middletown, New Jersey, cidade famosa por “não haver criminalidade, não ter habitantes negros e pelos hábitos autoritários da polícia local”, como conta o "middletowner" Steve Van Zandt, então baixista da banda. Um minuto depois das dez da noite – hora limite fixada para o final do concerto –, armadas até aos dentes, as forças policiais do chefe Joseph McCarthy (nome assaz apropriado), “como num Western clássico”, perfilaram-se sobre as colinas que circundavam a piscina de Clearwater e, no meio da confusão previsível, marcharam sobre o palco e desligaram o PA. Imperturbáveis, os Steel Mill continuaram a actuar e, em particular, o cantor, compositor e guitarrista, Bruce Springsteen, logrou manter, até ao fim, magneticamente colados em si os olhos de todos aqueles dos 5 000 fãs que, entretanto, não tinham sido engavetados.
Uma busca no YouTube por "Bruce Springsteen + Steel Mill" dá-nos a ouvir uma típica banda de hard-rock da época, não especialmente memorável e que, facilmente, denuncia a ementa musical de que Springsteen & Cº se nutriam: Cream, Hendrix, Steppenwolf, Allman Brothers, Yardbirds, Iron Butterfly... caldo de cultura assaz diferente do que, supostamente, deveria estar na origem de uma personagem que, antes de se tornar ela própria, a indústria desejou que acreditássemos estar perante o “novo Bob Dylan” (e não será uma aterradora versão de "Suzanne", de Leonard Cohen, pelos pré-Steel Mill, The Castiles, que fará alguém mudar de ideias). Foi, no entanto, exactamente nesses mesmos termos que, dois anos e uma “reinvenção pessoal” depois, o "manager" Mike Appel o apresentou a John Hammond, executivo da Columbia: “Com que então foi você que, segundo parece, descobriu o Bob Dylan... vamos lá ver se tem, realmente, bom ouvido, pois trago-lhe aqui um tipo melhor que o Dylan!” E o fulano que não apenas “descobrira” Dylan como também Billie Holiday, Count Basie e inúmeros outros, embora procurasse disfarçar o entusiasmo, interiormente, rendeu-se, de imediato, a "It’s Hard To Be A Saint In The City", "Growin’ Up" e "Mary Queen Of Arkansas" que acabariam por figurar no magnífico e eternamente mal amado álbum de estreia, Greetings From Asbury Park, N.J. (1973).
Tão pouco amado que, na inexplicável recém-publicada Collection: 1973 – 2012 – após dois Greatest Hits (1995 e 2009) e The Essential (2003), que finalidade serve? – se usa do subterfúgio de The Wild, The Innocent & The E Street Shuffle ter sido igualmente editado em 1973 para, sem mentir nas datas de início e fim, expulsar sumariamente Greetings... de um alinhamento de 18 canções com o qual nada se aprende. Existe, entretanto, uma boa alternativa: a leitura de Bruce, de Peter Ames Carlin (Ed. Simon & Schuster), última, óptima e definitivamente esclarecedora biografia do descendente de Casper Springsteen que, no século XVII, emigrou da Holanda para o Novo Mundo.