Showing posts with label Louis Armstrong. Show all posts
Showing posts with label Louis Armstrong. Show all posts

15 October 2014

OUTRA HISTÓRIA SECRETA

  
“Não tenho a capacidade, nem sequer o desejo, de escrever uma argumentação desenvolvida, coerente, passo a passo, sobre o que quer que seja. Gosto de escrever sem obedecer a uma direcção. Gosto de bater à porta da frente e, enquanto esta se abre, aparecer também pela das traseiras” dizia Greil Marcus, em 2012, numa conversa com Simon Reynolds para a “Los Angeles Review Of Books”. Na última frase do recém-publicado The History Of Rock’n’Roll In Ten Songs lê-se “Esta foi apenas uma versão da história, mas há uma infinidade de outras que igualmente a contam”. Logo na primeira página (e nas quatro e meia que se seguem), Marcus inventaria uma vasta lista dos nomes que todas as enciclopédias invariavelmente acolhem (esses mesmos em que estão a pensar) quando se trata de alinhar, das origens à actualidade, a cronologia do rock’n’roll. E, daí em diante, tal como em Lipstick Traces (1989), a propósito do punk, se dedicara a investigar a “história secreta do século XX” (da Irmandade do Livre Espírito medieval à Internacional Situacionista), ocupa-se daquilo que só pode ser designado como a história secreta do rock’n’roll. Corrijo: a sua história secreta do rock’n’roll. 

"Transmission" em Control - real. Anton Corbijn (2007)

Daí que não possa constituir motivo de escândalo o facto de, das dez canções, seis se situarem entre o final dos anos 50 e o início de 60, que uma das outras quatro – "Transmission", dos Joy Division – seja encarada sob a perspectiva da interpretação dos actores que, em Control, de Anton Corbijn, encarnam a banda de Ian Curtis, ou que, muito rapidamente, tenhamos de nos habituar à ideia de estar perante uma tapeçaria de Bayeux contemporânea enrolada em forma de fita de Möbius. Afinal, nada de novo: desde o inicial Mystery Train, de 1975 (subintitulado, não esquecer, “Images of America in Rock 'n' Roll Music”), que aprendemos a não estranhar quando, como agora acontece, no “Instrumental Break” dedicado a Robert Johnson, este acabe literalmente contracenando com Louis Armstrong, Bing Crosby, os NWA e Barack Obama. Recordando a justificação que dava aos amigos para a sua obsessão por "Money", na versão dos Beatles (“é a representação metafórica das forças tecnológicas descontroladas da sociedade moderna”), Marcus conta como, ao mesmo tempo, se ria desse pretensiosismo mas acrescenta “E, contudo, porque não? Fazia todo o sentido”.

14 May 2012

TÔMBOLA


















Elvis Costello & The Imposters - The Return Of The Spectacular Spinning Songbook

A 18 de Novembro do ano passado, no site www.elviscostello.com, era publicada uma “Mensagem pastoral do Reverendo Jimmy Quickly” – Costello, ele próprio, evidentemente – na qual, começando por lamentar não vivermos já o tempo em que cada novo disco de um músico era motivo de alegria e entusiasmo para os fãs, anunciava que o preço (₤176) afixado na edição “deluxe” de The Return Of The Spectacular Spinning Songbook (CD, DVD, EP de 10" em vinil, postal comemorativo autografado por Elvis Costello, um livro de 40 páginas com fotos, o diário de Costello com anotações de cada concerto da digressão, um poster de 20" x 30" e ainda um outro postal de edição limitada) só poderia ser “uma gralha tipográfica ou uma sátira”.



E aproveitava para sugerir, em alternativa e a preço muito mais simpático, a caixa de 10 CD, Ambassador of Jazz, de “one of the most beautiful and loving revolutionaries who ever lived – Louis Armstrong”, cuja música, em comparação com Spinning Songbook, “frankly, is vastly superior”. Ainda assim, avisava quem ainda não tivesse tratado de adquirir o Songbook através de meios “menos convencionais” que, em 2012, ele reapareceria a preço decente. Ei-lo, então, apenas com CD e DVD, exibindo a reencenação de 11 e 12 de Maio do ano passado (no Wiltern Theater, de Los Angeles) do modelo de concerto-com-tômbola-de-canções accionada por elementos do público, estreado no Revolver Tour, de 1986. E deve dizer-se que a tabela da indústria desta vez aplicada vale integralmente cada cêntimo: a ser saboreado em modo audiovisual (com magníficas imagens, alinhamento não inteiramente coincidente com o do CD e toda a vibração de palco) ou apenas pela via do canal auditivo, é Costello gloriosamente exuberante e a divertir-se tão seriamente como nós o fazemos agora.

08 April 2012

UMA VEZ NUM SÉCULO

 
















Punch Brothers - Who’s Feeling Young Now?

T-Bone Burnett, acerca dos Punch Brothers, não poupa palavras: “É uma das mais incríveis bandas que este país já produziu. Chris Thile, o bandolinista, é um daqueles músicos que aparecem uma vez num século, como Louis Armstrong”. Não é paleio de marketing, é mesmo para levar a sério. Pela solidíssima razão de que, como muito raramente acontece, perante Who’s Feeling Young Now?, é possível escrever a oh quão desejável frase, “nunca ouvi nada parecido”. E acrescentar-lhe, logo a seguir, um assaz apropriado “Uau!”. É verdade que, à primeira vista, se trata apenas de um tradicionalíssimo quinteto de "bluegrass" (esse subgénero da country germinado nas montanhas Apalaches, território selvagem de mestiçagens várias, onde terão até habitado os misteriosos afroportugueses, Melungeons), juntando ao bandolim de Thiele (cúmplice de Yo Yo Ma, Béla Fleck, Dolly Parton e Jack White) o violino de Gabe Witcher, o banjo de Noam Pikelny, a guitarra de Chris Eldridge e o contrabaixo de Paul Kowert.


O que já faz arregalar os ouvidos é darmo-nos conta de que esta gente, sem abdicar do virtuosismo próprio do género – mas, correcção: aqui é impossível falar de géneros! –, esborracha, sem cerimónias, os traços de identidade do que nos habituámos a chamar folk, jazz, clássica, contemporânea ou rock, desfibra implacavelmente "Kid A", dos Radiohead (como, na anterior encarnação, Nickel Creek, Thiele havia feito a 'Spit On A Stranger', dos Pavement), pulveriza "Flippen" dos suecos, Väsen, inventa as canções que Ray Davies (não) teria escrito com Kurt Weill ("Patchwork Girlfriend") ou que um Costello-"hillbilly" sofisticado assinaria de bom grado ("Hundred Dollars"), e pelo caminho, cria aquilo que, sem exagerar muito, foi descrito como “o resultado de complexos algoritmos introduzidos num processador interplanetário”.

04 December 2011

STEAL THIS RECORD!



A Pastoral Address From The Right Reverend Jimmy Quickly

There was a time when the release of a new title by your favourite record artist was a cause for excitement and rejoicing but sadly no more. 6th December 2011 sees the issue of “The Return Of The Spectacular Spinning Songbook” by Elvis Costello and the Imposters. This beautifully designed compendium contains all manner of whimsical scribblings, photographs and cartoons, together with some rock and roll music and vaudevillian ballads.

Tape and celluloid were rolling at the Wiltern Theater, Los Angeles in April this year and present a vivid snapshot of the early days of the Spectacular Spinning Songbook show on “The Revolver Tour” of 2011. The live recording finds the Imposters in rare form, while the accompanying motion picture blueprints the wilder possibilities of the show, as it made its acclaimed progress across the United States throughout the year.

Unfortunately, we at www.elviscostello.com find ourselves unable to recommend this lovely item to you as the price appears to be either a misprint or a satire. All our attempts to have this number revised have been fruitless but rather than detain you with tedious arguments about morality, panache and book-keeping - when there are really bigger fish to filet these days - we are taking the following unusual step.

If you should really want to buy something special for your loved one at this time of seasonal giving, we can whole-heartedly recommend, Ambassador Of Jazz - a cute little imitation suitcase, covered in travel stickers and embossed with the name “Satchmo” but more importantly containing TEN re-mastered albums by one of the most beautiful and loving revolutionaries who ever lived – Louis Armstrong.

The box should be available for under one hundred and fifty American dollars and includes a number of other tricks and treats. Frankly, the music is vastly superior. If on the other hand you should still want to hear and view the component parts of the above mentioned elaborate hoax, then those items will be available separately at a more affordable price in the New Year, assuming that you have not already obtained them by more unconventional means. (aqui)

(2011)

03 March 2008

NUM CERTO SENTIDO



Flat Earth Society - Isms

O mundo é um lugar pouco saudável. De onde, provavelmente, só se pode sair incólume praticando uma variedade de loucura mansa que consiste em conduzir o sentido de humor até ao extremo absoluto do "nonsense" radical sem nunca perder a compostura. Isto é, interiorizar a atitude-Monty Python não como género de comédia mas enquanto procedimento normal do dia-a-dia. Há quem o pratique de modo habitual e corrente. Por exemplo, os animadores das diversas "Flat Earth Societies" que pululam pela Net. Todas dedicadas, evidentemente, a demonstrar que a Terra não é esférica mas sim plana, se uma atribui a responsabilidade do "grande embuste" que, há séculos, nos "é impingido" a um tal de "Grigori Efimovich que o resto do mundo mais tarde viria a conhecer como Cristóvão Colombo" (Grigori Efimovich era o nome de Rasputine mas isso, claro, não interessa), outra, "através da investigação patafísica, da pesquisa empírica e da troca de ideias", defende que "a Terra é plana e tem cinco lados, todos os locais no universo chamados Springfield não passam de portais para uma dimensão superior e todas as afirmações são verdadeiras em determinado sentido, falsas em certo sentido, sem qualquer sentido num outro sentido, verdadeiras e falsas em ainda outro sentido, verdadeiras e sem sentido num certo sentido, falsas e sem sentido em algum sentido e verdadeiras, falsas e sem sentido noutro sentido".


(aerial dancing no festival de jazz de Vancouver de 2006;
em fundo, a Flat Earth Society)


Ainda que isto (em certo sentido) possa evocar o espírito e a letra de algumas campanhas eleitorais, imagino que não fosse exactamente nisso que os militantes da "Flat Earth" estivessem a pensar. Mas só pode ter sido numa idêntica lógica Lewis Carroll-com-anfetaminas que Peter Vermeersh estava a pensar quando baptizou como Flat Eart Society a sua big-band de dementes furiosos e iconoclastas belgas. Tentem visualizar uma violenta batalha campal entre, de um lado, Morricone, Sun Ra, Captain Beefheart e Stravinsky, comandados por John Zorn, e, do outro, a No Smoking Band de Kusturica, Frank Zappa, Bela Bartok e John Barry, sob as ordens de Carl Stalling. A estética geral será a da colisão frontal de dois TGV em velocidade máxima, o cenário é o do "Apocalypse Now Casino" a inaugurar em breve numa galáxia perto de si e acredite que está tudo bem (não, não está sofrer de alucinações visuais/auditivas) se vir as silhuetas de Nick Cave, Louis Armstrong ou Charles Bronson com a sua harmónica, numa conga-line, à frente de um desfile do dragão chinês, embalado pelo Bolero de Ravel. Mike Patton compilou e publicou. Estou francamente convencido que, num certo sentido, o mínimo que se pode chamar a isto é genial. (2005)