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26 July 2022
09 January 2018
PORTO DE ABRIGO
“Valparaíso, qué disparate eres, qué loco, puerto loco, qué cabeza con cerros, desgreñada, no acabas de peinarte, nunca tuviste tiempo de vestirte, siempre te sorprendió la vida, te despertó la muerte, en camisa, en largos calzoncillos con flecos de colores, desnudo con un nombre tatuado en la barriga” escreveu Pablo Neruda na “Ode a Valparaíso”, acerca do porto chileno que Joris Ivens e Chris Marker também filmaram (...À Valparaíso, 1963) e que Sergio Larrain, em 1991, fotografou. Foi da confluência de tudo isto – mas, em particular, a obra de Larrain que a fotógrafa Charlotte Krebs deu a conhecer a Hervé e Thierry Mazurel – que surgiu o nome e o conceito para o colectivo Valparaíso: “Esse lendário ponto de encontro de viajantes e marinheiros, porto de abrigo para piratas nos confins do mundo, lugar de exilados e desenraizados e de todas as mestiçagens, o imaginário do bas-fonds combinado com o exotismo do longínquo”, como explica Hervé Mazurel.
Na realidade, existia já um antecedente de recorte idêntico: The Fitzcarraldo Sessions (banda nascida das cinzas dos Jack The Ripper), que, em 2009, publicara We Hear Voices! e que, aos primos Mazurel, juntava Stuart Staples (Tindersticks), Joey Burns (Calexico), Blaine Reininger (Tuxedomoon), Craig Walker (Archive) e Phoebe Killdeer (Nouvelle Vague). Na reencarnação enquanto Valparaíso, entretanto, descobre-se uma outra variante da aristocracia indie franco-internacional: Dominique A, Howe Gelb (Giant Sand), Shannon Wright, Josh Haden (Spain), Rosemary Standley (Moriarty), de novo Phoebe Killdeer, as ondas Martenot de Christine Ott e, decisivamente, John Parish (produtor, guitarrista e cantor).
Sim, é absolutamente necessário falar dele: produtor de boa parcela da discografia de PJ Harvey, de um total de 157 álbuns (segundo o Discogs) em que desempenhou essa função, nomeadamente, dois dos melhores do ano passado – Moonshine Freeze, de This Is The Kit, e We Dissolve, de Chrysta Bell –, Parish é o género de controlador de qualidade que não faz questão de impor o seu carimbo sonoro, "à la" Martin Hannett ou Brian Eno. Atitude que, contudo, o confunde: “Levou-me bastante tempo a reconhecer que tinha uma estética própria. Dizia que me limitava a contribuir para que os discos soassem como os autores desejavam mas, após ter produzido tantos, não posso deixar de admitir que existem traços comuns”. Exactamente aqueles – o gosto pelos contrastes entre limpidez e aspereza, detalhismo e imperfeição, a admiração por Morricone, Nino Rota ou John Barry – que transformam Broken Homeland numa cinemática “invitation au voyage”, mas também uma espécie de intenso "western" fantasmático, em 13 episódios, numa Valparaíso imaginária.
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21 December 2016
MÚSICA 2016 - INTERNACIONAL (I)
(iniciando-se, de baixo para cima *, de um total de 26)
* a ordem é razoavelmente arbitrária...
13 December 2016
PARA DURAR
Na madrugada de 13 de Maio de 1988, o trompetista e cantor de jazz, Chet Baker, foi encontrado morto, em Amsterdão, sob a janela do seu quarto no Hotel Prins Hendrik, na Prins Hendrikkade, perto do Zeedijk, então, uma zona de tráfico de drogas e marginalidade, vizinha do "red-light district" de De Wallen e, hoje, artéria central da Chinatown local. No quarto 210 – daí em diante, designado como "The Chet Baker Room" –, sem nenhuma surpresa para quem o conhecia, havia cocaína e heroína. À esquerda da porta de entrada do hotel, seria afixada uma placa de bronze com um baixo-relevo de Baker tocando trompete e onde se lê “he will live on in his music for anyone willing to listen and feel”. Howe Gelb foi um dos que ouviram e sentiram. Definitivamente terminados os Giant Sand (“Between the exponential cubed expansion of the band to the sheer audacity of its three-decade lifespan, Giant Sand are now dead”), a gravação do 22º volume da sua discografia a solo iniciar-se-ia, não por acaso, em Amsterdão, no Fireball Studio.
O desafio era “escrever uma mão cheia de canções capazes de perdurar”, inspiradas nos standards de Cole Porter, Hoagy Carmichael, Monk ou Bacharach, “tal como Sinatra, Billie Holiday, Julie London ou Chet Baker os cantavam”. Por outras palavras, se Bob Dylan optou por publicar dois álbuns dedicados à interpretação de clássicos do American Songbook, Gelb preferiu criar os seus próprios Future Standards, contribuindo para adensar o enigma desse território que é “o lugar ideal para o confronto entre a cabeça e o coração, a razão e os impulsos inexplicáveis”. Recorrendo apenas a um trio de piano, contrabaixo e bateria (e ocasional guitarra) a aconchegar a voz dele e da mui julielondoniana Lonna Kelley, Howe Gelb, interiorizou, de facto, com inteiro sucesso, aquele espírito "late night" – a que o Tom Waits inicial deu corpo e chamou Closing Time – e a “science of love revealed and reveled, the celebration and the lament”, como se, por um instante no tempo (enquanto cantam improbabilidades tais que “Let the others spend all their whiling contemplating the apropos”), se tivessem deixado habitar, em simultâneo, pela lânguida névoa "loungey" de London e a quase imaterialidade do sopro vocal de Baker, aqui e ali, irremediavelmente tocados pelas insondáveis trevas de Cohen.
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05 October 2011
04 September 2007
EM LOUVOR DO DESVIO

Mirah & Spectratone International - Share This Place: Stories And Observations

Ray’s Vast Basement - Starvation Under Orange Trees

Holly Golightly & The Brokeoffs - You Can’t Buy A Gun When You’re Crying
Um pequeno desvio do ângulo de visão. Uma alteração de regras, mais ou menos invisível, a meio do jogo. Ou um discreto puxar de tapete debaixo dos pés. Muitas vezes, é quanto basta para introduzir o efeito de perturbação necessário, capaz de fazer chocalhar de modo produtivo os neurotransmissores que se ocupam dos processos criativos. O que, de modo completamente diferente em cada um, aconteceu nestes três álbums, comprovando bastante satisfatoriamente a tese. De Mirah – aliás, Mirah Yom Tov Zeitlyn de seu nome completo – esperar-se-ia qualquer coisa que, mesmo com heterodoxias como o seu album de canções “militantes” (To All We Stretch The Open Arm, 2004) de Weill, Dylan, Cohen, Foster e outros, não andasse demasiado longe da sua variante de “folk-indie”, tal como a K Records, de Olympia, Washington, a reconhece e aprova. E, sendo Mirah quem é, até não seria nada mau. É aqui, então, que devemos enviar os nossos entusiasmados agradecimentos ao Institute for Contemporary Art de Portland que, tendo-lhe dirigido a encomenda de um ciclo de 12 canções a ser estreado no International Children’s Festival de Seattle, em Maio passado, lhe ofereceu a possibilidade de gravar este mui excelente Share This Place, improvável álbum conceptual sobre… a vida dos insectos.
Saudemos, pois, o nascimento da folk-entomológica e corrijamos a saudação já de seguida: não só a música que Kyle Hanson (acordeão), Lori Goldston (violoncelo) – ambos ex-Black Cat Orchestra que acompanhara Mirah em To All We Stretch…) – Jane Hall (percussão) e Kane Mathis (alaúde árabe) executam deve muito pouco ao convencional cânone folk e imenso a uma rica dieta transcultural de “early music”, cabaret, klezmer e arabismos vários, como os textos de Mirah (inspirados na obra do entomologista francês do século XIX, Jean-Henri Fabre e na Insect Play do checo Karel Čapek), em plano picado sobre este microcosmos de rituais de acasalamento, metamorfoses, organismos colectivos e estratégias de sobrevivência, não fugindo ao tema, falam tanto sobre minúsculas criaturas quitinosas de seis patas como acerca de lamentáveis humanos de apenas duas, em esclarecedoras parábolas e interpelações inter-espécies de que “Community” é um óptimo exemplo: ”We communicate with chemicals but this is not as you might think just mechanical, it’s an expressive art, instinctually smart, secretions quiet and dependable”.
Starvation Under Orange Trees sobe um bocadinho na taxonomia e ocupa-se de ratos e homens. Mais exactamente de Of Mice And Men, o romance de John Steinbeck adaptado para o palco pelo Actors Theatre de S. Francisco. Entra (literalmente) em cena Jon Bernson – inventor do ficcional Ray’s Vast Basement, lugar imaginário na topografia alternativa de Drakesville –, alma gémea de Jeff Tweedy (Wilco), Willy Vlautin (Richmond Fontaine) ou Howe Gelb e neto hipotético de Randy Newman, ansioso por confessar que “Steinbeck é um dos meus músicos preferidos: nem sempre lhe compreendo os textos mas as suas melodias valem ouro”.
Naturalmente, o desafio de compor uma banda sonora para o Actors Theatre pareceu-lhe valer platina (a verdadeira, não a dos “discos de”) e, esquivando-se à tentação de macaquear o “dustbowl realism” de Woody Guthrie ou do Ghost Of Tom Joad, de Springsteen, na transposição para o álbum, ampliou o espectro de referências a diversas personagens e circunstâncias de outras obras de Steinbeck como Tortilla Flat, Cannery Row, Grapes of Wrath ou East Of Eden. Sobrevivem fragmentos de música incidental que funcionam enquanto tecido conjuntivo na articulação das canções e atribuem uma certa dimensão cinemática a um universo musical que reinventa a tradição folk/blues/country/jazz e, simultaneamente (com a participação de Nate Query, dos Decemberists, e Enzo Garcia, da banda de Jolie Holland), a faz disparar para coordenadas não muito afastadas do Morricone mais libertário.
Holly Golightly & The Brokeoffs (isto é, Holly Golightly e a personagem que responde pelo nome de Lawyer Dave) aplicam-se numa outra ficção: reencenar a música da América profunda, aquela com esterco agarrado às botas, terra nas unhas, os blues do Delta a temperar o bourbon e rockabilly encardido a escorrer do jukebox num honky-tonk insalubre. A mais que perfeita música ambiente desenhada por medida para a Tarantinoland que, um dia, virá a ser inevitavelmente edificada sob direcção artística de Tom Waits. Sim, mas onde o desvio em You Can’t Buy A Gun When You’re Crying? Holly Golightly, nativa do East Sussex, UK, é tão britânica como a “steak and kidney pie”. (2007)

Mirah & Spectratone International - Share This Place: Stories And Observations

Ray’s Vast Basement - Starvation Under Orange Trees

Holly Golightly & The Brokeoffs - You Can’t Buy A Gun When You’re Crying
Um pequeno desvio do ângulo de visão. Uma alteração de regras, mais ou menos invisível, a meio do jogo. Ou um discreto puxar de tapete debaixo dos pés. Muitas vezes, é quanto basta para introduzir o efeito de perturbação necessário, capaz de fazer chocalhar de modo produtivo os neurotransmissores que se ocupam dos processos criativos. O que, de modo completamente diferente em cada um, aconteceu nestes três álbums, comprovando bastante satisfatoriamente a tese. De Mirah – aliás, Mirah Yom Tov Zeitlyn de seu nome completo – esperar-se-ia qualquer coisa que, mesmo com heterodoxias como o seu album de canções “militantes” (To All We Stretch The Open Arm, 2004) de Weill, Dylan, Cohen, Foster e outros, não andasse demasiado longe da sua variante de “folk-indie”, tal como a K Records, de Olympia, Washington, a reconhece e aprova. E, sendo Mirah quem é, até não seria nada mau. É aqui, então, que devemos enviar os nossos entusiasmados agradecimentos ao Institute for Contemporary Art de Portland que, tendo-lhe dirigido a encomenda de um ciclo de 12 canções a ser estreado no International Children’s Festival de Seattle, em Maio passado, lhe ofereceu a possibilidade de gravar este mui excelente Share This Place, improvável álbum conceptual sobre… a vida dos insectos.
Saudemos, pois, o nascimento da folk-entomológica e corrijamos a saudação já de seguida: não só a música que Kyle Hanson (acordeão), Lori Goldston (violoncelo) – ambos ex-Black Cat Orchestra que acompanhara Mirah em To All We Stretch…) – Jane Hall (percussão) e Kane Mathis (alaúde árabe) executam deve muito pouco ao convencional cânone folk e imenso a uma rica dieta transcultural de “early music”, cabaret, klezmer e arabismos vários, como os textos de Mirah (inspirados na obra do entomologista francês do século XIX, Jean-Henri Fabre e na Insect Play do checo Karel Čapek), em plano picado sobre este microcosmos de rituais de acasalamento, metamorfoses, organismos colectivos e estratégias de sobrevivência, não fugindo ao tema, falam tanto sobre minúsculas criaturas quitinosas de seis patas como acerca de lamentáveis humanos de apenas duas, em esclarecedoras parábolas e interpelações inter-espécies de que “Community” é um óptimo exemplo: ”We communicate with chemicals but this is not as you might think just mechanical, it’s an expressive art, instinctually smart, secretions quiet and dependable”.
Starvation Under Orange Trees sobe um bocadinho na taxonomia e ocupa-se de ratos e homens. Mais exactamente de Of Mice And Men, o romance de John Steinbeck adaptado para o palco pelo Actors Theatre de S. Francisco. Entra (literalmente) em cena Jon Bernson – inventor do ficcional Ray’s Vast Basement, lugar imaginário na topografia alternativa de Drakesville –, alma gémea de Jeff Tweedy (Wilco), Willy Vlautin (Richmond Fontaine) ou Howe Gelb e neto hipotético de Randy Newman, ansioso por confessar que “Steinbeck é um dos meus músicos preferidos: nem sempre lhe compreendo os textos mas as suas melodias valem ouro”.
Naturalmente, o desafio de compor uma banda sonora para o Actors Theatre pareceu-lhe valer platina (a verdadeira, não a dos “discos de”) e, esquivando-se à tentação de macaquear o “dustbowl realism” de Woody Guthrie ou do Ghost Of Tom Joad, de Springsteen, na transposição para o álbum, ampliou o espectro de referências a diversas personagens e circunstâncias de outras obras de Steinbeck como Tortilla Flat, Cannery Row, Grapes of Wrath ou East Of Eden. Sobrevivem fragmentos de música incidental que funcionam enquanto tecido conjuntivo na articulação das canções e atribuem uma certa dimensão cinemática a um universo musical que reinventa a tradição folk/blues/country/jazz e, simultaneamente (com a participação de Nate Query, dos Decemberists, e Enzo Garcia, da banda de Jolie Holland), a faz disparar para coordenadas não muito afastadas do Morricone mais libertário.
Holly Golightly & The Brokeoffs (isto é, Holly Golightly e a personagem que responde pelo nome de Lawyer Dave) aplicam-se numa outra ficção: reencenar a música da América profunda, aquela com esterco agarrado às botas, terra nas unhas, os blues do Delta a temperar o bourbon e rockabilly encardido a escorrer do jukebox num honky-tonk insalubre. A mais que perfeita música ambiente desenhada por medida para a Tarantinoland que, um dia, virá a ser inevitavelmente edificada sob direcção artística de Tom Waits. Sim, mas onde o desvio em You Can’t Buy A Gun When You’re Crying? Holly Golightly, nativa do East Sussex, UK, é tão britânica como a “steak and kidney pie”. (2007)
Labels:
Dylan,
Holly Golightly,
Howe Gelb,
John Steinbeck,
Jolie Holland,
Kurt Weill,
Leonard Cohen,
Mirah,
Morricone,
Randy Newman,
Ray's Vast Basement,
Richmond Fontaine,
Springsteen,
Woody Guthrie
03 April 2007
Neko Case- Blacklisted

Foi em A New Coat Of Paint — um francamente medíocre álbum de homenagem a Tom Waits de 2000 — que, pela primeira vez, escutei Neko Case. Numa colecção de versões que nem sequer se esforçava muito por estar à altura do tornozelo do homenageado, o "Christmas Card From A Hooker In Minneapolis", de Neko Case (juntamente com Lydia Lunch em "Heartattack And Vine", Sally Norvell em "Please Call Me, Baby", Carla Bozulich em "On The Nickel" e Eleni Mandell em "Muriel"), era uma das bastante poucas manifestações de talento e individualidade de uma gravação que valia só pelo contingente feminino. E, por acaso, delas todas, era, de longe a melhor.

Blacklisted, o seu terceiro álbum e primeiro a ser distribuido em Portugal, é aquilo a que, em rigor, é obrigatório chamar "uma revelação". Um catalogador preguiçoso designá-lo-ia como "alt.country" e, logo a seguir, mereceria ser fuzilado. Porque não só é muito mais do que isso como, na verdade, é o género de música que deveria ter jorrado em permanência do juke-box no bar de Twin Peaks ou que poderia servir de banda sonora para um álbum de fotografias de Robert Frank:
melodias memoravelmente assombradas, guitarras em registo "twangy" — pensem em Nick Cave cruzado com Badalamenti —, atmosferas "noir" a trespassar os textos ("Fluorescent lights engage like birds frying on a wire, same birds that followed me to school when I was young, were they trying to tell me something, were they telling me to run?"), a brigada Giant Sand/Calexico (Howe Gelb, Joey Burns, John Convertino) a desenhar os cenários e, sobre tudo isso, a fabulosa voz de Neko, uma espécie de Kristin Hersh com muito mais estrogénios, a apresentar a candidatura a Patsy Cline do novo milénio. Até porque o caldo de cultura é sensivelmente o mesmo, recomenda-se a escuta antes ou depois de The Listener, de Howe Gelb. E é deveras difícil dizer qual dos dois é mais indispensável. (2003)

Foi em A New Coat Of Paint — um francamente medíocre álbum de homenagem a Tom Waits de 2000 — que, pela primeira vez, escutei Neko Case. Numa colecção de versões que nem sequer se esforçava muito por estar à altura do tornozelo do homenageado, o "Christmas Card From A Hooker In Minneapolis", de Neko Case (juntamente com Lydia Lunch em "Heartattack And Vine", Sally Norvell em "Please Call Me, Baby", Carla Bozulich em "On The Nickel" e Eleni Mandell em "Muriel"), era uma das bastante poucas manifestações de talento e individualidade de uma gravação que valia só pelo contingente feminino. E, por acaso, delas todas, era, de longe a melhor.

Blacklisted, o seu terceiro álbum e primeiro a ser distribuido em Portugal, é aquilo a que, em rigor, é obrigatório chamar "uma revelação". Um catalogador preguiçoso designá-lo-ia como "alt.country" e, logo a seguir, mereceria ser fuzilado. Porque não só é muito mais do que isso como, na verdade, é o género de música que deveria ter jorrado em permanência do juke-box no bar de Twin Peaks ou que poderia servir de banda sonora para um álbum de fotografias de Robert Frank:
melodias memoravelmente assombradas, guitarras em registo "twangy" — pensem em Nick Cave cruzado com Badalamenti —, atmosferas "noir" a trespassar os textos ("Fluorescent lights engage like birds frying on a wire, same birds that followed me to school when I was young, were they trying to tell me something, were they telling me to run?"), a brigada Giant Sand/Calexico (Howe Gelb, Joey Burns, John Convertino) a desenhar os cenários e, sobre tudo isso, a fabulosa voz de Neko, uma espécie de Kristin Hersh com muito mais estrogénios, a apresentar a candidatura a Patsy Cline do novo milénio. Até porque o caldo de cultura é sensivelmente o mesmo, recomenda-se a escuta antes ou depois de The Listener, de Howe Gelb. E é deveras difícil dizer qual dos dois é mais indispensável. (2003)
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