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03 November 2024

"Patterns"
 
(sequência daqui) Na verdade, não será exactamente assim. Quando Sir Charles William Somerset Marling (o tal 5º baronete de Marling), mal Laura tinha completado 6 anos, se dispôs a ensinar-lhe os rudimentos da guitarra acústica, a primeira canção que aprendeu foi "The Needle And The Damage Done", de Neil Young, mais uma lista de TPC que incluía Bert Jansch e James Taylor e, hoje, se estende até Townes van Zandt e ajoelha perante o intocável Leonard Cohen ("Cohen foi um poeta de extraordinária elegância, um dos raros realistas-românticos, um género a que fui buscar inspiração para as minhas ainda curtas vida e carreira. O universo lírico dele é tão intenso, melancólico e solitário... mas, crucialmente, nunca isolado. É um 'storytelling' moderno, uma turbulência romântica adulta. Sempre o imaginei com 30 e tal anos, de fato completo, sempre olhando amavelmente para o mundo, interrogando-se sobre como caminhar nele, reflectindo sobre a sua última paixão e guardando espaço no coração para a seguinte"). Foi essa a Laura Marling que, aos 16 anos, trocou o Hampshire por Londres, mais exactamente pela nu-folk scene - Johnny Flynn, Mumford & Sons ou Noah & The Whale - que, na segunda metade dos anos 00, fervilhava no microscópico clube Bosun’s Locker, em Fulham. Porém, a pálida musa que, um atrás do outro, foi despedaçando corações no pequeno oásis folk, a partir de determinado ponto, sentiu-se desconfortável com o colectivismo instituido: "Tocar com toda a gente, ao mesmo tempo, tornava tudo demasiado homogéneo. Tinha de fazer coisas diferentes. Senti que a minha música estava a ficar igual à de todos os outros e queria que, para mim, ela fosse especial. Não era capaz de funcionar dentro de um gang, tinha um grande ego. Desejava ser única". (segue para aqui)

04 September 2018

UM DISCO DO CORPO


Cinco anos depois de One Breath, Anna Calvi publica o terceiro álbum, Hunter. Um quase-manifesto “queer e feminista” acerca do qual afirmou tê-lo desejado “primitivo e belo, vulnerável e forte, o caçador e a presa”, uma arma “tranquilamente audaciosa e provocante” nas políticas de género. Com guitarras incendiárias e a participação de Adrian Utley (Portishead) e Martin P. Casey (Bad Seeds).

    Dos seus dois primeiros álbuns para este Hunter, sinto que existem diferenças mas, por enquanto, não sou capaz de as identificar exactamente. Pode dar-me uma ajuda? 

Pretendi criar algo que fosse mais visceral, animal e selvagem e menos cerebral, textos mais imediatos e muito concentrados na ideia de conduzir até ao extremo o contraste entre as sensações de força e poder e de vulnerabilidade e intimidade. Provavelmente, de uma forma bastante mais deliberada do que, até aqui, tinha feito. 

    Numa entrevista recente, declarou que o que buscava era “a simplicidade, algo que fosse tranquilamente audacioso e tranquilamente provocante”... é isso?

Sim, embora, por vezes, não seja assim tão tranquilo mas mais livre e extrovertido... No entanto, por exemplo, numa canção como "Hunter", essa ideia que referiu aplica-se perfeitamente. Tudo isto, na verdade, já acontecia nos dois álbuns anteriores. Simplesmente, agora, desejei que tudo isso surgisse com uma muito maior definição.

    A sua ideia de encarar cada canção como um mini-filme manteve-se em Hunter ou abdicou dela a favor dessa ambição de tornar tudo mais directo e incisivo? 

Não, não foi por aí, nada disso se alterou. Apenas desejei alcançar a máxima nitidez possível.


     Descreve Hunter como “um álbum queer e feminista” que lhe permitiu “exprimir-se livremente e sem se preocupar com o modo como poderá ser julgada acerca do que deveria fazer com o seu corpo”. Pode dizer-se, então que, no centro deste disco, existe uma agenda de políticas de género?

Não se trata de impôr uma agenda mas de fazer passar a ideia de que não devemos sentir-nos obrigadas a assumir os estereótipos femininos mas sim explorarmos tudo aquilo que uma mulher pode realmente ser em vez daquilo que nos dizem que ela deverá ser. A personagem de "Hunter", por exemplo, procura o prazer sem qualquer espécie de vergonha. A nossa cultura está impregnada de fantasmas de mulheres enquanto objectos de caça dos homens. Quis inverter os papéis: a mulher como caçadora que se apodera da sua presa, masculina ou feminina. Basta de tolerância em relação aos limites que, supostamente, definiriam como uma mulher se deve comportar. Por que motivo haveria de aceitá-los apenas por causa da minha anatomia?...

    Tal como a St. Vincent/Annie Clarke, a Shara Worden (de My Brightest Diamond), a Regina Spektor ou a Julia Holter, a Anna faz parte de um grupo de músicas e "songwriters" contemporâneas que tiveram uma formação musical clássica: estudou violino e guitarra na Universidade de Southampton. Isso teve alguma influência determinante na música que viria a compor e tocar mais tarde?

Aquilo que estudar violino me fez, essencialmente, compreender é que é uma aprendizagem tão tremendamente dura que é indispensável uma dedicação total para que o resultado valha verdadeiramente a pena.

    Mas, para além disso, contribuiu, de alguma forma para lhe proporcionar algum tipo de modelos musicais? 

Não. Quando escrevo canções, nunca o faço de um ponto de vista racional ou teórico. É um processo puramente emocional. E, muito particularmente neste álbum, quis afastar-me por completo de uma atitude demasiado pensada: é muito mais um disco do corpo do que da cabeça.


    Pode dizer-se que se esforçou deliberadamente por esquecer o que aprendeu na universidade? 

Não foi um esforço deliberado. Mas o mais importante que guardei da minha passagem pela escola de música foi apenas a possibilidade de escutar tanta música diferente e a que, de outra forma, se calhar nunca poderia ter tido acesso. 

    No início, antes do seu primeiro álbum (2011), apareceu mais ou menos incluída naquilo que ficou conhecido como a cena "nu-folk" londrina da altura. Gravou com Johnny Flynn e com os Mumford & Sons e teve uma banda, Cheap Hotel. Foram passos importantes?

Se quer que lhe diga, são coisas em que, agora, nunca penso. Na altura, claro que foram experiências importantes através das quais aprendi uma série de coisas. Mas, depois, segui em frente e, nesta altura, não são muito mais do que memórias vagas. 

    Há quatro anos, quando co-escreveu uma canção – "Falling Back" – com Marianne Faithful para o álbum dela Give My Love To London, confessou que, sendo o processo de composição para si, uma coisa tão íntima e privada, nunca supôs que, desse encontro com ela em Paris, pudesse surgir alguma coisa... mas, em 20 minutos tinham a canção concluída! 

É verdade, procuro sempre o máximo de solidão e de privacidade quando componho. Por isso, fiquei absolutamente espantada com o à vontade que a Marianne demonstrou para escrever uma canção na companhia de uma pessoa que não conhecia de lado nenhum e ser capaz de confiar nela. É, na verdade, uma mulher incrível. 


    Nick Cave e Brian Eno cobriram-na de elogios quando publicou o primeiro álbum, tendo Eno afirmado que era o acontecimento musical mais importante desde o aparecimento de Patti Smith. Esse tipo de comparações é-lhe desconfortável?

Suponho que o Brian Eno estava apenas a exprimir a sua admiração pelo meu trabalho e estou-lhe grata por isso. Quando se compara um artista com outro, penso que isso, realmente, não é importante, não o afecta. Compreendo que, por vezes, é necessário utilizar palavras e associações de ideias como referências para descrever uma música a quem ainda não a escutou . Não me incomoda nada.

    A participação de Adrian Utley (Portishead) e Martin P. Casey (Bad Seeds) neste álbum obedeceu a algum objectivo especial? 

Foi uma resposta a necessidades específicas e a aspectos particulares que me interessavam. Por exemplo, não desejava que se escutassem demasiados instrumentos de cordas reais. Os sintetizadores sempre me soaram como instrumentos orquestrais e acho que o que o Adrian consegue realizar com eles é muito interessante e exactamente aquilo que fazia falta às músicas. Desta vez, também precisava de um baixista e foi o Nick Launay (o produtor) que sugeriu o Martin que é um músico extraordinário. 

    Enquanto guitarrista, quem foram os seus modelos? 

Sempre tive a maior admiração por Jimi Hendrix desde que vi e ouvi os registos dele no festival de Woodstock. Foi uma inspiração e um modelo que nunca mais me saiu da cabeça e a que, de uma forma ou de outra, acabo sempre por regressar. 

    Trocou o violino pela guitarra e nunca mais voltou a pegar nele como instrumento solista... 

Não, ainda o toquei em alguns arranjos do primeiro álbum mas, como solista, nunca mais lhe peguei. É preciso estudar e praticar sem interrupções e, uma vez que se pare, é muito difícil recuperar o que, entretanto, se perdeu. 

    Um dos meus grandes sonhos seria poder vê-la, em concerto e/ou em disco, juntamente com a St. Vincent, outra fabulosa guitarrista actual... Há alguma hipótese?...

(risos) Nunca se sabe... tudo pode acontecer, embora não haja planos, de momento. Conheço a Annie, é uma óptima pessoa e uma música excelente... logo se verá. 

    Vou, então, interpretar isso como uma promessa... 

(risos)

09 July 2015

PEGADAS


Shirley Collins tinha 24 anos quando, em 1959, acompanhou, o folclorista norte-americano, Alan Lomax (desde 1950 exilado em Londres devido à caça às bruxas mccarthysta), numa expedição aos EUA para recolha e gravação de música tradicional – blues, bluegrass, folk –, através da Virginia, Arkansas, Kentucky, Alabama e Mississippi. A atmosfera familiar proletária, em Hastings, tinha-a educado no gosto pelo conhecimento e interpretação do reportório folk britânico mas seria após essa viagem e a verificação in loco de como as formas tradicionais se transformavam na travessia do Atlântico, que Shirley se lhe entregaria, por inteiro. Primeiro com o lendário guitarrista Davy Graham (Folk Roots, New Routes, 1964), depois, com a irmã, Dolly, e músicos do Early Music Consort, de David Munrow, em Anthems In Eden (1969) e Love, Death And The Lady (1970), e, em No Roses (1971), acompanhada por elementos dos Fairport Convention, Albion Band, Watersons e Young Tradition, tornar-se-ia figura central do "folk revival" e, a seguir, do felicíssimo matrimónio entre tradição, “música antiga” e rock eléctrico. 



Retirada desde 1978 quando começou a sofrer de disfonia, isso não impediu que se mantivesse activíssima enquanto "folk scholar" nem que tenha sido, regularmente, “redescoberta” por músicos de gerações posteriores. Shirley Inspired..., álbum triplo, comprova-o mais uma vez: destinado a financiar um documentário sobre Collins – The Ballad Of Shirley Collins –, reúne 45 músicos e bandas dedicados a reinterpretar parte substancial do seu reportório e, como seria inevitável em tamanho baú, nem tudo são pedras preciosas. Mas, na impossibilidade de referir todas, há que puxar devidamente o lustro aos contributos de Lee Ranaldo, Meg Baird, Sally Timms &The Mini Mekons, Rozi Plain e Bonnie Prince Billy, exemplos superiores da arte da desconfiguração, fazer vénia perante os melhores alunos da turma, Trembling Bells, Owl Service, Ulver, Johnny Flynn e Graham Coxon, e recordar as palavras de Shirley ao “Guardian”: “Cantar estas canções é-me tão essencial como caminhar pela paisagem do Sussex onde as pegadas dos nossos antepassados estão por todo o lado. São a história indiscutivelmente bela e poderosa de uma comunidade”.

25 November 2012

NO LONGER "NU"


















Mumford & Sons - Babel 

Quem conhece a natureza profunda da coisa pop (em considerável medida, pura superfície) nunca leva demasiado a sério as sucessivas "scenes" que ela, periódica e impassivelmente, pare. Do "merseybeat" ao "shoegaze", de Bristol a Seattle, do "britpop" à "new wave of new wave", do "freak"/"psych"/"free folk" ao "nu-folk", após a conclusão do canónico processo de descoberta, frenético "hype" e inevitável demolição final, já terá sido motivo de desmedido contentamento, se, de cada uma delas, tiver emergido um par de talentos razoáveis ou, vá lá, com muita sorte, um pequeno génio. O que, na realidade, com maior ou menor pressão dos mecanismos de selecção natural e êxito variável, até tem acontecido. 



No caso do "nu-folk" londrino ("scene" antiquíssima, de há cinco anos), tudo foi excepcionalmente promissor: The First Days Of Spring (2009), dos Noah & The Whale, era óptimo, Been Listening (2010), de Johnny Flynn, não lhe ficava atrás, Sigh No More (2009), dos Mumford & Sons, inventava uns Pogues com menor teor alcoólico e mais adrenalina épica, Laura Marling, com Alas I Cannot Swim (2007), I Speak Because I Can (2010), e A Creature I Don’t Know (2011), reivindicava todas as passadeiras vermelhas e de Emma-Lee Moss (aliás, Emmy the Great), Eugene McGuinness e demais frequentadores do Bosun’s Locker, de Fulham, e da Big Chill House, de King’s Cross, aguardavam-se proezas não menores. Porém, Last Night On Earth (2011), dos Noah, surgiu, decepcionantemente débil, dos outros, continua-se à espera, e, agora, sobre Babel, dir-se-ia serem as "outtakes" de Sigh No More que, há três anos, foram, justificadamente, preteridas: molde idêntico mas a pender (já?) para a produção em série. Nada de grave, no fundo, se, por fim, apenas restar a belíssima Laura Marling.

20 September 2011

"THE WATER"


Johnny Flynn & The Sussex Wit



Laura Marling



Johnny Flynn & Laura Marling

(2011)

03 May 2011

ATÉ AO SILÊNCIO




















The Unthanks - Last

A gravura da capa de Last (informam as Unthanks, no "booklet") é uma ilustração de Winslow Homer – artista americano que viveu durante dois anos em Inglaterra pintando os pescadores do Nordeste –, para uma edição da “Harper’s Weekly”, de 1863. E, numa entrevista, explicaram que se trata do seu equivalente para “aquela tremenda capa com o comboio a vapor de Modern Life Is Rubbish, dos Blur”. É o género de confissão que, dando ar de coisa apenas trivial, ajuda a compreender mais profundamente a essência do grupo das manas Rachel e Becky e, de facto, a sintetiza em pouquíssimas palavras – imagem “antiga” (de baile galante) como moldura visual para uma colecção de canções tradicionais e contemporâneas que, se não repete que “a vida moderna não presta”, deixa (nas palavras de Adrian McNally, referindo-se à sua canção-título e único original do disco) uma outra interrogação bem mais inquietante: “A intenção não é afirmar quão maravilhoso foi o passado mas perguntar por que motivo o futuro não parece nada brilhante”.



A verdade é que, nos últimos anos, o futuro nunca foi tão risonho como agora para a música de raiz tradicional britânica, com conquista de troféus e nomeações para shortlists dos Brit Awards e do Mercury Prize a medalhar currículos. Tanto na variante "nu-folk" (a dos Mumford & Sons, Laura Marling, Johnny Flynn e cúmplices vários,) como no nicho quase privativo que as Unthanks delimitaram para si sem que isso as impedisse de viajar até à Etiópia com Damon Albarn integradas na última expedição do “Africa Express” (iniciativa de ecumenismo "world-music" criada pelo ex-Blur), de colaborar com Colin Firth (e, entre muitos outros, Ben Kingsley, Rupert Everett, Arundhati Roy e Laura Marling) no documentário/espectáculo de palco, The People Speak, de participar, juntamente com Adrian Utley, dos Portishead, numa recriação da Beggar’s Opera, dirigida por Charles Hazlewood, ou de se apresentarem na Union Chapel, de Londres, com um reportório exclusivamente constituído por canções de Robert Wyatt e Antony Hegarty. Mas, mesmo que, provavelmente, não desconhecendo aquilo que Bernard Shaw dizia acerca da capacidade de aprendizagem da espécie (“Na História, aprendemos que o homem nunca aprende nada com a História”), persistindo sempre numa espécie de pedagogia assente na sedução da música tradicional e das outras que para esse território conduzem.



No anterior e magnífico Here’s The Tender Coming (2009), o murro no estômago era "The Testimony Of Patience Kershaw", relato aterrador sobre a exploração selvagem dos operários mineiros do penúltimo século. Aqui, em cenário idêntico, os sete minutos de "Close The Coalhouse Door", em registo folk revisto por Steve Reich d’après Satie, ampliam o pesadelo até ao limite do tolerável. Até aí, entretanto, repetindo o bom hábito de transfigurar reportório alheio, envolvem de fumo, neblina e brocado de cordas ‘"No One Knows I’m Gone", de Tom Waits, como se Alice Liddell fosse uma "lassie" da Northumbria; delicadamente, quase perversamente, adensam ainda mais as trevas (“Sundown dazzling day, gold through my eyes, but my eyes turned within, only see starless and bible black”) de "Starless", dos King Crimson; e, do fúnebre lamento de "Give Away Your Heart" à sobrenatural assombração de "Gan To The Kye", passo a passo, reduzem ao silêncio o universo à volta.

(2011)

02 July 2010

A MEETING OF MINDS IN THE NU-FOLK REVOLUTION



"With Laura Marling, Noah and the Whale and Mumford & Sons among its alumni, west London's informal school of folk is known for regularly producing popular, talented young singers and songwriters. Members of the aforementioned bands used to play together at the Bosun's Locker on the King's Road, until that venue closed. For the last two and a half years, however, their regular meeting place has been the monthly Communion night at Notting Hill Arts Club.



Founded by Mumfords keyboard player Ben Lovett, Mumfords producer Ian Grimble, and Kevin Jones, the bassist with Cherbourg, the night has now evolved into a record label and produced its first limited edition Communion compilation album. 'Communion allows people to play gigs in a friendly environment and try new things out', says Jones. 'And it's become a close-knit community of musicians swapping ideas – as well as a good place to find a banjo player if you need one. We liked the idea of documenting all that with a record'". (aqui)

(2010)

30 June 2010

JOHNNY FLYNN - CONCERTO DE HOMENAGEM A SANDY DENNY



(2010)
A SAIR DO VIVEIRO



Johnny Flynn - Been Listening

E, pela terceira vez este ano, tropeçamos naquilo que, de agora em diante, só poderá ser designado como o efeito-Laura Marling. Mas, antes de aí chegarmos, permitam-me um ligeiro recuo histórico e a indispensável contextualização. Londres, 2007: no já desaparecido Bosun’s Locker, de Fulham, e na Big Chill House, um bar de King’s Cross, encontrava-se, regularmente, um grupo de gente francamente imberbe mas perdidamente apaixonada pela mitologia folk, que incluía Emma-Lee Moss (futura Emmy the Great), Marcus Mumford, Laura Marling, integrantes avulsos dos Noah & The Whale, Johnny Flynn, Eugene McGuinness... aquele exacto tipo de genealogia intrincada e arriscadamente incestuosa que – por mais do que uma boa razão –, apesar de ainda em estado embrionário, ameaça poder vir a ser a única competição à altura para a que descobrimos (e nos obriga a profunda concentração) sempre que procuramos as relações “familiares” dos clãs Fairport Convention/Steeleye Span.



Caso vos interesse investigar o assunto, no “Independent” de 6 de Fevereiro do ano passado, Tim Walker ensaiava uma primeira "rota das pedrinhas" do que já é conhecido como a "nu-folk scene", viveiro de diversas notabilidades indie em ascensão (conferir acima) e de outras na rampa de lançamento. "Scene" que os respectivos protagonistas, obviamente, se apressam a negar que exista (“É o tipo de caracterização que me dá arrepios: parece uma história elitista de candidatos a figuras 'cool'. Somos uma comunidade musical aberta”, rosna Johnny Flynn) e perante a qual os inevitáveis defensores da “autenticidade” se irritam, não levando a bem que putos de sotaque "posh" se atrevam a reinvindicar como sua a sacrossanta tradição.



Laura Marling, então. A mesma ninfeta que – em modo coração-despedaçado – inspirou The First Days Of Spring, dos Noah & The Whale, a musa de Marcus Mumford em Sigh No More, dos Mumford & Sons, a autora dos óptimos Alas I Cannot Swim (2007) e I Speak Because I Can (2010) e motivo para alusão, sob forma de anagrama, no título da estreia de há dois anos, de Johnny Flynn, A Larum (aliás, Laura M). E, ainda que apenas numa única canção ("The Water"), ei-la também presente em Been Listening, a simultânea confirmação de que a "nu-folk scene" londrina é algo de bem mais promissor que o "free-folk" transatlântico e de que Johnny Flynn – sul-africano de nascimento, actor shakespeareano, poeta, 27 anos – é, com toda a certeza, um dos "nu-folkers" a que vai ser obrigatório prestar atenção. Porque o que “ele tem andado a ouvir” e transparece, já muito satisfatoriamente digerido, é tanto a riquíssima herança dos Thompsons, Hutchings e Carthys como, naturalmente, aquela mais recente de Morrissey ou Jeff Buckley, rasgadas por uma ou duas labaredas da guitarra de Anna Calvi. Milagrosamente, sem qualquer sombra de atrito, incompatibilidade ou razão para suspeita de manobra calculada, num magnífico álbum que contém onze das mais perfeitas canções que, este ano, iremos poder escutar.

(2010)