Morrissey & Siouxsie - "Interlude"
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22 October 2024
28 March 2023
(sequência daqui) No que respeita a Songs Of Surrender, também nem tudo é coerente. Concebido como guia de audição complementar da leitura da autobiografia de Bono – 40 faixas do reportório da banda revistas em modo quase-"unplugged" para outros tantos capítulos do livro –, na verdade, apenas 28 canções são comuns a livro e disco mas, à excepção de October (1981), No Line On the Horizon (2009), e Original Soundtracks 1 (1995), toda a discografia dos U2 está representada. Num dos capítulos do livro, Bono conta que “Durante o confinamento, tivemos oportunidade para reimaginar cerca de 40 canções o que me permitiu viver no interior delas enquanto escrevia estas memórias. E também me possibilitou lidar com uma coisa que me irritava há muito: os textos de algumas delas nunca me pareceram verdadeiramente acabados”. Dave “The Edge” Evans, o "guitar hero" que não queria ter nada a ver com "guitar heroes" e preferia Tom Verlaine, Keith Levene (PIL) e John McKay (Siouxsie & the Banshees) acrescenta: “Tínhamos curiosidade de saber como seria transportar as nossas canções antigas para o presente e dar-lhes o benefício de uma reconfiguração do século XXI. O que começou como uma experiência rapidamente se transformou numa obsessão pessoal. A intimidade substituiu a urgência pós-punk. Assim que abdicámos da reverência pelas versões originais, cada canção abriu-se a uma autêntica voz deste tempo e das pessoas que somos agora. Algumas cresceram connosco. Outras deixámo-las para trás. Uma grande canção é indestrutível. Mas a essência de todas elas permanece connosco”. (segue para aqui)
09 February 2023
(sequência daqui) Agora que, à beira de completar 81 anos, publica Mercy (17º álbum a solo e o primeiro numa década), na companhia de Weyes Blood, Animal Collective, Sylvan Esso, Fat White Family e Laurel Halo, um coro de louvores fez-se ouvir, oriundo de diversos quadrantes e gerações.“Se fossemos apenas o produtor que ele é e foi, teríamos lugar garantido na História. Se apenas tivéssemos sido parte dos Velvet Underground, teríamos um livre trânsito para o paraíso do rock’n’roll. Mas, depois, ainda há todos os álbuns a solo para a Island, a colaboração com Brian Eno e Songs For Drella!... Aborda as coisas sempre numa perspectiva de ‘O que é que, neste momento, me parece interessante?’ em vez de o fazer numa atitude carreirista. Canções criadas assim persistem de um modo muito diferente porque foram pensadas com respeito” diria James Murphy, dos LCD Soundsystem, esquecendo-se, porém, de dar o mui devido destaque ao sobrenatural Music For a New Society (1982) que, Cale sendo Cale, em M:FANS (2016), metodicamente demoliria; “Considero uma enorme honra poder observar cada uma das pequenas decisões que ele toma. Atira-nos duas ou três frases para explicar aquilo que pretende e isso tem um significado imenso”, adianta Brian Weitz/Geologist, dos Animal Collective; “De certo modo, ele podia ser muito formal – muito erudito e clássico. Mas era também capaz de ser tão selvagem como qualquer um de nós”, acrescenta Patti Smith, de quem – numa lista que inclui igualmente os Stooges, Nico, Modern Lovers, Happy Mondays, Siouxsie & The Banshees – ele produziu o álbum de estreia, Horses (1975). (segue para aqui)
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03 August 2020
VINTAGE (DXXVII)
Siouxsie And The Banshees - "Face To Face"
(da BSO de Batman Returns, 1992, real. Tim Burton)
24 April 2018
NA ALTURA CERTA
Há menos de um ano, nos ecrãs de televisão de todo o mundo, Chrysta Bell habitava as assombrações de David Lynch em Twin Peaks: The Return, enquanto, ao mesmo tempo, numa existência paralela (também catalisada por Lynch), publicava o precioso álbum We Dissolve, produzido por John Parish. Agora, em 4 das 20 datas da tournée europeia de 2018, pudemos vê-la e ouvi-la onde mais improvável seria: Coimbra, Arcos de Valdevez, Ovar e Torres Novas. No Outono passado, Relatives In Descent, dos Protomartyr, situava-os num patamar equiparável ao dos National segundos antes de Alligator e ainda recomendavelmente longe de Sleep Well Beast – “uma música devastadora, estridentemente política, mas menos interessada em ditar problemas e soluções do que em cartografar a topografia emocional de estar vivo e aterrorizado em 2017”, como sobre ele escreveu “The A.V. Club”. Escassa meia dúzia de meses depois, a banda de Joe Casey e Greg Ahee, numa noite de aguaceiros, subia ao palco na pombalina e granítica Musicbox.
No Teatro Gil Vicente, em Coimbra, Chrysta Bell foi a aparição de uma Rita Hayworth de alabastro, algo como a sobreposição dos perfis de Siouxsie, Cleópatra e Batwoman, numa coreografia entre "lap dance" e dança do ventre, e armada de uma voz capaz de ir do sussurro ao registo de diva operática. De This Train ao recente EP homónimo, contra um pano de fundo de labaredas, cortinas vermelho-bordel de Twin Peaks e excertos de clips de Lynch, escoaram-se dezassete luxuosas canções por vezes, mais próximas de uma (per)versão do "wild mercury sound" de Dylan do que da "torch song" – a novíssima "Blue Rose", contudo, é melodia orgástica impurissimamente "torch" –, coisa tão ardentemente física quanto a milagrosa cintura pélvica da "femme fatale" que as interpretava. Menos cantor do que "diseur"/exorcista de demónios erguido sobre as ruínas proletárias de Detroit, Joe Casey transformou a sala do Cais de Sodré num cenário onde um rock Neolítico – queimando algumas etapas – sonha com um futuro Românico. A acústica do lugar pode converter todos os textos em pura poesia fonética (mas, se quiséssemos ir por aí, nunca ninguém teria colocado um pé dentro do CBGB), porém, naquela densa construção sonora de uns Pixies com menor profundidade de campo, é impossível não declarar rendição perante o napalm da guitarra e a quadratura estalinista de baixo e bateria. Aqui e ali, fora dos hipermercados estivais de música, ainda é possível ir estando atento às coisas certas, na altura certa.
07 February 2017
ANACRONISMOS
Siouxsie & The Banshees - "Hong Kong Garden" (Marie Antoinette, real. Sofia Coppola, 2006)
Na segunda sequência de Once Upon a Time In The West, pretendendo que não restem dúvidas sobre a origem irlandesa da família McBain – que, pouco depois, será implacavelmente chacinada –, Sergio Leone faz questão que uma das personagens trauteie meia dúzia de compassos de "Danny Boy", um quase hino da comunidade irlandesa emigrada. Detalhe relevante: a acção do filme decorre na segunda metade do século XIX mas "Danny Boy" apenas foi escrita em 1910, por Frederic Weatherly. Na verdade, nada de muito grave: deliberados ou involuntários, anacronismos desse género integram a própria natureza do cinema – sempre que nos dispomos a ver um filme, não assinamos necessariamente um pacto de "suspension of disbelief"? Sem recuar demasiado, escutar Siouxsie & The Banshees, New Order, Cure, Bow Wow Wow ou os Gang Of Four lado a lado com Vivaldi, Rameau ou Scarlatti, na banda sonora de Marie Antoinette, de Sofia Coppola (2006), terá sido sequer vagamente escandaloso? Descobrir Madonna, T. Rex, Police, Nirvana ou Elton John na Montmartre "fin de siècle" (onde “eclodirá” também "The Sound Of Music”), em Moulin Rouge, de Baz Luhrmann (2001), despenteou irremediavelmente alguma regra de ouro?
"Smells Like Teen Spirit" (Nirvana - em Moulin Rouge, Baz Luhrmann, 2001)
No território das séries de televisão, no qual boa parte da narrativa audio-visual contemporânea mais interessante ocorre, os exemplos não faltam. Em The Borgias (2011), ilustrar a coroação do papa Alexandre VI com Zadok The Priest, de Haendel, composta só três séculos mais tarde, poderá ter esticado demais a corda. Mas é impossível não falar da recente Westworld. Num universo paralelo – um parque temático "western" virtual habitado por andróides que, à medida que o argumento progride, obrigam a reformular tudo o que supomos saber acerca das fronteiras do humano e da relação com a inteligência artificial –, uma pianola mecânica (sugerida pelo Player Piano, de Kurt Vonnegut) instalada no bordel de Sweetwater (vénia subliminar ao nome do terreno dos McBain, de Leone), de acordo com as exigências do guião, vai extraindo dos rolos de papel perfurado versões instrumentais de "Paint It Black", dos Rolling Stones, "House Of The Rising Sun", dos Animals, "A Forest", de The Cure, "Black Hole Sun", dos Soundgarden, ou "Exit Music (For A Film)", dos Radiohead. Afinal, como justifica Ramin Djawadi, responsável pela música da série, “num 'western' com robots, por que motivo não poderia haver canções modernas tocadas por um robot primitivo (a pianola)?”
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25 June 2015
OS LUGARES ERRADOS
Na edição de Abril da “Cosmopolitan”, Jana Hunter publicou um texto onde recordava o momento, por volta dos 4 anos, em que explicara aos pais, irredutivelmente católicos, que era um rapaz e não uma rapariga. O facto de (pouco surpreendentemente) a reacção ter sido tudo menos acolhedora, não a impediu, porém, de, hoje, se declarar “incrivelmente confortável com as minhas muito fluidas identidade de género e sexualidade”. Ainda que continue a perturbá-la bastante a circunstância de alguém que não se identifica como “mulher” poder ser objecto da misoginia predominante no universo pop/rock, por mais "indie" que ele se afirme. Aceitemos, então, isso na qualidade de atenuante para o título do terceiro álbum da sua banda – os Lower Dens – ser Escape From Evil, última obra de Ernest Becker, seguidor norte-americano da amaldiçoada superstição freudiana. Felizmente, tal assombração não se nota demasiado na matéria do próprio disco, exemplo singularíssimo de uma colecção de canções que, aparentando ajoelhar perante o altar da retromania, é, afinal, algo diferente.
É Jana quem, sem subterfúgios, coloca as cartas na mesa: “Escape From Evil alimenta-se esteticamente da celebrada pop dos anos 80. Mas não se contenta em ficar pela homenagem. Usamos o passado, os seus clichés e inocência, como uma lente através da qual imaginamos um futuro aberto e queer”. O que, na realidade, se escuta é um exercício de cuidadosa arrumação das peças em todos os lugares errados do puzzle, dedicado a fintar a previsibilidade através de meia dúzia de manobras de diversão bem sucedidas: raptar Debbie Harry e colocá-la à frente dos Joy Division aos quais, entretanto, se ofereceu a aura sonora dos Cocteau Twins que, no mesmo instante, se viram com Siouxsie Sioux no lugar de Liz Frazer e assistiram à disputa entre Johnny Marr e Will Sargeant pela vaga de guitarrista nuns Cure em gravidade zero, produzidos por Brian Eno acabado de ser expulso dos Feelies, subitamente devotos do krautrock. Espreitem o assaz lynchiano video de "To Die In LA": as coordenadas de Escape From Evil menos óbvias à superfície exibirão, sem excessiva dissimulação, a sua "seedy underbelly" talhada por medida para a anunciada reencarnação de Twin Peaks.
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16 October 2013
SIM, SIM, SIM
Em 2011, naquelas trepidantes semanas finais do ano em que, guiando-nos fidelissimamente por parâmetros de avaliação estética praticamente científicos, nos é confiada a superior missão de decretar os melhores dos passados doze meses, quando, por entre tubos de ensaio fumegantes e folhas de Excel densamente preenchidas, ficou, enfim, concluído o processo, o resultado não poderia ser mais surpreendente (mas ciência é ciência!): no meu top 10, surgiam 9 álbuns com assinatura feminina, sendo Tom Waits (Bad As Me) o único intruso do género oposto. Ignoro em que medida isso poderá contribuir para o febril debate em curso (travado com instrumentos de análise não menos científicos do que os utilizados pela crítica musical) acerca dos consistentemente melhores resultados académicos das raparigas – é verdade que, no ano seguinte, tão avassaladora hegemonia não se repetiu – mas, dessa brigada de assalto, de acordo com os testes preliminares de selecção, encontram-se já bem colocadas para, em 2013, repetir a proeza, June Tabor, Laura Marling e no que, agora, vem à conversa, Anna Calvi.
Por altura do álbum de estreia homónimo, o respeitável "hype" dos fãs instantâneos Brian Eno e Nick Cave ter-lhe-á, certamente, dado jeito para arrebitar orelhas distraídas. Mas, quem a escutou, rapidamente se terá apercebido de que estava perante mais um espécime particularmente valioso da classe artista pop-com-"pedigree"-de-conservatório: Calvi cantava como uma Callas membro do clube de fãs de Siouxsie Sioux, supliciava a guitarra de modo só igualado por St. Vincent, compunha nos interstícios das partituras de Debussy, Bowie, Morricone e Django Reinhardt e apresentava-se como potencial modelo fotográfico que não passaria despercebido – entre outros – a Karl Lagerfeld. Tudo motivos bastantes para que o segundo, One Breath, agora publicado, assumisse o duplo carácter de acontecimento de relevo e pretexto de confirmação definitiva (ou não). E o veredicto é sim, sim, sim! Nem uma só das qualidades antes reveladas é contrariada e várias outras se descobrem, fazendo pensar que o famigerado piropo de Eno (“o acontecimento musical mais importante desde Patti Smith”) pecava seriamente por defeito. Escutem "Piece By Piece": o crescendo da floresta de "pizzicati" de uma orquestra em afinação abre a porta a uma melodia hipnótica que se deixa abalar pelos espasmos controlados da guitarra. A mesma guitarra que, atrás, em "Eliza", se enroscara vertiginosamente como uma serpente pela batida rítmica acima, puxando a ascensão épica para além da estratosfera. Espreitem, a seguir, o vídeo de "Sing To Me", realizado por Emma Nathan: Nick Cave tem aqui o ponto de partida para passar das palavras aos actos e começar a escrever o seu segundo "western spaghetti", depois de The Proposition – a banda sonora da melhor discípula contemporânea de Morricone já existe. E prestem atenção também a "One Breath" (Portishead desagua em Mahler), "Cry" (a "torch song" segundo Hendrix), "Love Of My Life" (Hendrix esquartejado pelo punk) e "Carry Me Over" (todas as pegadas vão dar a Scott Walker). Disco do ano, qual a dúvida?
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07 July 2013
O SILÊNCIO NÃO EXISTE, OUVIRAM?
John Cage terá escrito e feito tudo o que lhe era possível para nos explicar que “there is no such thing as silence” (demonstrando-o até praticamente em 4’33”). Mas, mais de meio século depois, isso continua a não impedir que – directa ou indirectamente influenciados por problemáticas digestões "new age" (e afins) de orientalismos avulsos – os apelos ao silêncio como suposta via de acesso a duvidosas entidades como “o eu interior” ou “a verdadeira realidade” se repitam. As britânicas (mais gaulesa incluída) Savages elevaram mesmo a atitude ao nível do manifesto, imprimindo na capa do seu álbum de estreia um apelo em que, equivocadamente, proclamam que “o mundo costumava ser silencioso, agora contém demasiadas vozes e o ruído é uma distracção constante que multiplica, intensifica e desvia a nossa atenção do que é conveniente, e do que fala de nós próprios”, concluindo com a sugestão de que “se o mundo se calasse, mesmo que só por um instante, talvez pudéssemos começar a escutar o ritmo distante de uma jovem melodia rebelde”. Naturalmente, a primeira faixa intitula-se "Shut Up", mas, ainda que estivéssemos dispostos a levar a sério a pregação, rapidamente desistiríamos ao descobrir que a “jovem melodia rebelde” é uma quase quarentona com os traços de personalidade de Ian Curtis e a voz de Siouxsie Sioux.
Entretanto, em Lisboa, no passado dia 21 de Junho, teve lugar um concerto, aparente filho natural de Cage: Lisboa Em Si, concebido por Pedro Castanheira em torno do número 7 (7 colinas, 7 minutos de duração do terramoto de 1755 e do próprio concerto), propunha-se gerar uma “’epifonia’, uma epifania de som”, através da articulação das sonoridades de apitos de embarcações, viaturas de bombeiros, comboios, sinos de igrejas e campainhas de eléctricos, produzidas ao vivo e convidando-nos a estar presentes em 7 pontos de escuta, com o centro de operações no Terreiro do Paço. Se a concretização ficou seriamente aquém da potencial “utopia sonora” – à beira Tejo, pouco mais se ouviu do que distantes sirenes de barcos e de um carro de bombeiros –, a raiz do projecto estava já ela infectada por uma “traição” a Cage: segundo Castanheira, “O grande desafio é calar a cidade. Os carros, os bailaricos. Pedimos às pessoas que com o seu silêncio sejam parte activa na partitura. Porque normalmente estão a fazer barulho. E se estiverem em silêncio durante sete minutos é como se estivessem a tocar, naquele momento estão a tocar pausas”. John Cage pensava de modo diferente: “Não existe tal coisa como um espaço vazio ou um tempo vazio. Há sempre algo para ver, alguma coisa para ouvir. Na verdade, por mais que tentemos fazer silêncio, não conseguimos. Estejamos onde estivermos, o que ouvimos é, essencialmente ruído. Quando o ignoramos, perturba-nos. Se o escutarmos, achamo-lo fascinante”. A verdade é que o autêntico concerto dos sons urbanos de Lisboa só ocorreu quando as muitas pessoas que se tinham deslocado à Praça do Comércio a começaram a abandonar e, numa Rua do Ouro engarrafada, um coral de buzinas de automóveis tomou conta do lugar. Está lá, todos os dias, pronto para ser desfrutado.
31 May 2013
PUZZLES
Bryan Devendorf faz o aquecimento para os concertos tocando Clapping Music, de Steve Reich. E tem todas as partes de bateria das canções dos National notadas em partitura. Em Trouble Will Find Me, vários dos temas incluem duas baterias e "Pink Rabbits" foi pensado como a sobreposição rítmica da Band com os Air. Bryce Dessner, detentor de um mestrado em guitarra clássica, por Yale, sozinho ou com o irmão Aaron, compõe, produz e participa com frequência em iniciativas de música contemporânea e multidisciplinares (com Matthew Ritchie, o Kronos Quartet, Philip Glass, Sufjan Stevens, Nico Muhly, Johnny Greenwood, David Lang, Steve Reich), actuando também como curador do MusicNOW Festival, de Cincinnati (desde 2006) e do Crossing Brooklyn Ferry. Como leitura, Matt Berninger recomenda Frank O’Hara e John Cheever, Bryce opta por Dostoyevsky e Cormac McCarthy. No álbum recém editado do grupo, a casta superior dos académicos pop norte-americanos – Annie Clark, Sufjan, Richard Reed Parry, Thomas Bartlett – assina o ponto e, por muito subliminar que tudo isso possa ser, é ainda outra peça no puzzle de uma obra que vive mais da complexidade da construção e do detalhe – alguém mais por aí escreve coisas como “You didn't see me I was falling apart, I was a white girl in a crowd of white girls in the park, I was a television version of a person with a broken heart”? – do que da explosão eléctrica.
Modern Vampires Of The City, entretanto, praticamente pulveriza o que julgávamos conhecer dos Vampire Weekend, agora hesitantes entre Jacques Satie e Erik Tati: divertimentos ingénuos para piano quase barroco, quartetos de cordas, órgão em imponderável registo de requiem, calafrios vocais rockabilly, melodias persas para sintetizador, genealogias que serpenteiam por entre os Souls Of Mischief, Pachelbel, YZ, Grover Washington Jr e os Bread e – neste momento em que, neles, não resta nem uma só molécula africana de Graceland – infinitamente mais veludo melódico aspirado, boca a boca, de Paul Simon do que, antes, alguma vez existira, a dar espessura a exuberantes pronunciamentos ateus (“We know the fire awaits unbelievers, all of the sinners the same, girl you and I will die unbelievers bound to the tracks of the train”) e suaves aforismos situacionistas (“Oh you ought to spare your face the razor, because no one’s gonna spare their time for you, you ought to spare the world your labor, it’s been twenty years and no one’s told the truth”). Caso ainda não se tenha devidamente reparado, isto é o melhor (e muito bom) que o pop/rock actual tem para oferecer. Se o preferiam encardido, confrontacional, em modo pós-punk-old school, mas não estão com disposição para ir para a rua arrancar paralelipípedos, podem sempre experimentar as Savages e Silence Yourself. Mas só a vertigem do "time warp" valerá a pena: apenas travarão conhecimento com uma reencarnação feminina de Ian Curtis que, quando não canta, exactamente, nota por nota, como Siouxsie Sioux, é porque canta como Siouxsie Sioux quando ela desejava muito ser Ian McCulloch.
28 September 2009
SANGUE POLAR

Hanne Hukkelberg - Blood From A Stone
Em 2007, Hanne Hukkelberg tinha acabado de editar Rykestrasse 68 e caracterizava a sua atitude perante a criação musical assim: “Quando estou a compor, penso de uma forma muito visual, crio imagens e filmes na minha cabeça acerca das músicas que vou compor e da direcção em que as vou conduzir”. O que, na altura, tanto valia para esse álbum como para o anterior Little Things (2005), duas preciosas jóias de relojoaria sonora que, integrando instrumentação convencional e "found sounds" diversos, acolhiam microuniversos que apenas se deixavam infinitamente revelar após prolongado e atento convívio. Em Blood From A Stone, talvez se possa dizer que – se nada de verdadeiramente radical aconteceu relativamente ao modus operandi – Hanne Hukkelberg passou a pensar as canções mais exactamente enquanto canções e, sem lhes amputar a dimensão visual, é, agora, uma lógica propriamente musical que comanda todo o processo.
Na origem, terá estado a velha paixão adolescente pelos Pixies – dos quais, em Rykestrasse 68, já incluíra uma versão de "Break My Body" –, por Siouxsie & The Banshees e, acrescentaria eu, o lado menos véus-e-rendas dos Cocteau Twins. Gravado na ilha de Senja, na costa noroeste da Noruega, e voltando a contar com a colaboração do fidelíssimo produtor Kåre Vestrheim, é um pouco como se a atmosfera polar tivesse puxado para a superfície o lado mais agreste e angulosamente art-punk de Hukkelberg – os "found sounds" (frigoríficos, fogões, pedras) permanecem mas solidamente embutidos na arquitectura global –, acentuando asperezas e um ímpeto rítmico primordialmente visceral.
(2009)

Hanne Hukkelberg - Blood From A Stone
Em 2007, Hanne Hukkelberg tinha acabado de editar Rykestrasse 68 e caracterizava a sua atitude perante a criação musical assim: “Quando estou a compor, penso de uma forma muito visual, crio imagens e filmes na minha cabeça acerca das músicas que vou compor e da direcção em que as vou conduzir”. O que, na altura, tanto valia para esse álbum como para o anterior Little Things (2005), duas preciosas jóias de relojoaria sonora que, integrando instrumentação convencional e "found sounds" diversos, acolhiam microuniversos que apenas se deixavam infinitamente revelar após prolongado e atento convívio. Em Blood From A Stone, talvez se possa dizer que – se nada de verdadeiramente radical aconteceu relativamente ao modus operandi – Hanne Hukkelberg passou a pensar as canções mais exactamente enquanto canções e, sem lhes amputar a dimensão visual, é, agora, uma lógica propriamente musical que comanda todo o processo.
Na origem, terá estado a velha paixão adolescente pelos Pixies – dos quais, em Rykestrasse 68, já incluíra uma versão de "Break My Body" –, por Siouxsie & The Banshees e, acrescentaria eu, o lado menos véus-e-rendas dos Cocteau Twins. Gravado na ilha de Senja, na costa noroeste da Noruega, e voltando a contar com a colaboração do fidelíssimo produtor Kåre Vestrheim, é um pouco como se a atmosfera polar tivesse puxado para a superfície o lado mais agreste e angulosamente art-punk de Hukkelberg – os "found sounds" (frigoríficos, fogões, pedras) permanecem mas solidamente embutidos na arquitectura global –, acentuando asperezas e um ímpeto rítmico primordialmente visceral.
(2009)
23 August 2009
INDIE (DE "INDUSTRIAL")

Florence + The Machine - Lungs
Florence Welch tem, de facto, atrás de si, uma máquina. Que, mesmo nestes anos do estertor final da indústria discográfica dominada pelas majors tal como as conhecíamos (à indústria e às majors), continua a carburar de acordo com as antigas normas e ainda mantém o engenho suficientemente lubrificado para, aqui e ali, ir produzindo resultados. No caso de Florence, o design do projecto é absolutamente transparente: conceber um "ersatz" de estrela indie com motor turbo industrial. Calculado ao pormenor, diga-se. Primeiro, a biografia: filha de Evelyn Welch – historiadora de arte norte-americana e habituée do Studio 54 – e do publicitário Nick Welch, com infância e juventude protegidas mas apropriadamente "perturbadas" e passagem pelo Camberwell College of Art no currículo, o que fica sempre bem no retrato de uma "would-be-pop-star" com pedigree. Naturalmente, alguém cuja mãe-historiadora de arte baptizou como Florence só poderia ser devota da arte do Renascimento italiano e, em particular (oh quão popmente conveniente!), da Circuncisão de Cristo, de Mantegna. Ou assim os "spin doctors" discográficos nos pretendem fazer crer.
A composição da personagem pula, depois, sem grandes sobressaltos, para um registo pré-rafaelita destrambelhado com imprescindíveis laivos "góticos", referências dispersas a Edgar Allan Poe e Tim Burton e a informação adicional de que Miss Welch iniciou a carreira cantando em casamentos e funerais de família, "mas especialmente, funerais". Nada disto teria o mínimo problema – indústria é indústria e, de Tin Pan Alley aos ABBA, muito devemos à pop industrial – se Lungs fosse luva de dimensão adequada a esta mão e, como nos garantem, descendente directo de uma ilustre linhagem que incluiria Nick Cave, Tom Waits, Björk, Kate Bush e Siouxsie. A última, conceda-se, é marginalmente plausível: "Kiss With a Fist", o primeiro single, é uma tentativa, vá lá, decente, de cruzar os Banshees com os White Stripes. Bastante mais difícil é engolir que, de um composto de "riot grrrl" pop caricatural, garage rock com esteróides, soul-baunilha e os menos recomendáveis traços de uma Patti Smith de cartoon, todos cerzidos em canções com títulos como “Cosmic Love” ou “My Boy Builds Coffins”, possa resultar algo de vagamente associável ao quinteto supra mencionado e não apenas uma ruiva, giraça, de pernas até ao pescoço e com um vozeirão que berra histórias de lobisomens e corações em sangue.
(2009)

Florence + The Machine - Lungs
Florence Welch tem, de facto, atrás de si, uma máquina. Que, mesmo nestes anos do estertor final da indústria discográfica dominada pelas majors tal como as conhecíamos (à indústria e às majors), continua a carburar de acordo com as antigas normas e ainda mantém o engenho suficientemente lubrificado para, aqui e ali, ir produzindo resultados. No caso de Florence, o design do projecto é absolutamente transparente: conceber um "ersatz" de estrela indie com motor turbo industrial. Calculado ao pormenor, diga-se. Primeiro, a biografia: filha de Evelyn Welch – historiadora de arte norte-americana e habituée do Studio 54 – e do publicitário Nick Welch, com infância e juventude protegidas mas apropriadamente "perturbadas" e passagem pelo Camberwell College of Art no currículo, o que fica sempre bem no retrato de uma "would-be-pop-star" com pedigree. Naturalmente, alguém cuja mãe-historiadora de arte baptizou como Florence só poderia ser devota da arte do Renascimento italiano e, em particular (oh quão popmente conveniente!), da Circuncisão de Cristo, de Mantegna. Ou assim os "spin doctors" discográficos nos pretendem fazer crer.
A composição da personagem pula, depois, sem grandes sobressaltos, para um registo pré-rafaelita destrambelhado com imprescindíveis laivos "góticos", referências dispersas a Edgar Allan Poe e Tim Burton e a informação adicional de que Miss Welch iniciou a carreira cantando em casamentos e funerais de família, "mas especialmente, funerais". Nada disto teria o mínimo problema – indústria é indústria e, de Tin Pan Alley aos ABBA, muito devemos à pop industrial – se Lungs fosse luva de dimensão adequada a esta mão e, como nos garantem, descendente directo de uma ilustre linhagem que incluiria Nick Cave, Tom Waits, Björk, Kate Bush e Siouxsie. A última, conceda-se, é marginalmente plausível: "Kiss With a Fist", o primeiro single, é uma tentativa, vá lá, decente, de cruzar os Banshees com os White Stripes. Bastante mais difícil é engolir que, de um composto de "riot grrrl" pop caricatural, garage rock com esteróides, soul-baunilha e os menos recomendáveis traços de uma Patti Smith de cartoon, todos cerzidos em canções com títulos como “Cosmic Love” ou “My Boy Builds Coffins”, possa resultar algo de vagamente associável ao quinteto supra mencionado e não apenas uma ruiva, giraça, de pernas até ao pescoço e com um vozeirão que berra histórias de lobisomens e corações em sangue.
(2009)
12 September 2008
LUGARES DE FICÇÃO
Hector Zazou/Vários - Chansons des Mers Froides
/Songs From The Cold Seas
/Songs From The Cold Seas
Em Chansons des Mers Froides, penetramos noutra realidade. Aquela que Hector Zazou (depois das Nouvelles Polyphonies Corses e Sahara Blue) "filmou" para um disco em que as tradições musicais da Sibéria, do Alasca, da Gronelândia, da Islândia, das Ilhas Hébridas, da Suécia, da Finlândia e da ilha japonesa de Hokaido propõem uma visão de outro mundo onde as vozes tradicionais de Lioudmila Khandi, Elisha Kilabuk, Värttinä, Catherine-Ann McPhee, Lena Willemark ou Tokiko Kato se equivalem às de Björk, Siouxsie Sioux, Suzanne Vega e Barbara Gogan ou às contribuições de John Cale, Harold Budd ou do Balanescu Quartet.
Com concepção gráfica de Russell Mills (revejam-no ao lado de Brian Eno ou David Sylvian), num conjunto de doze postais - um para cada tema - incluindo fotografias de Philippe Romeo e textos de Zazou, sejam bem-vindos a um universo glacial, lugar de ficção e ilusão, no qual gelo e neve se transformam numa boa definição do paraíso na terra.
(1995)
11 September 2008
UM PINHEIRO DE NATAL
Quando, em tempos, pediram a Hector Zazou a receita para um álbum como Sahara Blue, ele explicou que "no início, estavam as palavras escolhidas pelo seu ritmo e som. Depois, a música: a princípio, apenas um pano de fundo vagamente colorido. A seguir, as vozes: tubos de côr para desenhar uma linha, um quadrado, um círculo. Vai-se, então, para a tela, modifica-se o fundo, pinta-se, de novo, as formas, recorta-se os quadrados, alarga-se os círculos, quebra-se as linhas, segue-se por outras vias que obrigam a usar outros ritmos e contrastes. Pode ter de se modificar completamente o fundo e começar tudo de novo: colocar a voz de outro modo, trabalhar cada elemento como uma matéria-prima e consolidá-lo através da contribuição dos músicos". Em pessoa, Zazou exprime-se à imagem da sua música: pausadamente, medindo cada palavra, exprimindo mais dúvidas do que certezas. Enquanto levanta um pouco o véu sobre o sucessor de Sahara Blue, o novo Songs From The Cold Seas, há dois anos em preparação.
Numa entrevista, a propósito de Sahara Blue, afirmava que não se tratava de um disco de rock nem de world music. Se gravações como essa ou Les Nouvelles Polyphonies Corses, onde se cruzam músicos e sonoridades de todo o mundo, não são world music, o que é para si a world music?
O problema é saber se a world music é uma mistura ou se é música profundamente ancorada numa cultura e que se serve de outros elementos. Acerca das Nouvelles Polyphonies Corses, estou de acordo, será world music no sentido tradicional do termo. É música com identidade própria a que se acrescenta elementos exteriores. Mas pode haver outra definição: a do cruzamento de elementos de todos os países e, aí, ter-se-à algo que não é culturalmente identificável, com diversos aromas e paladares, mas de que não se pode dizer se é africano, japonês ou francês. Por isso, não existe uma resposta definitiva.
Recordo-me de uma vez ter dito que, se desenhasse um retrato de si próprio, seria uma árvore com as raízes espalhadas pelo mundo. O que me parece uma bela metáfora para um conceito de world music...
Voltei a pensar sobre isso e já posso ser mais preciso. Não estou muito certo de que a música "pura" seja menos interessante nem de que os cruzamentos sejam uma solução de futuro. Discutia isso com um amigo e dizia-lhe que uma floresta é suficientemente bela em si mesma, não ganha nada em ser domesticada. E ele respondeu-me que o que eu fazia não era uma árvore numa floresta mas um pinheiro de Natal (risos). O que é verdade: a árvore está lá, mas cheia de decorações. É uma definição que me assenta ainda melhor.
Quando entrevistei Jean-Pierre Lanfranchi, que trabalhou consigo nas Nouvelles Polyphonies Corses, ele disse-me que esse género de encontros era realmente interessante mas não afectaria em nada a tradição sobre que se exercia...
Sem dúvida. Se as tradições locais forem suficientemente fortes, isso não as abalará. É até possível que essas experiências tenham um lado um pouco "gadget".
De qualquer modo, como procede, habitualmente, nesse terreno: procura contrastes, identidades ou explorar uma linguagem comum?
Procuro uma linguagem comum. Não me interessa criar choques. Tento encontrar espaços harmoniosos onde um pianista japonês como Ryuichi Sakamoto possa entrar sem perturbação e colocar a sua cultura e sensibilidade ao serviço, por exemplo, da voz de Jean-Pierre Lanfranchi nas Nouvelles Polyphonies Corses, num diálogo que não atraiçoa um nem o outro.
Nesse disco ou no próximo Songs From The Cold Seas sobre as músicas do Norte, como actua: investiga profundamente as tradições sobre que vai trabalhar ou reage-lhes apenas instintivamente como um ouvinte exterior?
Em cada caso é diferente. Em Songs From The Cold Seas, nada sabia dessas músicas. Foi a imagem dos mares gelados que me atraiu e me fez desejar saber como seriam as músicas desses países. Durante mais de dois anos desloquei-me aos lugares, procurei discos e cassetes, contactei músicos. A pouco e pouco, construí uma imagem dessas músicas, procurei descobrir pontos de contacto. A segunda etapa foi descobrir os instrumentos que os enquadrassem. No caso da Córsega, tentei saber se aquela fortíssima tradição "a cappela" aguentava um suporte instrumental. Não existe um método global.
Quando foi publicado um dos seus discos com Bony Bikaye, a síntese da sua biografia indicava como influências os Platters, Shadows, as revoltas estudantis francesas, Satie, a ópera e Raymond Roussel. São essas, de facto, as fontes de que se alimenta?
Foram. A partir de certa altura, no entanto, essas influências começaram a dissolver-se e apareceram outras. Agora, quando me envolvo num projecto, é quase como se se tratasse de uma tese universitária. Leio imenso, escuto muita música, mergulho por inteiro nele. As revoltas estudantis influenciaram não apenas a música mas toda a minha vida. Ensinaram-me, por exemplo, que a técnica de um músico não é o mesmo que a criatividade pela qual ele afirma a sua independência perante um sistema musical. O que, se calhar, me leva a adorar agora um disco como o dos Nine Inch Nails que é o género de música que eu nunca faria mas que ousa contrariar asregras.
Em Songs From The Cold Seas, participarão Björk, Siouxsie Sioux, Jane Siberry, Suzanne Vega, Mark Isham, John Cale, Jerry Marotta, Harold Budd e muitos outros. Voltando ao princípio, pode, neste caso, falar-se de world music?
Não pretendi fazer um disco étnico. Assim, tanto é a minha visão dos mares gelados completamente inventada, como tem raízes locais. Se a Jane Siberry e a Björk cantam canções tradicionais canadianas e islandesas, no caso da Suzanne Vega e da Siouxsie é mais uma invenção romântica da minha visão dos mares do Norte. Na realidade, vão ser publicados três discos: um em que predomina essa visão mais cinematográfica em que todos os estilos se combinam um pouco, como aconteceu em Sahara Blue; outro em que eu não intervenho, totalmente "a cappela", somente com cantores (uns intervêm no primeiro, outros não, nomeadamente, as cantoras dos Hedningarna) e um terceiro, extremamente violento, apenas com xâmanes da Sibéria. Vão ser editados em sequência, muito próximo uns dos outros.
(1994)
02 April 2007
Atenção
jovens músicos e bandas em início de carreira! Se, após um primeiro
concerto ou publicação de primeiro disco, acerca de vós disserem ou
escreverem que a vossa obra — tão suadamente arrancada às mais
insondáveis profundezas da alma — não vale a ponta de um chavelho, e,
muito especialmente, se isso for desgraçadamente verdade, nunca
abandoneis a esperança! Pode muito bem acontecer (quer dizer, talvez
possa acontecer...) que, um dia mais tarde, ainda o vosso nome venha a
constar entre os mais ilustres autores de música do novo século. E
afirmo-o porque, perante os meus olhos (e depois de dolorosa passagem
pelos meus tímpanos), se encontra o "lost album" só agora finalmente
editado da primeira banda de Aimee Mann, The Young Snakes.
Não
adianta poupar palavras, ser caridoso ou puxar o lustro aos eufemismos:
é mau, muito, muito mau, andou mais do que merecidamente "lost" durante
vinte e quatro anos e o mundo nada teria perdido se assim permanecesse
por toda a eternidade. Aimee Mann e os seus dois companheiros da altura
(que, generosamente, não nomearei) dedicavam-se a um plágio muito
rasteirinho do que, à época, Siouxsie & The Banshees+Nina
Hagen+The Slits inventavam e não apenas rastejavam como o faziam
bastante desajeitadamente. Pois bem, de tal ovo tão mal enjorcado,
sairia (primeiro, via 'Til Tuesday, depois, a solo) uma das mais
brilhantes "songwriters" actuais que nos ofereceria álbuns a roçar a
perfeição. Importa, então, esquecer este objecto rapidamente, escrever
aí pelo meio patinho-feio-e-coisa-e-tal (por acaso, de corte de cabelo
punk, Aimee até não ficava nada mal...) e passar ao capítulo seguinte.
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