Publicação originária do blog Historia Contemporânea UFS,
26/10/2009.
A Historiografia de Maria Thétis Nunes.
Por Jorge Carvalho do Nascimento (DHI/UFS).
Maria Thétis Nunes trabalhou como professora e pesquisadora
ininterruptamente durante os últimos 63 anos. Nesse período publicou mais de 10
livros, além de artigos e ensaios em revistas científicas. Nascida no município
de Itabaiana, região do agreste do Estado de Sergipe, concluiu o seu curso de
graduação na Bahia aos 22 anos de idade. Na sua estréia como intelectual
concorreu à cátedra de Geografia e História do Atheneu Sergipense com a tese Os
árabes: sua contribuição à civilização ocidental, acerca da civilização árabe,
na qual discutiu o Islamismo, a literatura árabe, a arte muçulmana, a Filosofia
e a ciência árabes, além da influência muçulmana no Brasil. A partir daí trabalhou
dando aulas e dirigindo o Atheneu Sergipense até a sua mudança para o Rio de
Janeiro como estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – o ISEB.
Depois do Rio de Janeiro trabalhou na Argentina como Adida Cultural do Brasil,
na cidade de Rosário. Ao retornar a Aracaju voltou para o Atheneu e passou a
atuar também na Faculdade Católica de Filosofia até a fundação da Universidade
Federal de Sergipe, onde ingressou em 1968. O seu primeiro texto foi publicado
em 1945. Depois, em 1962, pela primeira vez ela se mostrou como historiadora da
Educação. O seu livro sobre o ensino secundário no Brasil foi recolhido pela
ditadura militar e teve a sua circulação proibida, em 1964. Em 1973 produziu o
primeiro trabalho sobre a História de Sergipe. Em 1976 fez a sua primeira
reflexão sobre os intelectuais, ao estudar Sílvio Romero e Manoel Bonfim. Em
1981 inventariou os documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo
Histórico Ultramarino, em Portugal. Em 1984 publicou a sua História da Educação
em Sergipe. Em 1984 colocou em circulação o primeiro volume da História de
Sergipe Colonial. Em 2008, foi homenageada pela Sociedade Brasileira de
História da Educação, durante o V Congresso Brasileiro de História da Educação,
realizado em Aracaju.
A intérprete da História
Maria Thétis Nunes é fundamentalmente uma intérprete da
História de Sergipe, debruçada sobre a análise da Economia, da vida social, das
atividades lúdicas, das atividades intelectuais, dos estudos biográficos. Ao
tomar posse na Academia Sergipana de Letras, em abril de 1983, ela manifestou
toda a sua consciência diante da História, explicitando a sua posição
ideológica:
Creio na marcha da História, no devenir, no advento de um
mundo mais justo e mais humano. Apesar de ter vivido parte da minha vida sob
dois regimes ditatoriais, cultuo a liberdade. (...) Também estou com os que
lutam defendendo acultura ancestral, dilacerada em nome da civilização crista
ocidental, como fazem os povos da África negra ou da Ásia tropical. (...) Assim
tenho caminhado impulsionada pela uta e pela esperança[1].
Sua historiografia está assentada sobre a contribuição
teórica do Marxismo, valorizando principalmente o diálogo com Plekhanov, a
partir de quem entende estar “a organização social em equilíbrio instável, onde
as forças produtivas sociais estão em crescimento”[2]. Para ela, “Labriola
assinala com razão que exatamente esta instabilidade, bem como os movimentos
sociais e as lutas de classes sociais por ela [a Historia] engendradas,
preservam os homens da paralização intelectual”[3].
Esse modo de ler a História foi aperfeiçoado por Maria
Thétis durante o período em que atuou como bolsista-estagiária do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros – o ISEB. O Instituto agrupava as mais diversas
tendências ideológicas, buscando interpretar a realidade nacional, de modo a
arrancar o Brasil do subdesenvolvimento para levá-lo ao que os seus teóricos
consideravam o desenvolvimento.
Certamente, para as reflexões acerca da História feitas por
Thétis Nunes em tal período, foram muito importantes as contribuições
oferecidas por Nelson Werneck Sodré, mas não é possível desconsiderar o peso
dos estudos realizados no mesmo ISEB por Alberto Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira
Pinto e Ignácio Rangel. Não sem propósito, é a estes que ela dedica o seu livro
Ensino secundário e sociedade brasileira, publicado em 1962, resultante dos
estudos que realizou no Rio de Janeiro. Alberto Guerreiro Ramos foi homenageado
novamente em 1984, quando a autora colocou em circulação o livro História da
Educação em Sergipe.
Os padrões de interpretação da História que Thétis Nunes
incorporou no ISEB chegaram ao Brasil em face da interlocução de muitos
intelectuais com o pensamento circulante na Comissão Econômica Para a América
Latina – CEPAL, que funcionava no Chile desde 1948. Um desses brasileiros era
Alberto Guerreiro Ramos, ao qual Thétis homenageia por tê-la ensinado a
compreender e operar a lógica dialética. A historiadora sergipana assumiu dele
a concepção faseológica” de História, “a noção de que a história tem fases que
se sucedem e que a adequação dos instrumentos de análise às peculiaridades da
fase em que se encontra o analista corresponde a um gesto revestido de rigor
científico e, acima de tudo, de compromisso político com a superação das
agruras daquele momento[1].
Isso levava Guerreiro Ramos a propor a chamada redução
sociológica que entusiasmou Maria Thétis Nunes. Assim, as teorias formuladas
pelos teóricos das ciências humanas na Europa e nos Estados Unidos da América
deveriam passar pelo crivo empírico da realidade local e somente teriam
validade quando interpretadas vis-a-vis com as condições produzidas pelo
capitalismo no Brasil. Foi esse entusiasmo de Maria Thétis que levou Nelson
Werneck Sodré a elogiar o seu trabalho:
O condicionamento histórico fica perfeitamente claro: a cada
etapa do desenvolvimento brasileiro corresponderam, necessariamente, um sistema
educacional e as transformações que lhes foram próprias. (...) A professora
Maria Thétis Nunes coloca esse desenvolvimento de forma clara e objetiva,
situando cada uma das fases e as transformações que lhes foram próprias[2].
A historiografia de Maria Thétis Nunes tem ainda duas outras
características: a primeira diz respeito à luz que lança sobre Manoel Bonfim, a
quem designou “pioneiro de uma ideologia nacional”[3]; a segunda concerne a
isenção com que a pesquisador a observa as relações entre o regional e o
nacional, sem qualquer tensão.
Texto e imagem reproduzidos do blog:
historiacontemporaneaufs.blogspot.com.br
[1] Cf. BARRETO, Luiz Antônio. “Maria Thétis Nunes: perfil
historiográfico de uma mestra”. In: Rev ista do Mestrado em Educação, UFS, v.
9, p. 9-16, jul./dez. 2004. p. 14.
[2] Cf. BARRETO, Luiz Antônio. “Maria Thétis Nunes: perfil
historiográfico de uma mestra”. In: Revista do Mestrado em Educação, UFS, v. 9,
p. 9-16, jul./dez. 2004. p. 11.
[3] Cf. BARRETO, Luiz Antônio. “Maria Thétis Nunes: perfil
historiográfico de uma mestra”. In: Rev ista do Mestrado em Educação, UFS, v.
9, p. 9-16, jul./dez. 2004. p. 11.
[4] Cf. FREITAS, Marcos Cezar de. “A historiografia de Maria
Thétis Nunes e o ISEB”. In: Revista do Mestrado em Educação, UFS, v. 9, p.
17-24, jul./dez. 2004. p. 18.
[5] Cf. SODRÉ, Nelson Werneck. “Prefácio à 1ª edição”. In:
NUNES, Maria Thétis. Ensino secundário e sociedade brasileira. Aracaju: Editora
UFS, 1999. p. 13.
[6] Cf. NUNES, Maria Thétis. “Manoel Bonfim: pioneiro de uma
ideologia nacional”. In: BOMFIM, Manoel. O Brasil na América. Rio de Janeiro:
Editora Topbooks, 1997. 2ª edição. p. 13.