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terça-feira, 16 de junho de 2020

Meu encontro com Luiz Fernando Ribeiro Soutelo


Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 15 de Junho de 2020

Opinião - Meu encontro com Luiz Fernando Ribeiro Soutelo

 Por Francisco Diemerson * (Coluna APARTE) 

Em 2001 eu tinha 16 anos e carregava comigo todas as inseguranças e questionamentos típicos da idade. Foi um ano especial, por três fatos que alteraram profundamente o curso de minha vida: iniciei o ensino médio no histórico Colégio Estadual Atheneu Sergipense, depois de uma saga que se concretizou graças ao cuidado do professor Carlos Costa e da professora Kátia Virgínia Valeriano, diretor da Escola Estadual 17 de Março e coordenadora do Atheneu.

Minha família mudou-se para nossa casa própria, saindo do Bairro Industrial, onde cresci, para morar no Aeroporto, naquela estranha e vazia zona sul que começava a ser destravada pela gestão prodigiosa do primeiro mandato de Marcelo Déda como prefeito, e conheci Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, então presidente do Conselho Estadual de Cultura.

Vindo do incipiente movimento estudantil no ensino fundamental, logo me engajei na Arcádia Literária do Atheneu, uma instituição criada em 1956 que transformava os alunos em árcades, ocupantes de uma cadeira com nome de algum escritor famoso e com acesso controlado através da exigente produção de um estudo sobre vida e obra do referido patrono. Esse estudo era devidamente lido e avaliado pelos antigos árcades, agora na posição de beneméritos. E foi neste andar que conheci o árcade Joaquim Nabuco, Luiz Fernando Ribeiro Soutelo.

Inicialmente, nosso encontro era ligado aos projetos da Arcádia. Lembro-me que na primeira vez que fui visitá-lo para levar uma proposta de conferência, deparei-me com uma reunião que hoje encaro como histórica. Em seu gabinete na Biblioteca Epifânio Doria, estavam presentes os professores João Costa e Maria Thetis Nunes além do jornalista Luiz Antonio Barreto. Já conhecia Thetis de uma antiga atividade na minha escola inicial, mas os outros naquele momento eram uns desconhecidos sobre quem tratei de buscar informações na biblioteca do Atheneu.

Já em 2002, a distância da minha nova casa com o centro e a situação problemática dos ônibus naquela época deixaram meus pais preocupados, insistindo que eu me transferisse para outra escola, somado também ao custo adicional de passagens, que afetaria nosso orçamento controlado, além de minha necessidade de auxiliar financeiramente minha família.

Fiquei muito triste e preocupado diante da possibilidade de largar aquele lugar pelo qual tanto me apaixonei, bem como a Arcádia. O professor Soutelo, sabendo desta situação, me fez o convite inusitado para trabalhar, como estagiário, no Conselho Estadual de Cultural. Radiante, aceitei, iniciando meu primeiro emprego justamente no dia do meu aniversário, 24 de julho. Foram três anos trabalhando por todas as tardes no Conselho Estadual de Cultura, onde convivi tanto com o professor Soutelo.

Faço esse logo preâmbulo para situar o nome de Luiz Fernando Ribeiro Soutelo na minha vida, e como homenagem ao seu aniversário neste 15 de junho. A experiência de trabalhar com ele foi fundamental para meu crescimento. Vivenciei sua perspectiva, como gestor público, de quem um estagiário não deve ser uma mão de obra da rotina, mas um aprendiz que possa adquirir experiência e conhecimento prático dentro da estrutura na qual está envolvido.

A partir de sua orientação, fui inserido nos procedimentos sobre burocracia cultural. Aprendi o que era patrimônio e memória. Na experiência da digitação dos pareceres e atas, fui conhecendo um emarando de teias que se cruzam e formam o cenário cultural sergipano. Aprendi nomes históricos, efemérides, problemas e incoerências. E todas as vezes que um assunto me instigava, lá estava ele a orientar e ensinar, com paciência, com didática e com alegria.

Nascido no Rio de Janeiro, Soutelo cresceu em Santa Luzia do Itanhy, no Engenho Castelo, estudou no Atheneu e fez parte da Arcádia Estudantil, juntamente com Vladimir Carvalho, Marcos Prado Dias e Maria Nelly Santos, além de outros nomes marcantes da cultura sergipana.

Graduou-se na primeira turma de Economia da UFS e assumiu diversos cargos no serviço público. Dentre eles, atuou na antiga Energipe e foi diretor do Instituto Sergipano do Patrimônio Histórico. Porém, seu destaque foi como membro e presidente do Conselho Estadual de Cultura, em vários mandatos e gestões, além da chefia do Cerimonial no Governo do Estado (por quatro vezes), na Prefeitura de Aracaju e no Tribunal de Justiça de Sergipe.

No Conselho Estadual de Cultura, foi um ativo defensor do patrimônio histórico sergipano e da descentralização da gestão cultural, promovendo integração com as prefeituras do interior e também produzindo pareceres que são verdadeiros marcos documentais para se estudar o desenvolvimento deste complexo processo de tombamento e conservação da memória e da cultura no Estado.

Suas pesquisas sobre a história dos munícipios sergipanos são marcadas pelo cuidado com as fontes e arquivos, apresentando ao leitor panoramas didáticos e instruídos. Foi de sua autoria o parecer que tombou a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, e ali temos um apurado trabalho sobre o surgimento da devoção em Estância, a influência espanhola e as marcantes características arquitetônicas daquele templo.

Não se pode, em Sergipe, discutir patrimônio histórico e cultural ignorando o trabalho realizado por Soutelo durante sua longa passagem no Conselho Estadual de Cultura ou no Instituto Histórico e na Academia Sergipana de Letras, bem como um participante ativo na vida universitária de Sergipe.

Como cerimonalista, não se ajeitou na mera função de organizar eventos governamentais, mas se tornou referência nacional, como pesquisador e consultor, inclusive fundador da Associação Brasileira do Cerimonial Público e Protocolo, apresentando essa maquinaria funcional do exercício do poder através dos símbolos, das posições e das formas de atuação.

Hoje aposentado, mantém-se ativo no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, sempre disponível para orientar e aconselhar os pesquisadores que vasculham os documentos e jornais guardados pela Casa de Sergipe. Os quase 20 anos que me afastam daquelas tardes onde pude conviver com Soutelo só ampliaram minha admiração por sua obra, que ainda infelizmente não está publicada.

Este é um projeto que devo cuidar brevemente mas, principalmente, e também o sentimento de gratidão por este homem que marcou de maneira especial uma geração de estudantes da Arcádia, inclusive eu, que hoje posso chamá-lo de professor, amigo e um verdadeiro pai intelectual. Muita obrigado e parabéns, querido Soutelo!

* É presidente da Academia de Letras de Aracaju, professor na Faculdade Pio Décimo, doutorando em História Comparada na UFRJ e membro do MAC/Academia Sergipana de Letras.

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br