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terça-feira, 17 de abril de 2018

Entrevista com Dr. Almir Santana

Foto: Cássia Santana

Publicado originalmente no site Alô News, em 14 de abril de 2018

Exclusiva do Alô com Dr. Almir Santana: uma das maiores autoridades médicas de Sergipe

Médico formado pela Universidade Federal de Sergipe desde 1981, tem especialização em Saúde Pública, Coordena o Programa Estadual de DST/Aids desde 1987 e leciona Biologia desde 1982.

José Almir Santana, natural de Aracaju é médico formado pela Universidade Federal de Sergipe desde 1981, tem especialização em Saúde Pública, Coordena o Programa Estadual de DST/Aids desde 1987 e leciona Biologia desde 1982. Foi o primeiro médico a aceitar atender pacientes com Hiv/Aids em Sergipe, numa época em que o preconceito era muito forte. E até hoje milita em prol do respeito pelos direitos humanos das pessoas que vivem com HIV/AIDS e pela prevenção.

Alô – Dr. Almir, conte-nos a sua trajetória de vida até se tornar médico

Almir Santana (A.S)* - Estudei em escola pública, no Atheneu e sempre sonhei em ser médico, com um objetivo principal, um objetivo diferente de muitos colegas... Eu optei por medicina não foi visando o financeiro, é evidente que sem dinheiro ninguém vive, mas a minha opção, já que sempre fui professor era passar informação, ajudar.

Quando eu trabalhei no bairro Santos Dumont, no Centro de Saúde Dr. José Machado de Souza, eu adorava! Foi por opção que fui para o bairro, comecei um trabalho educativo lá, eu não era só médico, eu atendia e também ia pra rua, fazia visita domiciliar, mesmo antes de se falar em equipe de saúde da família, e gostava muito de fazer esse trabalho. E nessa caminhada pelo bairro comecei a identificar as casas de prostituição e comecei a visitar essas casas e chamar as garotas profissionais do sexo para ir pro posto, porque eu prometia a elas atendimento, foi daí que comecei a me envolver na atenção as Doenças Sexualmente Transmissíveis – DST's, meu consultório era cheio, atendia também pacientes portadores de doenças crônicas como diabetes, hipertensão, etc.

Ainda nessa época quando eu fazia um trabalho sobre sífilis, surgiu a Aids, num momento em que ninguém queria atender esses pacientes. O primeiro caso de Aids que chegou aqui ninguém queria, todo mundo se negava, que era uma doença nova... Achava que podia contagiar no atendimento, e eu, na época um secretário me localizou no Santos Dumont e me perguntou se eu poderia atender esse paciente, eu topei... Não sabia nada sobre Aids, ninguém sabia por se tratar de uma doença nova, mas aí comecei a me envolver, mas infelizmente o paciente faleceu sem eu conseguir internar, e a partir daí topei o desafio que era de no próximo paciente internar... E foi o que aconteceu, surgiu um paciente de Itabaiana e o internamos no Hospital de Urgência em 1987.

Os casos foram crescendo junto com o trabalho e fui até ao secretário de saúde e disse: “Temos que criar um programa só pra Aids e as outras infecções”. O secretário formou uma comissão e criou o programa, e até hoje estou nessa luta. São mais de trinta anos esse programa, é o segundo do Brasil, o primeiro é o de São Paulo e o Segundo é de Sergipe. Criamos muitas campanhas educativas, criamos o “Camisildo”, criamos um ônibus... E foi uma luta. Hoje não me arrependo de nada.

Alô – Por quê razão o senhor decidiu combater as DST's de forma humorada, como a criação do Camisildo por exemplo?

A.S – Veja, a AIDS é uma doença que mata, uma doença que envolvia tristeza, e eu procurava meios, usando a criatividade, de levar informação. O Camisildo surgiu por causa do Pré-Caju, então criamos um bloco, então ficava pensando de como levar informação no bloco de uma forma que participasse da própria festa. Sergipe foi o primeiro estado a fazer um bloco da prevenção pra divulgar informação na folia, e aí surgiu a ideia do Camisildo, um carro em forma de camisinha, o primeiro do mundo, e ainda é. Atualmente ele está sucateado porque é uma combi antiga e eu pretendo dar uma roupagem nova, com uma funcionalidade maior. Depois vocês vão ver como vai ficar o carro, um projeto pra este ano ainda, um novo Camisildo, não com aquela forma da camisinha, vai ser bem interessante.

Uso de brincadeiras, paródias, etc, porque isso chama atenção, principalmente da juventude.

Alô – O que as pessoas dizem hoje sobre seu trabalho após esses anos?

A.S – Isso me preocupa, quando eu saio na rua é fantástico o reconhecimento popular, isso me preocupa porque algum dia vou parar (morrer), e a minha preocupação é deixar uma semente e torço para que surjam novas pessoas com espírito de compromisso. Eu tenho procurado mostrar aos meus alunos, estimular a solidariedade... Eu tenho o olhar da prevenção, o olhar da assistência e o olhar de ajudar, e não é comum esses olhares, infelizmente... Então eu procuro estar no lugar do povo, como eu gostaria de ser atendido, e as pessoas vêm de uma maneira muito positiva, as pessoas tem um carinho enorme, maior até do que algumas autoridades. Minha função é para o povo...

É até difícil, às vezes, andar nas ruas porque as pessoas me param e me pedem para examiná-las. Eu ando em todo lugar, então as pessoas me vêem e querem falar comigo... Um dia desses uma senhora me parou no Calçadão e disse: “Doutor eu queria que você me examinasse, olhe eu tenho um caroço na barriga, pegue aqui no meu caroço”. E ela levantou a blusa no meio do Calçadão.

Alô – O senhor já ganhou alguns prêmios ao longo de sua carreira, quais foram?

A.S – São muitos, estou sem lugar pra guardar, tem prêmios em minha casa, na casa de minha irmã, tinha aqui na Secretaria da Saúde. Graças a Deus há esse reconhecimento. O prêmio maior, que jamais pensei em ganhar, foi o ter sido contemplado, em dezembro de 2017, com a Medalha Zilda Arnes de medicina social pelo Conselho Federal de Medicina, que é o maior prêmio que um médico poderia receber. Eu fiquei surpreso, não tinha nem ideia da responsabilidade... Quando vi médicos famosos nessa galeria como: Adib Jatene (Cirurgião torácico), Ivo Pitanguy (Cirurgião Plástico), e vários outros... Foi o prêmio que mais me tocou.

Alô – Em Sergipe, há tratamento eficiente das doenças sexualmente transmissíveis? Onde os pacientes devem procurar ajuda?

A.S – Temos deficiências. No caso da Aids nós temos um ambulatório do SEMAR Siqueira Campos que já está lotado, com poucos médicos e muita gente, temos cerca de 4 mil pessoas sendo atendidas. Não conseguimos ainda descentralizar esse serviço para que possa aliviar o SEMAR.

Temos algumas deficiências na rede no geral, porque as execuções das ações de assistência são de responsabilidade do município e nem todos estão exercendo esse papel. Mas apesar das dificuldades todos os pacientes são atendidos.

E os pacientes portadores de DST devem procurar a Unidade Básica de Saúde onde moram, quando é HIV agente encaminha para o SEMAR Siqueira Campos.

Alô – Existem algumas pesquisas científicas que apontam para uma possível cura do câncer, da AIDS e outras doenças, na sua opinião isso é possível?

A.S – Agente espera, mas é muito difícil, por causa do vírus... Espero que algum dia haja cura, mas o vírus usa de estratégias em que o organismo não consegue eliminá-lo... Hoje nós temos bons tratamentos, temos uma melhora na qualidade de vida, mas a cura é um sonho mas está distante, eu acho.

Alô – Qual o recado que deixa aos nossos leitores?

A.S – Infelizmente a população está cochilando com relação a prevenção, está relaxando. Muita gente por decisão própria não quer usar a camisinha. E hoje eu tenho que dizer: Sexo sem camisinha é uma escolha perigosa. Agente sabe que usar ou não a camisinha é uma opção das pessoas, um direito... Mas toda vez que uma pessoa opta por não usá-la essa escolha pode marcar a vida. E digo aos leitores que procurem informações sobre a AIDS, que procurem acompanhar o crescimento da epidemia, pois é preocupante. E as pessoas precisam incorporar que a camisinha tem que fazer parte da vida delas, camisinha hoje é sinônimo de vida.

Texto e imagem reproduzidos do site: alonews.com.br

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Eu faço uma Aracaju melhor - Almir Santana



Eu faço uma Aracaju melhor – Almir.

Na última semana, no 18º andar do Edifício Estado de Sergipe (Maria Feliciana), em Aracaju, fomos recebidos com o mesmo carinho e atenção que você sente quando o vê, pessoalmente ou na mídia. Sentado em sua mesa de trabalho, Dr. Almir tem ao alcance dos olhos e das mãos os mais de 30 troféus e placas de homenagens que recebeu nos últimos anos. O número exato, ele já não sabe mais. E olhando para elas ele entende por que não pode parar.

A infância muito pobre foi marcada pela esperança de dias melhores. Filho de um motorista e uma costureira, ele encontrou no incentivo dos pais, no estudo e nas brincadeiras de ser médico, o alimento para o sonho. E não é difícil acreditar em sonhos conhecendo a história deste “sergipano de Aracaju, com muito prazer e muito orgulho”, José Almir de Santana.

Estudou no Colégio Estadual Atheneu Sergipense e não duvidou ao se inscrever no vestibular para medicina da UFS. Entrou de primeira. Aos 60 anos, completados no último dia 31 de janeiro, os cálculos mostram que Dr. Almir já dedicou quase metade da vida a ajudar outras pessoas a partir do ofício que escolheu. E continua. Entre aulas para os jovens (que ele adora), palestras, ações, eventos, visitas e entrevistas, a agenda é apertada até mesmo para a família. Sobre a esposa e os filhos, Almir confessa: ‘Eles aceitam minhas ausências, entendem o meu trabalho e a minha luta. Eles me aceitam como eu sou.’

Em 1987, quando diagnosticado o primeiro caso de Aids em Sergipe, ele foi o único a dizer sim para o tratamento da paciente que, infelizmente, veio a falecer. A partir dali, comprou uma briga que, já sabia, seria muito grande. “A exposição tem um lado bom, porque eu posso chegar a mais pessoas e informá-las, mas me custou um preço alto. Meu rosto lembra a Aids. Pacientes particulares começaram a cancelar consultas ou por medo de pegar Aids em meu consultório, ou por não serem vistas entrando e saindo de lá. Tive que fechá-lo. Eu paguei caro. Minha escolha pela saúde pública me custou o apelido de bobo. Não foi tão maravilhoso pra mim. Foi um impacto difícil.”

Não é apenas com os próprios conflitos que Dr. Almir tem que lidar. A escolha lhe outorgou missões difíceis que ele, como ninguém, aceitou. Ao narrar os tantos momentos em que abriu mão dos próprios desejos ou dos momentos de lazer e conforto ao lado da família, ele parece se emocionar. As situações são, todas elas, motivadas pelo preconceito. Encontros em praças no interior do estado, durante a madrugada, para que o remédio pudesse chegar a quem precisava dele. Resultados entregues em carros durante a noite para que ninguém pudesse notar reações. Preconceito que já o levou à delegacia para protestar contra a arbitrariedade dos próprios policiais, entre tantos outros casos.

Em uma dessas histórias, Dr. Almir se lembra de um paciente de quem cuidou até o fim. “Diagnosticado com HIV, ele foi abandonado pela esposa e pela família. Ela me disse que, quando ele morresse, não faria nada. Caberia a mim fazer o funeral.” Entendendo ser aquele apenas um momento de revolta, Dr. Almir desconsiderou o aviso da mulher. Algum tempo depois, o paciente faleceu. Quando entrou em contato com a família, ouviu uma reposta lacônica: ‘o senhor se lembra do nosso acordo?’. Ele desabafa: “Foi muito triste pra mim. Eu até entendo a revolta da mulher, que também foi infectada, mas não acho que alguém possa ser ‘jogado fora’ desta forma. Fiz o enterro sozinho e soube, naquele momento, que a pessoa com Aids não tem o direito nem de morrer com dignidade. Lamentavelmente ela também veio a falecer, igualmente sozinha.”

Apesar dos vários convites para trabalhar em outros estados, para Dr. Almir viver em Aracaju é uma decisão final e inegociável. É aqui que ele quer ficar. “A minha paixão por Aracaju é muito forte, e sei que aqui já ajudei muita gente. Quero continuar trabalhando e lutando pelos sergipanos de forma séria e respeitosa. Em momentos de desânimo eu já quis parar, recuar. Mas sempre que estou desanimando acontece um fato novo que me faz querer continuar a enfrentar. O reconhecimento popular me motiva, assim como a equipe e os parceiros que fazem esse trabalho acontecer. Mas o que me motiva mesmo é o benefício às pessoas que vivem com HIV/Aids. São pessoas frequentemente discriminadas. Continuo lutando, principalmente, por eles.”

Ao encerrarmos a entrevista, perguntamos a Dr Almir que mensagem deixaria para aqueles que desejam uma Aracaju melhor. Ele não deixou uma mensagem; fez um pedido:

“Faça o seu papel. Dentro da sua atividade, seja qual for a opção, faça o seu papel. Basta isso. Ajude a quem precisa, ajude os necessitados. Olhe para a pobreza. Se cada um fizer o seu papel, Aracaju avança.”

Foto e texto reproduzidos do site: e-sergipe.com