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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Dom Távora, necessário também no século XXI

Dom José Vicente Távora foi arcebispo da 
Arquidiocese de Aracaju de 1960 a 1970.

Publicado originalmente no site SÓ SERGIPE, em 9 de setembro de 2019

Dom Távora, necessário também no século XXI

Valtênio Paes*

Dez anos depois, fazendo releitura do livro “Dom Távora, o Bispo dos Operários – Um homem além do seu tempo” de autoria do padre Isaías Nascimento, vislumbro, como uma leitura pode ensejar inúmeras interpretações com variados vieses. Sem qualquer pretensão de analisar a importante obra, trataremos de aspectos fáticos da política, religião e sociedade do Brasil, e especificamente de Sergipe, ali relatados. Sua chegada em Sergipe se deu sob a influência da “Doutrina Social da Igreja” a partir do Concílio Vaticano II, numa aparente contradição tanto para “socialistas como para liberais” ao mesmo tempo, no auge da repressão militar pelos idos de 1968.

Ao mesmo tempo em que, “avisou para Carlos Lacerda da fúria da multidão” facilitando-o esconder-se no alojamento do aeroporto Santos Dumont que protestava ante o suicídio de Getúlio Vargas, “foi um dos organizadores do 36° Congresso Eucarístico Internacional no Rio de Janeiro com mais de 500 mil participantes no Aterro do Flamengo” bem como, participou do Concílio Vaticano II sendo nomeado membro do Secretariado para Assuntos de Imprensa do Concílio Ecumênico pelo papa João XXIII… afirmando:


 “nosso trabalho terá sido grande e definitivo se, após o Concílio, pudermos apresentar programas de uma igreja cada vez mais missionária, evangélica, simples,  sacramental, sustentáculo dos pobres, defensora intemerata da justiça social, de um ponto a outro mundo, mestra constante das renovações necessárias. Uma igreja que representa, na verdade, de fato e indiscutivelmente, o ministério de Cristo salvando a terra, salvando o homem, como único Salvador e ninguém mais”.

Ao falecer em 3.04.1970, aos 59 anos, era presidente do Movimento de Educação de Base (MEB), membro da Comissão Episcopal da Ação Católica e Apostolado Leigo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A pressão militar era grande sobre o religioso. “As celebrações religiosas presididas por Dom Távora e por parte de seu clero comprometido, assim como, as reuniões de trabalhadores nas igrejas e sindicatos, foram vigiadas, fotografadas e gravadas. Suas homilias foram censuradas. Sua casa passou a ser observada. Sempre havia um agente do governo infiltrado”, porém na sua morte militares oraram de joelhos junto ao seu corpo.

Marcha

Segundo o texto do historiador Ibarê Dantas transcrito na obra de padre Isaías aqui mencionada, “com a morte de Dom Távora caía a maior cidadela de resistência da Igreja em Sergipe num momento nacional marcado pela repressão. Com o movimento estudantil já quebrado, a Igreja Católica subsistia pertinaz como derradeira instituição da sociedade civil a protestar contra o arbítrio e atrocidades. Na esfera nacional, sobretudo nesse momento, 1969/1970, em que seus militantes leigos e religiosos mais sentiam a força da repressão, inclusive com assassinatos”.

Dentre outros, este relato, apresentava a divisão da Igreja Católica no Brasil entre a simpatia por ações intituladas de esquerda e de direita na medida em que simultaneamente acontecia a Marcha da Família com Deus pela Liberdade contra o comunismo em várias cidades do país.  “A maioria do episcopado brasileiro concordava com a tomada do poder pelos militares” face que “essa cultura anticomunista foi semeada no início da década de 1930”.

 Curiosamente, vencidos pela constatação histórica do fim da polarização esquerda x direita, com a adesão dos países (Rússia, China, Cuba, etc.) ao capitalismo, o governo brasileiro atual retoma um discurso ultrapassado, sem volta, e consegue ferrenhos simpatizantes ao anticomunismo, 89 anos depois. Pior ainda, alguns seguidores do Cristianismo (católicos e protestantes principalmente) defendem o uso de armas, o individualismo exacerbado, etc. Se vivo estivesse hoje, Dom Távora seria “crucificado” na medida em que defendesse o que defendera em 1970. Ao que parece, a prática dos princípios cristãos de priorização pelos mais humildes vem sendo deletada por uma grande parte de líderes religiosos atuais em Sergipe e no Brasil.

Pio XI, então líder maior da Igreja Católica Romana, disse ao padre Cardijn, fundador da Ação Católica, segundo a obra de padre Isaías: “Finalmente, aqui está quem me fala das massas e de salvar as massas. Todos os demais me falam das elites. A maior obra que o senhor pode prestar para a Igreja é devolver-lhe as massas operárias que perdeu. As massas precisam da igreja. A igreja precisa das massas e exatamente das massas operárias. Pois uma igreja onde se encontram apenas os abastados não é mais a igreja do Senhor Jesus Cristo. Ele fundou sua igreja principalmente para os pobres. Eis por que é necessário restituir-lhe as massas trabalhadoras”. Neste mesmo toar, dizia Dom Távora, “o homem precisa de um mínimo de conforto e bem estar para poder elevar sua alma a Deus”.

Ao revisitarem 1930/1970 estariam cristãos brasileiros, dentre eles, sergipanos, esquecendo do verdadeiro sentido da mensagem de Cristo? Ao pregar somente a oração, esquecendo o social, estariam retrocedendo à Idade Média ou ao individualismo dos séculos XVIII e XIX?  Eis algumas, dentre tantas reflexões que a obra do padre Isaías pode nos provocar.

Um fato é cristalino, Dom Távora “foi um homem além do seu tempo”. Não se vislumbra grandes ações das igrejas em geral com tal preocupação em Sergipe há mais de meio século. As igrejas pararam no tempo, no plano social? O que se pratica hoje é o verdadeiro Cristianismo conforme falou seu Criador? Verdade que existem suaves exceções, mas na maioria, os líderes das igrejas cristãs pararam no tempo. Vivemos um retrocesso da ação religiosa onde se esquece o belo trabalho de Dom Távora “um homem além do seu tempo” como escreveu padre Isaías, mas também necessário no século XXI.


(*) Valtênio Paes de Oliveira colabora quinzenalmente, às segundas-feiras. Ele é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.

Texto e imagens reproduzidos do site: sosergipe.com.br

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Um Bispo a serviço dos pobres no norteste do Brasil


Publicado originalmente na Revista Rever, em 23 de abril de 2014.

Um Bispo a serviço dos pobres no norteste do Brasil.

O bispo dos operários e da educação de base entrava para a história do Brasil, escrevendo um capitulo fundamental no Nordeste pobre e resistente; crente e inquieto

Por Romero Venâncio*

Sai em muito boa hora o trabalho de pesquisa que consumiu alguns bons anos da vida do Padre Isaias Nascimento. Entre a labuta de pastor numa região pobre de Sergipe e o tempo de pesquisa, veio a lume um trabalho precioso: Dom Távora: o bispo dos operários, publicado pela Editora Paulinas. O livro escrito não apenas para reanimar a memória sobre o episcopado de Dom Távora a frente da arquidiocese de Aracaju (1958-1970), mas defender a tese de que ele foi na sua experiência episcopal “um homem além do seu tempo”, um exemplo para os dias atuais. Alentadora a esperança do Pe. Isaias. Os tempos da igreja católica atual são outros, sabemos todos.

O livro trabalha com um rico material de fonte, tais como: entrevistas; matéria de jornal; depoimentos de pessoas que conviveram com o “bispo dos operários”; trabalhos de pesquisa acadêmica sobre a igreja católica da época e a ditadura militar. Isto por si só, já justifica a leitura do livro. Informa-nos, sem apologia barata, a vida de um prelado e de sua atividade pastoral/política decisiva para um momento da igreja católica no Brasil e em Sergipe.

Uma afirmação presente no livro nos chama de imediato à atenção: Dom Távora, bispo da JOC e bispo do MEB. Duas organizações ligadas a igreja católica no Brasil de grande importância na visibilidade social da igreja no mundo moderno (tempos saudosos!). A juventude operária católica (JOC) foi parte integrante da Ação Católica brasileira, era uma espécie de movimento da classe operária urbana. Desde 1947 (quando chega ao Brasil) até o final dos anos 60, foi um dos movimentos mais importantes da igreja atuando no mundo do trabalho, junto a juventude operária pobre.

Numa época em que a maior parte da Igreja católica ainda se encontrava intimamente ligada ao Estado e as classes dominantes, a JOC ajudou a instituição a compreender e engajar-se nas necessidades e valores da classe operária e a importância de desenvolver práticas pastorais mais adequadas aos trabalhadores. Sob este aspecto, a JOC ajudou a transformar uma instituição sabidamente hierárquica, autoritária e indiferente aos movimentos de base ou de leigos. Nesse ponto o livro de pe. Isaias é exemplar: Dom Távora, antes o padre Távora esteve no inicio desse processo de criação da JOC brasileira e teve uma formação que lhe marcaria até o fim de seu episcopado em Sergipe.

Para nós fica aquela saudade de uma igreja que foi engajada numa prática pastoral que lhe mudou a fisionomia e a sua maneira de ser no mundo moderno. A JOC no final dos anos 50 passou a se envolver em questões políticas, iniciando-se uma rápida e profunda transformação de um dos mais importantes grupos leigos na igreja católica brasileira. Devido à crença da JOC, de que sua missão religiosa exigia uma atenção às questões políticas e sociais, ela estava aberta à influencia dos conflitos da sociedade como um todo. A politização da sociedade durante o final do período populista de Vargas levou a JOC a se identificar cada vez mais com a luta da classe operária e a ter uma participação mais ativa na política. Essa tendência foi reforçada pelas mudanças na igreja católica.

Durante o final da década de 50, embora a instituição ainda fosse conservadora, surgiram novos impulsos inovadores, apoiados pela CNBB e pelo saudoso Papa João XXIII. Essa situação ajudou a estimular as inovações pastorais entre as classes populares, incentivando assim as atividades progressistas. Um elemento desenvolvido pela JOC nos parece de importância fundamental para entender um rumo que a igreja tomava ao trabalhar com jovens operários: a preocupação com os problemas materiais da vida da classe trabalhadora substituiu a preocupação inicial com as tradicionais questões morais.

A JOC não mais via os problemas principais dos jovens trabalhadores como questão moral no sentido estrito, mas, sim, como questões políticas e econômicas. Ela se abriu a classe trabalhadora como um todo em vez de focalizar os jovens trabalhadores católicos. Numa só mudança de direção, a JOC relativiza o moralismo religioso e assume uma posição ecumênica no trabalho com jovens pobres. Tudo isso sem fazer com que a JOC continuasse profundamente religiosa. Talvez porque quanto mais a igreja católica entra na vida concreta dos pobres mais religiosa ele continua e o inverso também é verdadeiro: quanto mais espiritualista se torna a igreja, menos profética e mística torna-se essa mesma igreja. Fenômeno que assistimos hoje na igreja católica brasileira. Não são mais homens como Dom Távora ou Dom Helder ou Dom Pedro Casáldaliga que são modelos de profetismo e esperança, mas padres “cantores” e delirantes que adoram se banquetear com estrelas televisivas e ricos e ainda se colocam como esperança para um povo ainda pobre e espoliado pelo capitalismo.

Triste momento na rica religiosidade brasileira. Ganhamos em fanatismo e perdemos em profetismo. É por isso que o livro do Pe. Isaias, ao recuperar e atualizar a memória de Dom Távora, nos faz refletir sobre os rumos da igreja atual e se torna sinal para as ainda comunidades proféticas espalhadas por esse Brasil periférico a fora.

Um outro movimento importante na formação do Dom Távora foi o MEB, de saudosa memória nos anos 60. Em 1961, a CNBB decidiu assumir a experiência das escolas radiofônicas de Natal e estendê-las às regiões Norte, Nordeste Centro-Oeste. Surgia assim o Movimento de Educação de Base (MEB). Uma iniciativa fundamental naquele momento junto às classes populares do interior esquecido do Brasil, tendo em vista a promoção social em sentido pleno dos mais pobres. O grande pedagogo Paulo Freire ofereceu ao movimento o seu “método de alfabetização-conscientização”, fruto de uma iniciativa paralela na universidade de Pernambuco. Sua pedagogia do oprimido salientava o respeito pelas classes populares e por suas capacidades, iniciativa singular na pedagogia brasileira acadêmica, onde tínhamos uma escola ainda muito elitista e preconceituosa em relação a instrução dos pobres.

A educação de base pretendia ser integral. Não podia limitar-se às primeiras letras ou a noções de matemática. Sua meta era o desenvolvimento pessoal e comunitário, com instruções práticas no campo da saúde e da agricultura, incluindo princípios de democracia política e direito sindical. Devia, sobretudo, despertar e apoiar iniciativas locais capazes de preparar o caminho para a indispensável transformação social. Momento precioso da igreja católica no Brasil que é apaixonadamente recuperado pelo livro Dom Távora: o bispo dos operários. Era um momento em que a igreja católica na pessoa dos monitores do MEB deixavam de divulgar um anticomunismo maniqueísta e passavam a se dedicar ao processo de conscientização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, quer dizer, à criação dos estimulantes intelectuais necessários á descoberta, pelos oprimidos, da realidade da sua opressão, das causas econômicas e políticas desta opressão e dos meios de combatê-la.

Rico momento de reflexão teológico-política de uma igreja que cada vez mais descobria o sentido de ser cristão numa dimensão concreta da vida dos pobres e ficamos informados pelo livro do Pe. Isaias que o generoso bispo da arquidiocese de Aracaju participou ativamente desse processo de mudança por que passava o Brasil e a sua igreja. O bispo dos operários e da educação de base entrava para a história do Brasil, escrevendo um capitulo fundamental no Nordeste pobre e resistente; crente e inquieto.

No final do livro, o Pe. Isaias descreve a noticia da morte de Dom Távora em 3 de abril de 1970 de maneira poética e trágica. Estava partido deste mundo o bispo dos operários e da educação de base e a Arquidiocese se preparava sem se preparar para os primeiros passos de um processo de volta a “velha disciplina”. Uma onda de neo-conservadorismo iria se abater sobre a arquidiocese.

O sucessor de Dom Távora, de nome Luciano Duarte e aliado fervoroso da ditadura de plantão, iria desmobilizar toda a pastoral do bispo dos operários e da educação de base; iria isolar os amigos e colaboradores de Dom Távora e antecipando assim, uma linha que seria na década de 80 uma tônica da igreja católica no Brasil.

A geração de Dom Távora estava saindo do cenário da igreja para dar lugar a uma regressão sem precedentes no catolicismo brasileiro… Mas esse não é o tema da pesquisa do livro do Pe. Isaias. O pós-Dom Távora ainda espera ter o seu balanço merecido em Sergipe. Terminamos nossa breve resenha do marcante livro publicado pela editora Paulinas, citando uma nota no jornal católico A Cruzada do dia 4 de abril de 1970 e que define o cristão e a personalidade do bispo dos operários e da educação de base: “Se distinguia por uma bondade infinita que o levava a tornar-se tudo para todos, que a caridade como ele a entendia foi a tônica da sua vida”.

*Romero Venâncio é professor de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe e Colaborador da REVER.

Texto e imagem reproduzidos do site: revistarever.com

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Dom José Vicente Távora (1910-1970)


Dom Távora: o bispo dos operários - um homem além do seu tempo resgata, de forma primorosa e bem documentada, a biografia e a atuação pastoral de uma das mais lúcidas e grandiosas figuras do episcopado brasileiro: Dom José Vicente Távora (1910-1970), primeiro arcebispo metropolitano de Aracaju (SE). Dom Távora teve participação ativa em vários momentos da vida nacional junto às autoridades governamentais - sempre em defesa dos pobres, operários, trabalhadores rurais -, com ações concretas que visavam à educação popular e organização dos trabalhadores, com o objetivo de torná-los protagonistas da própria história. Homem de grande capacidade de ação e sensibilidade pastoral, participou do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín. Com energia profética, empenhou-se na luta pela libertação dos pobres e marginalizados, exercendo o seu ministério episcopal voltado especialmente para os mais humildes e, dentre esses, o homem do campo do nordeste do Brasil. Nesse sentido, estimulou a articulação dos trabalhadores rurais e com eles fundou a Legião do Trabalho, um movimento que organizava os trabalhadores de várias categorias sob a inspiração da Doutrina Social da Igreja. Deu grande impulso ao sindicalismo rural católico, às cooperativas agrícolas, aos Círculos Operários, à Ação Católica, investiu na educação popular por meio do Movimento de Educação de Base (MEB), como experiência de educação à distância, através de escolas radiofônicas, visando à formação dos leigos para gerar mudanças concretas e transformação social. Para Dom Távora, a implantação das escolas radiofônicas era a reação libertária da Igreja à situação excludente em que se encontravam os camponeses e operários, especialmente os nordestinos. Por isso, não era uma simples escola para se aprender a ler e escrever, mas um movimento que visava ao ensino de noções elementares de higiene, agricultura, geografia e história, educação doméstica, esporte, recreação, educação moral, cívica e religiosa, técnicas agrícolas, associativismo e cooperativismo. Era toda uma pedagogia de resgate da dignidade humana, ajudando o trabalhador a sair da indigência para conquistar seu espaço na sociedade. Como o próprio Dom Távora afirmava: libertar milhões da ignorância equivale a uma segunda abolição da escravidão. Junto com Dom Hélder Câmara - de quem se tornara amigo desde o início da vida sacerdotal - se comprometeu com a causa dos pobres e marginalizados e se mantiveram fiéis a esse compromisso até o fim de seus dias. Bispos, sacerdotes, religiosos, agentes de pastoral encontrarão neste livro, no testemunho de Dom Távora, em suas palavras proféticas transcritas nesta obra, um exemplo e um estímulo de vida cristã e de compromisso com a causa dos excluídos e marginalizados da nossa sociedade.

Foto reproduzida do site: visitearacaju.com.br
Texto reproduzido do site: livraria.folha.com.br/catalogo

Dom Távora - O bispo dos operários


Dom Távora - O bispo dos operários
Por Luiz Antônio Barreto

O padre Isaias Nascimento, sergipano de Riachão do Dantas, conhecido em todo o sertão do baixo rio São Francisco pela sua atuação solidária com trabalhadores e populações marginalizadas, sendo um descendente direto da ação da Diocese de Propriá, na quadra de tempo dirigida por Dom José Brandão de Castro e agora retomada por Dom Mário Rino Sivieri, é autor do livro "Dom Távora o bispo dos operários" (São Paulo: Paulinas, 2008), uma correta e justa biografia, que recompõe, para a história política, religiosa e cultural de Sergipe a presença, entre 1957 e 1970, de Dom José Vicente Távora, como bispo e arcebispo de Aracaju.
  
Foi Dom Távora, com sua experiência de Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, quem deu vida à Província Eclesiástica de Sergipe, criada em 1960, que na prática transformou a Diocese de Aracaju em Arquidiocese, e criou duas Dioceses no interior, uma em Estância, confiada a Dom José Bezerra Coutinho (nascido no ceará em 7 de fevereiro de 1910 e falecido em 7 de novembro de 2008, em Fortaleza) e outra em Propriá, que trouxe a Sergipe o redentorista mineiro Dom José Brandão de Castro, também já falecido. Os três bispos, três José, deram à Igreja em Sergipe uma contribuição que ainda não foi devidamente estudada, em toda a sua extensão e grandeza.

Situados em suas Dioceses e responsabilidades, cada bispo com suas virtudes e qualidades no contato com a realidade do povo, cumpriu com fidelidade o papel que a hierarquia do Catolicismo recomendava. Em Aracaju, Dom Távora tinha a imensa responsabilidade de substituir a um bispo que realizou muitas obras importantes, Dom Fernando Gomes dos Santos, que era substituto do venerando Dom José Tomás, que implantou a Diocese, criou o Seminário Sagrado Coração de Jesús e que teve longa e profícua presença entre os sergipanos.

Preparado, experiente, Dom Távora exerceu, com visão de estadista da Igreja, um papel renovador, que o padre Isaias Nascimento destaca, com muita justiça, no seu livro biográfico. Mais do que avanços, Dom Távora deu exemplo de atitudes, gestos que marcaram as relações, muitas vezes tensas, entre o Arcebispo e o Poder sob a tutela militar deste 1964. Digno na sua autoridade, responsável em seu governo, progressista na sua visão do mundo, Dom Távora honrou o clero, resistindo até a morte ao patrulhamento e constrangimentos impostos pelos tempos duros do regime militar.

Dom Coutinho teve um bispado mais tranqüilo, abarcando uma região onde os conflitos de terra eram raros e a distribuição da riqueza era menos concentrada. Dom Brandão, contudo, enfrentou um gueto de miséria, com poucos muito ricos e uma multidão de famintos, que precisam ser assistidos, antes que a adversidade e a injustiça os fizessem debandar do rebanho de Deus. A ação política de Dom Brandão libertou do obscurantismo as populações sanfranciscanas de Sergipe, que passaram a conquistar direitos com os quais sempre sonharam. Acostumado a pregação, nas Santas Missões de Minas Gerais e da Bahia, Dom Brandão fez do jornal da Diocese – A Defesa – porta-voz das comunidades, na luta contra a política dos mesmos chefes e seus prepostos. Tornou membro da Academia Sergipana de Letras e foi, até resignar-se e voltar a Minas Gerais, um sergipanizado com uma folha de serviços notáveis e inesquecíveis.

Padre Isaias Nascimento trata de Dom José Vicente Távora, da sua chegada a Sergipe, como Bispo de Aracaju, sua promoção a Arcebispo, capitulando as ações pastorais que marcaram o arcebispado, em capítulos elucidativos, assim definidos: Dom José Vicente Távora, Bispo de Aracaju, cobrindo 13 anos de intensa atividade, A criação da Província Eclesiástica de Aracaju; A participação de Dom Távora no Concílio Vaticano II; Reações da Igreja contra a fome e a miséria em Sergipe, arrolando uma prática de grande apelo e repercussão social; Dom Távora e a noite escura de 1964; e Abril de 1970, data da morte do eminente prelado, vitimado pelas pressões que rebentaram seu coração doce de homem bom e justo. O livro tem, ainda, informações sobre as Paróquias criadas, os padres ordenados por Dom Távora e, ainda, sua Primeira Mensagem Pastoral.

Padre Isaias Nascimento dá uma lição de como se pode e se deve escrever uma biografia, com seu contexto, dando à historiografia de Sergipe uma contribuição singular, tanto pela justeza e oportunidade de fazer o resgate de uma vida, como se colocar os fatos na ordem seqüencial de suas importâncias, situando um contexto que interessa a todos conhecê-lo. O livro não encerra tudo o que diz respeito a Dom Távora, mas permite um contato significativo das novas gerações com a obra pastoral do Bispo e Arcebispo de Aracaju, que morreu há 38 anos, mas que ficou na memória de todos os do seu tempo, pela lucidez, pela coragem, pelo destemor, pela responsabilidade e pelos serviços que prestou a Sergipe, através do Movimento de Educação de Base - MEB, da Rádio Cultura, do jornal A Cruzada, de obras criadas e mantidas pela Diocese/Arquidiocese, e principalmente pelas lições cívicas que honraram a história eclesiástica sergipana.

Fiel aos fatos, criterioso no uso das fontes, elegante no texto, padre Isaias Nascimento expõe, nas 254 páginas do seu livro, um retrato muito bem feito do seu biografado, adornando-o de tudo aquilo que colheu, nas pesquisas, sobre aqueles tempos difíceis de luta e resistência, no qual aflora com grandeza o vulto de Dom José Vicente Távora, sublinhado com o título de O Bispo dos Operários.

As Dioceses de Estância e Propriá e a Arquidiocese de Aracaju devem espalhar pelas mãos dos católicos de Sergipe, de todas as idades, o livro do padre Isaias Nascimento com a bela biografia de Dom José Vicente Távora.

Fonte: Serigy.
Texto reproduzidos do site: visitearacaju.com.br
Foto reproduzida do site: enciclopedianordeste.com.br