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sexta-feira, 7 de junho de 2024

Antonio Carlos Viana estaria fazendo 80 anos de vida

Legenda da foto: Antonio Carlos Viana: um inventivo que faz falta!

Publicação compartilhada do site JL POLÍTICA & NEGÓCIO, de 6 de Junho de 2024

Antonio Carlos Viana estaria fazendo 80 anos de vida

Por Roseneide Santana *

Nesta última quarta-feira, 5 de junho, o renomado contista brasileiro Antonio Carlos Viana teria feito 80 anos. Nascido em Aracaju em 1944, Viana lançou seu primeiro livro em 1974 pela Editora Cátedra, com o título Brincar de Manja. Ele faleceu aqui em Aracaju no dia 14 de outubro de 2016 vítima de um câncer de próstata.

Naquela época de 1974, ele tinha abandonado a carreira de professor do Estado em Sergipe e rumou para Teresópolis, no Rio de Janeiro, com a esposa, para vender cachorro-quente em frente ao INSS da cidade.

De Viana, foram muitas traduções, incluindo As Fábulas de Esopo e Os Miseráveis, Vitor Hugo, alguns livros didáticos sobre escrita, um livro infantil, O Palhaço e a Bailarina, Edelbra, 2007, e sete livros de contos: Brincar de Manja - Cátedra, 1974 -, Em Pleno Castigo - Hucitec, 1981 -, O Meio do Mundo - Libra & Libra, 1993 -, e pela Companhia das Letras, O Meio do Mundo e outros contos, 1999, Aberto está o inferno, 2004, Cine Privê, 2009 e Jeito de matar lagartas, 2015.

Os dois últimos receberam o primeiro lugar no Prêmio APCA - Associação Paulista de Crítica de Arte -, e Jeito de matar lagartas recebeu o Jabuti In memoriam, em 2017.

Destaco aqui a generosidade desse grande escritor que durante muitos anos, já aposentado, coordenou junto com a professora Maruze Reis um projeto de incentivo à leitura na Biblioteca Epifânio Dória, em Aracaju.

Eis o fragmento de um dos mais belos contos de Viana, O Meio do Mundo, que foi transformado em curta metragem premiado nas mãos do cineasta paraibano Marcus Vilar.

“A estrada era comprida que nem só, mais ainda que a do mulungu onde a gente ia ver o doutor uma vez por ano. Meu pai na frente, calado mais que nunca, o sol ardendo na cabeça, até que ele pôs um lenço no cocuruto calvo. Minha mãe tinha me dado um chapéu que nem dava mais na minha cabeça. E lá íamos no silêncio da areia quente esfolando os pés, minha alpercata mais comida que a correia de amolar faca. Na verdade eu nem sabia para onde estava para onde estava indo”.

* ARTICULISTA Roseneide Santana, é mestra em Letras e técnica em Educação da UFS. 

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica com br

sábado, 25 de novembro de 2017

Semana Literária fará homenagem a Antônio Carlos Viana

Antônio Carlos Viana faleceu o ano passado.
Foto: Arquivo Infonet.

Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 24/11/2017

Semana Literária fará homenagem a Antônio Carlos Viana

A homenagem acontece de 27 de novembro a 1º de dezembro

De 27/11 a 01/12 a Fecomércio/Sesc realiza no auditório da Unidade Centro, a “Semana Literária – um dedo de prosa com a literatura sergipana”. Nessa edição a instituição irá homenagear o sergipano Antônio Carlos Viana, contista reconhecido nacionalmente pelo primor de sua obra, que faleceu o ano passado.

A ideia da instituição é promover uma semana de literatura com diálogos entre diversas linguagens literárias, por meio de uma programação plural que colocará em evidência o pensamento contemporâneo e o fazer literário do Estado.

De acordo com Adely Carneiro, diretora regional do Sesc, o objetivo maior é aproximar os comerciários e a comunidade em geral aos escritores sergipanos, criando estratégias de visibilidade para os grupos supostamente excluídos do fazer literário em Sergipe. “A essência do projeto também está voltada à formação do leitor, priorizando debates, discussão, exposição de ideias, acesso a textos e vivencias literárias”, disse a diretora.

A abertura do evento ocorre na próxima segunda-feira, às 18h, com a mesa temática Diálogos: os contos de Antônio Viana, formada por Marta Lopes Garcia da Silva/SP, Reinaldo Esteves Correa de Moraes/SP e Maria Roseneide de Santana dos Santos/SE.

Após o debate será a lançada a exposição “O menino Tonho” – O escritor Antônio Carlos Viana, sob a curadoria da esposa do homenageado Cacilda Maria Carreiro Viana e Vanderléa Cardoso, técnica em artes-visuais, responsável pela galeria de arte do Sesc.

Programação completa:
28 de novembro (Terça-feira)

18h - Mesa Diálogos: Panorama da Literatura Contemporânea
Performance Literária
Mediação:
José Heriberto de Souza/SE - Formado em Letras/UFS e Pós-graduado em Língua, Linguística e Literatura/FIP-PB
Palestrantes:
André Viana/SP - Escritor e tradutor. Formado em Jornalismo/UFS; trabalhou nas Revistas Playboy, Veja e Jornal Gazeta Mercantil.
Jeová Silva Santana/SE - Dr. em Educação: História, Política, Sociedade/PUC-SP
Josalba Fabiana dos Santos/SE - Doutora com Pós-Doutorado em Estudos Literários/UFMG.

29 de novembro (Quarta-feira)

18h - Mesa Diálogos: Literatura e Jornalismo Cultural
Mediação:
Luiz Eduardo Oliva/SE - Escritor, formado em Direito/UFS, Me. em Administração/UFSC.
Palestrantes:
Ilma Fontes/SE - Jornalista, Ativista Cultural e Membro da Academia de Letras de Aracaju.
Amaral Cavalcante/SE - Jornalista, Poeta e Membro da Academia Sergipana de Letras.

30 de novembro (Quinta-feira)

14h - Mesa Diálogos: Literatura Popular
Mediação:
José Paulino da Silva/SE -  Dr. em Filosofia e História da Educação / Unicamp/SP.
Palestrantes:
Carlos Vasconcelos/CE - Professor, escritor e produtor Cultural; Doutorando em Literatura Comparada/UFC.
Vilma Mota Quintela/SE - Dra. em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura, com estágio doutoral na Universidade de Paris X.
Jackson da Silva Lima - Formado em Direito/FDS-SE, Prof. de Literatura, Historiador e Folclorista.

1º de dezembro

18h - SARAU POÉTICO - O Poeta, o vinho e o violão
As poéticas:
Guilherme Ramos/AL - Escritor e dramaturgo. Formado em Arquitetura e Urbanismo/UFAL, especialista em gestão de Organizações Sociais/UFS.
Wilson Coelho/ES - Escritor e Dr. Literatura Comparada/UFF-RJ
Apresentação musical - cantoria
Espaço aberto para declamação
OFICINAS
SESC LER INDIAROBA
Período: 27/11 a 1ª/12
Horário: 13 às 17h
Gibi | HQ nosso de cada dia
O B a Bá do Cordel (iniciação ao Cordel)
SESC CENTRO
Período: 27/11 a 1ª/12
Horário: 13 às 17h
O B a Bá do Cordel (iniciação ao Cordel)
A Escrita Poética das Formas Livres
Micro Contos

Fonte: SESC

Texto e imagem reproduzidos do site: infonet.com.br

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Um diálogo vital entre o poeta e Antônio Carlos Viana


Publicado originalmente pelo site da Folha, em 20/11/2016.

Um diálogo vital entre o poeta e Antônio Carlos Viana.
Por Paulo Henriques Britto*

Poeta e escritor, o autor rememora sua amizade com Antônio Carlos Viana e comenta a obra do sergipano, que morreu em 16 de outubro. Doutor em literatura pela Universidade de Nice, Viana dedicou-se ao conto, tendo publicado coletâneas do gênero pela Companhia das Letras, como a elogiada "Cine Privê" (2009).

Quando conheci Antônio Carlos Viana, eu tinha 17 anos, ele, 24. Sergipano havia pouco tempo no Rio, Antônio lecionava português numa escola particular da Tijuca, onde eu cursava a segunda série do colegial. Seu método de ensino era nos fazer ler literatura: foi com ele que descobri Graciliano Ramos e Clarice Lispector.

Convivemos na mesma cidade por menos de um ano, mas nos tornamos amigos para o resto da vida. Logo ele se mudou para Teresópolis, e pouco depois publicou seu primeiro livro de contos, "Brincar de Manja". Nessa obra de estreia já se percebiam alguns elementos que estariam presentes ao longo de toda a sua trajetória: as contingências do corpo no sexo e na morte, a ignorância e vulnerabilidade da infância.

Havia também um toque de fantasia que refletia as suas leituras da época: José J. Veiga, García Márquez e Cortázar. Após alguns anos em Teresópolis, Antônio foi estudar no Rio Grande do Sul; eu fui para a Califórnia, e nossa amizade passou a depender dos correios, depois substituídos pela internet.

Embora tivesse viajado para estudar cinema, eu dedicava a maior parte do meu tempo no estrangeiro a escrever contos –em inglês, já que pensava seriamente em não voltar mais para o Brasil, então vivendo o pior período da ditadura. Menos de dois anos depois, porém, já estava de regresso ao Rio, trabalhando como professor de inglês e reescrevendo em português o que eu havia produzido na Califórnia.

Antônio tornou-se então meu consultor literário mais importante: eu lhe enviava versão após versão de meus contos. Sabia que ele tinha ouvido absoluto para clichês, impropriedades verbais, incoerências na fala de personagens; sabia também que ele me diria exatamente o que pensava dos meus escritos.

Em 1981, Antônio publicou seu segundo livro, "Em Pleno Castigo". Sua prosa estava ainda mais depurada e seca; a temática fantástica fora atenuada, e o foco era nas personagens que se tornariam fundamentais em seu trabalho. De um lado, crianças e adolescentes tentando entender as forças misteriosas que impelem seus corpos; de outro, pessoas mais velhas, principalmente mulheres, solitárias, isoladas ou marginalizadas, esforçando-se para sobreviver com um mínimo de dignidade.

A voz do narrador, em primeira ou em terceira pessoa, mantinha um equilíbrio delicado entre objetividade absoluta e empatia, entre crueldade e humor sutilíssimo.

Em 1986, fiquei 40 dias hospedado na Cité Universitaire, em Paris, onde Antônio estava morando com a mulher e o filho, trabalhando numa tese de doutorado sobre a poesia de João Cabral. Nessa minha estada, tínhamos longas conversas sobre tudo, inclusive Cabral. Lembro-me da crítica severa que ele fez a alguns dos poemas do meu primeiro livro, publicado anos antes.

Embora não tivesse usado o termo, estava claro que, para Antônio, neles eu cometera o pior dos pecados literários: o sentimentalismo. Se Cabral já era meu superego poético, a crítica de Antônio reforçou-o ainda mais nesse papel.

De Paris, Antônio voltou para Aracaju, onde moraria pelo resto da vida, trabalhando na universidade, traduzindo e escrevendo. Continuava a ler e criticar meus contos, e também me mandava os que ele ia escrevendo, num ritmo para mim inimaginável: seu terceiro livro saiu em 1993. Nessa década, estivemos juntos duas vezes, em eventos acadêmicos em Aracaju para os quais ele convidou a mim e a minha mulher, Santuza Cambraia Naves.

Numa dessas idas a Sergipe, encontramos Antônio em pé de guerra com boa parte da comunidade literária local. Uma proposta de lei estadual obrigaria as escolas a apresentar aos alunos a "literatura sergipana" antes da brasileira; Antônio argumentava que não existia "literatura sergipana", e sim autores de literatura brasileira que haviam nascido em Sergipe, o que não era a mesma coisa. O provincianismo era uma das poucas coisas que o tiravam do sério.

NADINHA

Embora já tivesse conquistado vários prêmios literários, até então Antônio era publicado por editoras pequenas, que não proporcionavam a seus livros uma distribuição decente. Quando, em 1999, a Companhia das Letras me pediu para fazer uma seleção de suas três obras até ali, aceitei a incumbência com entusiasmo, sabendo que daquela vez Antônio teria um público maior. "O Meio do Mundo e Outros Contos" incluía também uns poucos textos ainda não reunidos em livro, como "Nadinha", uma pequena obra-prima de concisão radical.

Em 2004, finalmente publiquei meu primeiro livro de contos, dos quais apenas dois não remontavam aos anos 1970; dediquei-o a Santuza e a Antônio, meus leitores de primeira hora. No mesmo ano, Antônio lançou "Aberto Está o Inferno", que começava por "Ana Frágua", quatro páginas em que um dos temas prediletos do autor, a perda da inocência infantil, é abordado com um extraordinário misto de crueza e delicadeza.

Os contos estavam ainda mais curtos; um deles, "Inveja", tinha apenas 14 linhas. Cinco anos depois, Antônio lançou "Cine Privê", retribuindo a dedicatória que eu lhe havia feito. Embora ali a infância continuasse presente, suas narrativas agora tematizavam cada vez mais a velhice, como indicam alguns dos títulos: "O Terceiro Velho da Noite", "A Velhice Chega de Mansinho" e "Minha Avó Inocência".

Em 2013, eu e Antônio fomos à Alemanha participar da Feira de Frankfurt; pela primeira vez em muitos anos –fora um rápido encontro anterior em Paraty–, pudemos conversar. Aliás, o que mais fiz nessa viagem foi conversar com Antônio, no quarto do hotel, tomando o vinho que comprávamos na loja de conveniência do posto de gasolina.

Depois passamos mais de um ano sem nos vermos, eu lhe mandando versões sucessivas dos contos que estava aprontando para um segundo livro, ele de início resmungando que não escrevia mais nada, por não ter mais o que dizer. Resolvi incentivá-lo a retomar umas histórias que havia abandonado, e com minha insistência ele acabou tomando gosto e terminando um número de textos suficiente para um novo livro.

Um dos contos, que daria título ao volume – "Jeito de Matar Lagartas"–, era um dos melhores que ele já havia escrito; em outro, "Um Traidor", Antônio retomava o tema da solidão na velhice com um humor irresistível.

Depois de um período de um mês ou dois sem nos escrevermos, no final de 2014 recebi um e-mail de conhecida minha e de Antônio dizendo que ele estava morrendo de câncer. A notícia me deixou atônito, porque ele nunca havia me falado de doença. Liguei para seus familiares e soube que o mal estava avançado, com pouca esperança de cura, mas que se estava tentando um tratamento de risco.

Comprei uma passagem para Aracaju para janeiro, quando eu já estaria de férias na universidade, sem ter certeza de que ainda o encontraria com vida. Nesse ínterim, a Companhia das Letras me pediu uma orelha para o novo livro de Antônio em caráter de urgência; eles fariam tudo para que o livro saísse enquanto ele ainda estivesse vivo.

Em janeiro de 2015, encontrei Antônio ainda muito debilitado, recuperando-se de um tratamento brutal, mas que funcionou por algum tempo. Passamos alguns dias conversando, como em Frankfurt; mas a literatura não era mais nosso tema principal. Só então fiquei sabendo das idas e vindas da doença, dos tratamentos mais e menos acertados, coisas a respeito das quais, movido por sei lá que sentimento de pudor, ele nunca me dissera nada.

Pouco depois de voltar ao Rio, recebi meu exemplar autografado do novo livro, e nossa correspondência retomou o ritmo de sempre. Quase três meses atrás, mandei-lhe o rascunho de um conto novo, sobre cuja viabilidade eu tinha (e ainda tenho) sérias dúvidas. Ele me respondeu dizendo que não poderia ler no momento, por estar se recuperando de uma nova cirurgia. Pouco mais de um mês depois, sucumbiu a uma anemia causada pelo câncer.

Depois fiquei sabendo que Antônio, perfeccionista como sempre, antes de ir para o hospital pela última vez apagou do disco rígido de seu computador os rascunhos dos contos que não tivera tempo de terminar.

* Paulo Henriques Britto, 64, é poeta, tradutor e professor do departamento de letras da PUC-Rio.

Texto reproduzidos do site: folha.uol.com.br

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Antônio Carlos Viana dribla a morte

Foto: reproduzida do site: rascunho.com.br

Publicado originalmente no site Expressao Sergipana, em 08/10/2016.

Antônio Carlos Viana dribla a morte.

Sempre digo que escrever é como adiar a morte. Por isso escrevo um diário que já tem mais de 10 anos. É uma forma de não perder o compromisso com a vida e com a escrita

De Antonio Carlos Viana, podemos esperar o rigor dos contos e do olhar sobre os contos. O autor, que faleceu na última sexta-feira em decorrência de um câncer, destruiu todos os textos inacabados. A doença, antes eliminada, voltara há apenas 15 dias.

Podíamos esperar dele, também, um elevado nível de comprometimento com a literatura. Já professor universitário, um dia ele resolveu abandonar a profissão para vender cachorro-quente na fila do SUS, em Sergipe. E isso influenciou o modo como ele olhou essa parcela economicamente oprimida da população, que protagoniza boa parte de seus contos. Em entrevistas, ele advogou a importância de o escritor conhecer a teoria literária. Mas reconhecia que isso não é estritamente necessário para compor uma boa obra.

Um dos maiores contistas contemporâneos, ele dizia não escrever romances por pura impaciência. “A fatura dos contos é mais rápida”, dizia. Começou na carreira literária com Brincar de manja (1974). Seu último livro, Jeito de matar lagartas, é de 2015. Foi mestre (PUC-RS) e doutor (Universidade de Nice, França) em teoria literária.

No texto abaixo – feito especialmente para o livro Ficcionais 2 (Cepe Editora) -, vemos um Viana que se diz salvo pela literatura. Na vida, víamos um Viana realmente diferente; antes mais sério, depois do tratamento ele passou a tirar diversas selfies no Facebook, a ser mais expansivo. Falava em começar a malhar.

A morte, a escrita e essa abertura para vida são temas que transparecem no texto que segue, um bastidor de seu livro mais recente. É uma pequena homenagem do Suplemento Pernambuco a um autor de obra relevante no cenário editorial atual.

Também vemos como Viana, no texto, fala da influência de Kafka. “Mas o livro nada tem de kafkiano”. Porém, não conseguimos deixar de pensar no fato dele ter destruído seus trabalhos inacabados. Kafka morreu jovem. Tinha destruído parte significativa de sua obra. Instruiu seu amigo Max Brod a queimar o resto, no que foi desobedecido. Viana não quis correr esse risco.

Abrimos este texto afirmando que “podemos esperar o rigor” dos contos do escritor. “Podemos”, no presente, e não no passado. Viana permanece em sua obra, continua presente.
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Jeito de driblar a morte
por Antonio Carlos Viana

Bastidores de Jeito de matar lagartas (2015).

Tenho o hábito de escrever todas as manhãs, nem que seja uma linha, um parágrafo, que vou arquivando, sem grandes pretensões. Acredito que qualquer arte depende muito de nossa insistência, de nosso trabalho duro, mesmo que a tal da inspiração nunca apareça. A arte existe contra ela. É como a educação pela pedra, “frequentá-la”. Um dia sem escrever uma linha que seja me parece um dia perdido. Sempre digo que escrever é como adiar a morte. Por isso escrevo um diário que já tem mais de 10 anos. É uma forma de não perder o compromisso com a vida e com a escrita.

Assim, quando sinto que tenho um arquivo abarrotado de possíveis histórias, abro-o e vejo quais as que podem render mais. Assim nasceram todos os meus livros, seis até agora. Nunca me sentei com a ideia: “Vou escrever um livro a partir de hoje”. Isso me deixaria tenso, e jamais chegaria a coisa alguma. Preciso fazer de conta que estou apenas me divertindo. Se der certo, ótimo. Geralmente, tem dado.

Pego apenas um possível conto por dia e começo a trabalhá-lo até sentir que dominei aquela história nascida do acaso, que pode ter como embrião apenas uma frase, tal como aconteceu com o conto A Muralha da China, que abre o volume de Jeito de matar lagartas. Eu havia escrito apenas: “Nossa mãe tinha avisado: Façam de conta que Lelo ainda está vivo, conversem com dona Irene, fiquem como se ele fosse chegar e que vocês foram lá só pra brincar com ele”. Eu havia escrito isso fazia bem uns dois anos.

O restante da história era para mim um mistério, sempre é um mistério. A primeira frase de um conto precisa ter pegada, ficar retinindo por muito tempo em nossa cabeça. É só ter paciência, que o restante vem. Ao contrário do que diz Gabriel García Márquez, que, ao chegar à metade de um conto você já deve saber o final, meus contos nunca vêm inteiros na primeira escrita. A Muralha da China só foi se delineando muito lentamente. Eu não sabia a razão por que a mãe havia dito aquilo aos dois filhos. Quando descobri que era sobre a morte de Lelo e de seu pai, surgiu a ideia do quebra-cabeça, que seria contar a dona Irene a trágica notícia. Da ideia de quebra-cabeça me veio à lembrança aquele brinquedo de pequenas peças para montar. Podia ser um quadro, um monumento, uma paisagem… Pensei, então, numa muralha, pois o tempo todo os pais dos meninos precisarão transpor a muralha da alegria com que dona Irene os recebe. Eles precisarão transpô-la para dar a notícia da morte do filho e do marido num acidente de ônibus. Nada mais apropriado do que a Muralha da China. Ainda pensei em intitular o conto A mesquita azul, mas esta não tinha a mesma simbologia da muralha, que, no conto, também fica inacabada. Pensei até em dar ao livro o título de Muralha da China, mas poderiam pensar numa relação com Kafka, e o livro nada tem de kafkiano.

Quanto ao livro em si, Jeito de matar lagartas, nasceu de um modo diferente dos outros. Meu arquivo de contos já estava pedindo para ser explorado e eu não tinha nenhuma disposição para revê-los, pois vinha sendo acometido por uma estranha doença que os médicos não conseguiam diagnosticar. Para enfrentar a literatura é preciso ter boa saúde. Sentindo que ia entrar numa fase cujo final não se me descortinava nem um pouco tranquilo, eu tinha de enfrentar meus arquivos de histórias inacabadas. Tenho o péssimo habito de não gostar de reler o que escrevo. Foi quando meu primeiro leitor, o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, me pediu algo novo para ler, mas eu não tinha coragem de lhe mandar nada, porque achava que a qualidade do que eu tinha arquivado não me agradava. Não sei se essa insegurança é boa para o escritor ou para qualquer artista. Não consigo ter autodistanciamento para julgar a mim mesmo. Geralmente, minha crítica é muito negativa e paralisante. Já fiz até terapia para resolver isso. Resolveu em parte.

Àquela altura, eu não tinha nenhuma vontade de publicar mais nada, só pensava em ter um diagnóstico sobre minha estranha doença, que me fazia acordar todos os dias com uma enorme dor de cabeça e muita dor nas costas.

Enviei um conto para o Paulo, e sua resposta me surpreendeu. Ele disse que eu não precisava fazer mais nada, estava pronto. Me pediu mais outros e fui enviando os que achava que estavam mais ou menos acabados. Tenho outros três leitores de confiança além do Paulo, e, cada conto aprovado por este, eu enviava para eles. As aprovações foram se sucedendo e isso me animou a enviar cerca de 30 contos, dos quais 27 foram aprovados sem ressalvas. As ressalvas eu mesmo criava: a sonoridade das palavras, a procura da palavra exata, não só quanto ao sentido, mas também quanto ao som, a posição de cada parágrafo, a caracterização de cada personagem… Quem escreve sabe muito bem como isso nos atormenta. Sou um discípulo das teorias de Valéry. O escritor precisa sempre estar desconfiado das facilidades que muitas vezes o assaltam. Por isso, é bom ter sempre três ou quatro leitores exigentes, e muito sinceros, para não publicarmos tolices.

Quando estava com os contos escolhidos, parti para a confecção do livro. Na época, abril de 2014, eu morava em Curitiba. Apesar de doente, me tranquei 15 dias no flat onde morava e trabalhei cerca de oito, 10 horas por dia, fazendo os últimos ajustes. Só saía para almoçar e caminhar ao cair da noite. Os finais de alguns contos não me agradavam ainda, apesar da aprovação dos meus quatro críticos. No final das contas, somos, os escritores, nossos críticos mais ácidos. Quando o final de um conto não me agrada, acho que ele se destrói, por mais fascinante que seja a história contada. E havia uns três ou quatro finais que me deixavam intranquilo.

Em meados de maio, entrei em contato com Vanessa Ferrari, minha editora na Companhia das Letras, e enviei o livro para ela. Sempre fico apreensivo quando faço isso. Em poucos dias, recebi sua aprovação com algumas observações em relação a pequenas detalhes em alguns contos. Jeito de matar lagartas, título sugerido por Paulo Henriques, foi bem- recebido. Mesmo com a aprovação da editora, resolvi reler todo o livro e retrabalhar cada texto para sua edição definitiva, o que me tomou mais uma semana.

Sem esse trabalho, não há como fazer literatura ou qualquer outra arte. Essa fase final me deixa sempre supertenso, porque depois do livro lançado não há mais caminho de volta. Enviei a versão definitiva para Vanessa no final de maio, e ela me prometeu o livro para janeiro de 2015. Em outubro, fui Internado no hospital São Lucas, em Aracaju, quando recebi o diagnóstico fulminante de mieloma múltiplo. Daí em diante, eu só tinha um pensamento: “Não quero morrer antes de ver meu livro pronto”. A última revisão foi feita no quarto do hospital, meu filho André lendo conto por conto, para ver se eu ainda queria fazer alguma modificação.

Em fevereiro, recebi os primeiros exemplares de Jeito de matar lagartas, com uma capa que me tocou muito, num verde sombrio: a foto do sítio onde passei minha infância. Foi como se a espera desse livro tivesse contribuído para superar momentos tão cheios de dor e de uma rala esperança de sair daquele estado. Posso dizer que, no meu caso, a literatura ajudou a me salvar.

Texto reproduzido do site: expressaosergipana.com.br

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Reverbera com o escritor Antonio Carlos Viana - Parte 1 e 2



Morre o escritor e acadêmico Antonio Carlos Viana, aos 72 anos


Publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo, em 15/10/2016.

Morre o escritor e acadêmico Antonio Carlos Viana, aos 72 anos

Rodolfo Viana de São Paulo.

Morreu na noite de sexta (14), no Hospital Unimed, em Aracaju (SE), o escritor, tradutor e acadêmico Antonio Carlos Viana, autor premiado duas vezes pela APCA (Academia Brasileira de Críticos de Arte). A morte foi confirmada por sua editora, Marta Garcia, e por seu filho, o também escritor André Viana.

Em 2014, Viana descobriu que sofria com mieloma múltiplo, um câncer na medula óssea. O escritor sergipano passou por um tratamento no começo de 2015 e se recuperou. Há duas semanas, porém, a doença retornou "com tudo", diz André.

Mestre em teoria literária pela PUC do Rio Grande do Sul e doutor em literatura comparada pela Universidade de Nice, na França, era considerado um dos grandes da atualidade.

Sua obra mais recente, "Jeito de Matar Lagartas", lançado pela Companhia das Letras em 2015, ganhou o prêmio APCA na categoria contos daquele ano. A coletânea traz textos que, em conjunto, formam a imagem de um desencontro perene que perpassa desde a perda da inocência na infância até o distanciamento entre sexo e corpo na velhice.

Garcia lembra que, no começo de 2015 - quando Viana estava mal, antes do tratamento com quimioterapia -, o livro "pulou a fila de publicações da Companhia das Letras" para que a obra pudesse sair enquanto Viana estava vivo.

"E depois do tratamento, ele se transformou em outra pessoa", comenta. "De homem tímido - que poderia ser confundido com ríspido para quem não o conhecesse -, se tornou alguém expansivo, passou a rir mais, a usar mais o Facebook - o que foi um choque para quem o conhecia!"

"Ele era um cara macambúzio", comenta André, "mas depois da recuperação surpreendente queria celebrar a vida."

"Jeito de Matar Lagartas" foi o segundo prêmio da crítica de Viana. Em 2009, seu "Cine Privê", publicado em 2009 pela mesma editora, também foi agraciado com o APCA em contos. Os contos ali trazem personagens condenados à invisibilidade - como um homem cujo trabalho é limpar as cabines individuais de um cinema pornô - ou a abusos - como a adolescente pobre que troca favores sexuais por tratamento de dentes.

A cerimônia de despedida será no início da tarde de sábado, na Biblioteca Epifanio Doria, em Aracaju. André Viana, contudo, diz no Facebook que são se trata de um velório "porque acredito que a gente precise sair um pouco desse quartinho triste e escuro do fim da vida e bailar no salão iluminado dos grandes homens e mulheres, por que não?".

"O espaço estará aberto para quem quiser e do jeito que quiser render sua homenagem ao professor Mangueira, ao contista Antonio Carlos Viana, ao velho e querido e amado Tonho. Vale música, vale recital, vale roda de leitura, vale circo, vale teatro, vale cuspidor de fogo, vale tudo. Vamos fazer da arte a religião deste sábado", diz.

Viana deixa um filho e nenhum trabalho inacabado. De acordo com André, os contos que estavam pela metade foram destruídos por Viana, quando descobriu que a doença voltara, em setembro. "Ele não queria deixar nada sem término, tamanho o seu rigor."

Texto reproduzido do site: folha.uol.com.br/ilustrada

O escritor Antônio Carlos Viana morre aos 72 anos.


Publicado originalmente no site do Portal A8/SE., em 15/10/2016.

O escritor Antônio Carlos Viana morre aos 72 anos.

Redação Portal A8.

O escritor e professor sergipano Antônio Carlos Viana morreu na madrugada deste sábado (15), ele lutava contra um câncer, teve complicações com uma anemia profunda e não resistiu. O escritor estava internado no Hospital Unimed, desde último sábado. Ele nasceu em Aracaju, é mestre em teoria literária pela PUC-RS e doutor em literatura comparada pela Universidade Nice, França. Foi autor de Jeito de matar Lagartas, da Companhia de Letras atual editora do escritor. Brincar de manja(Cátedra, 1974), Em pleno castigo (São Paulo, Hucitec, 1981), O meio do mundo (Libra & Libra, 1993) e Roteiro de redação: lendo e argumentando (São Paulo, Scipione, 1997). Recebeu o prêmio APCA 2009 de melhor livro de contos por Cine privê.

O escritor morre aos 72 anos, deixa um filho, o também escritor André Viana e sua atual companheira Maria Carolina Barcellos. O corpo será levado para a Biblioteca Epifânio Dórea, onde a partir das 14 horas estará aberto ao público que quiser prestar as últimas homenagens ao escritor. O velório segue até a manhã deste domingo (16), quando o corpo será levado para Salvador, na Bahia, onde será cremado.

O jornalista e amigo Josailto Lima divulgou um poema sobre a morte do escritor:

“O mano véio escritor e professor Antônio Carlos Viana não mais brincará de manja por aqui, entre nós. Acaba de morrer. Ou de se encantar.

O velório do cabra vai ser na Biblioteca Epifânio Dória. Mas a família pede que o seja sem choros nem velas.

Quer que tudo soe como num conto dele: cheio de vida e de pulsação. Alguns leros, sambas e pingas - no ritmo de uma alegria que ele adotou entre o se deparar com um mieloma, afastar-se da enfermidade e voltarem a se desentender.

Cada um poderá se manifestar do jeito que bem quiser: vale música, recitar poemas e trechos de contos dele ou de qualquer outro, malabarismo, festa.

Celebremos, pois, esta passagem daquele cuja barba cessou de crescer! (Depois de velado na Epifânio, o corpo será levado para ser cremado em Salvador, Bahia).”

Jozailto Lima.

Texto reproduzido do site: a8se.com/sergipe

Entrevista com Antonio Carlos Viana

Foto: Divulgação.

Publicado originalmente na Revista Literatura.

Entrevista com Antonio Carlos Viana.

"Fica difícil ser otimista num mundo em que não há muitas saídas para quem está à margem de tudo, sobretudo da educação. Porque, no nosso país, a educação que se dá ao pobre é tão ruim que no futuro não vai lhe abrir porta alguma. Enquanto não repararem esse mal, continuarei desacreditando no Brasil.".

Por Rafael Rodrigues

O contista sergipano Antonio Carlos Viana escreve sobre o inevitável e o inusitado da vida. Mas também sobre o risível, o ridículo, o irremediável. Cine Privê, seu terceiro livro de contos, é uma obra de rara qualidade e simplicidade. Não obstante a diversidade e as virtudes da literatura brasileira, poucos são os escritores que conseguem realizar obras tão coesas e harmoniosas. E tão sóbrias. Há, nos contos de Cine privê, temas e situações que os autores menos experientes adoram abordar em seus livros, como sexo e violência gratuita. Viana, no entanto, os retrata por outros prismas: sexo se transforma em sensualidade; violência em crueldade. O que falta à maioria dos nossos escritores - seja pela pouca idade, pela inexperiência ou mesmo pelo pouco talento - sobra em Antonio Carlos Viana: classe.

Apontado por muitos como um dos mestres do conto contemporâneo, sendo suas obras anteriores, Aberto está o inferno e O meio do mundo e outros contos, elogiadíssimas, Antonio Carlos Viana, apesar de criar personagens pobres e sofridos, diz não ser um escritor engajado. Na entrevista a seguir, realizada por e-mail, Antonio Carlos Viana fala sobre sua carreira, sobre Cine Privê e sobre a literatura brasileira contemporânea.

CP literatura - Nascido em Aracaju, o senhor hoje é doutor em Literatura Comparada pela Universidade de Nice, na França. Como isso aconteceu? Poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória?

Sempre gostei muito de estudar, sobretudo Teoria Literária, mesmo antes de pensar em ser escritor. Acho que quem se dispõe a escrever precisa entender bastante de teoria para saber por que caminhos está andando. Eu me formei em letras em Aracaju, depois fiz mestrado em Teoria Literária na PUC do Rio Grande do Sul, onde encontrei uma verdadeira mestra, a professora Regina Zilberman. Foi ela que me incentivou a continuar escrevendo. Dois anos depois de terminar o mestrado, eu nem pensava em fazer o doutorado, mas me foi oferecida uma bolsa para fazê-lo, na França. Escolhi Nice porque conheci um professor da universidade de lá que se colocou à minha disposição para ser meu orientador. Além do mais, a cidade era muito convidativa. Não tive dúvida e me mandei pra lá com família e tudo. Foi um tempo de muitas descobertas, inclusive da obra de Paul Valéry, que eu jamais havia lido no Brasil. Foi sobre a poética dele e de João Cabral que fiz minha tese.

CP literatura - O senhor já morou em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Paris, mas sua literatura está repleta de personagens interioranos. Por que essa preferência?

Quando começo a escrever, não escolho o tema, nem personagem, nem lugar. Deixo que as coisas venham da forma mais livre possível, sem censura. Acredito que o mais forte mesmo para quem escreve é a memória, a infância. Então meus contos falam de um lugar interiorano porque passei grande parte de minha infância num lugar afastado de todo contato urbano, em que a luz era de candeeiro, o contato com a terra era o principal. Convivi com pessoas simples, trabalhadores rurais, seres sem futuro, como ainda acontece hoje, no País. Muitos contos buscam nessa memória matéria para virem à luz, mas nada planejado. Alguns dão certo, outros não. Mas também escrevo sobre personagens urbanos, haja vista o do conto Cine Privê - mais cidade grande, impossível. O ponto de contato maior entre esses dois mundos, o rural e o urbano, é o de sempre; falo de seres à margem, os esquecidos pelo sistema.

CP literatura - Boa parte dos contos de Cine Privê tem personagens que estão à margem da sociedade, quase todos passando por dificuldades financeiras. Não se pode dizer que sua obra seja de denúncia, mas muitos problemas são ali expostos. Dito isso, o senhor diria que é um escritor engajado?

Nunca me senti um escritor engajado, nem escrevo com essa pretensão. Escrever sobre personagens que estão à margem tem muito a ver com o fato de eu ter vivido minha vida cercado por eles. Me lembro da miséria dos trabalhadores, da falta de perspectivas, da degradação moral de suas famílias. Eu era muito observador. Minha família também não era de grandes posses, tinha um sitiozinho de onde tirava parte de sua subsistência. A gente escreve com mais verdade sobre mundos que conhece... Claro que a imaginação também tem a sua parte. Aproveito o que a memória me traz, mas, para chegar a ser literatura, esse material precisa ser retrabalhado. Não existe nenhum conto meu que seja autobiográfico, mas há personagens que nasceram de pessoas que conheci, com as quais convivi. Aproveito pedaços de um, de outro, e monto a personagem, que passa a ter vida ficcional, independente daquela que lhe deu origem. Algumas situações também aconteceram, mas não daquele jeito, como conto.

CP literatura - O que o senhor acha da expressão "literatura regionalista"? Não seria um termo mesquinho, visto que os conflitos humanos ocorrem em qualquer lugar do mundo?

Essa me parece uma marca com que todo escritor do Nordeste vai ter de conviver ainda por muito tempo. Sempre digo que aquela "literatura regionalista" a que se referem não existe mais, a do pitoresco, dos tipinhos engraçados que falam errado. Quem ainda a faz não encontra lugar na literatura. Não estou dizendo que esses tipos desapareceram, mas, ao colocá-los numa obra de ficção, é preciso dar-lhes outra dimensão, torná-los mais complexos, em situações que os revelem como seres perdidos de si mesmos. Acho que nenhum escritor pode fugir do regional e sua dimensão de humanidade. Se olharmos bem, todo escritor fala do que está a sua volta. Calha de eu estar no Nordeste, e é disso que posso falar com mais verdade. A gente parte do local, mas precisa ampliá-lo até alcançar ressonâncias maiores. Se o escritor não faz isso, falha.

CP literatura - Em algumas histórias os personagens conseguem ver algo de bom mesmo nas tragédias, nas situações difíceis. É a isso, essas pequenas fagulhas de esperança, que devemos buscar? Seus contos são, no fundo, otimistas? O senhor é um otimista?

Eu sou um pessimista até o último grau. Se algumas personagens, como o menino do conto Santana Quemo-Quemo, que abre Cine Privê, descobre algo de bom no meio da desgraça, não significa para mim a esperança, mas um elemento de humor - humor ácido, é verdade - que faz ainda maior o drama. Fica difícil ser otimista num mundo em que não há muitas saídas para quem está à margem de tudo, sobretudo da educação. Porque no nosso País, a educação que se dá ao pobre é tão ruim que no futuro não vai lhe abrir porta alguma. Enquanto não repararem esse mal, continuarei desacreditando no Brasil.

CP literatura - O conto é um gênero ainda subestimado? O senhor pensa em escrever algo maior, como uma novela ou mesmo o romance?

O conto passou um tempo meio esquecido das editoras, mas hoje vejo que há uma aceitação maior. Confesso que nunca entendi por que acham que o romance dá mais trabalho que o conto, porque o trabalho de um é tão árduo quanto o do outro. Um bom conto pode levar anos para ser feito. É que o romance precisa de fôlego, isso é que é decisivo. Fôlego e paciência. O conto já exige um poder de síntese, que também não é fácil. Poder de síntese e capacidade de surpreender o leitor. Eu não tenho vontade de escrever algo mais longo, não tenho o fôlego necessário e também sou muito impaciente. Se escrever um conto já me deixa sem dormir direito, imagine escrever um romance, com os mil caminhos que ele exige.

*Rafael Rodrigues (rafaelnikov@gmail.com) é editor-assistente e colunista do site Digestivo Cultural, além de colaborador de outros veículos. Mantém os blogs Entretantos (www.entretantos.com.br) e O Leitor (www.oleitor.blog.br). Mora em Feira de Santana, Bahia.

Texto e imagem reproduzidos do site: literatura.uol.com.br

Entrevista | Antonio Carlos Viana


Entrevista | Antonio Carlos Viana

O João Cabral do conto

Em novo livro, Antonio Carlos Viana reafirma sua escrita concisa, emocionalmente contida, mas também cruel e forte, que lhe valeu comparações com o poeta pernambucano

Luiz Rebinski

Com 40 anos de vida literária e uma obra enxuta, Antonio Carlos Viana é candidato a se tornar um escritor (re)descoberto por um número grande de leitores em um futuro próximo. Ainda pouco conhecida fora do circuito literário, a prosa vigorosa e de extremo rigor que produz acaba de ganhar reforço: trata-se de Jeito de matar lagartas, sexto livro de um dos poucos contistas brasileiros que permanece fiel ao gênero.

Presente em seus livros anteriores com grande intensidade, o sexo na nova coletânea dá lugar a outros temas, como morte, solidão e velhice. A influência rodriguiana é nítida na galeria de viúvas criada por Viana. Mulheres que procuram os caminhos mais descabidos para aplacar a solidão da terceira idade, em geral em empreitadas mal-sucedidas, que trazem à tona o lado cruel da velhice.

O retrato impiedoso da torpeza do ser humano, uma das marcas de Viana, volta em contos como “Cara de boneca” e “Maria Montez”, ambos sobre inocência e perversidade. “Quando estudei teoria literária, aprendi que quanto maior é a inocência do personagem, maior é o trágico”, diz.

Na entrevista que segue, o escritor também fala sobre sua amizade com o poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, o período em que morou na França e da concepção literária que empreendeu em sua obra desde o início dos anos 1970.

aO conto-título do seu livro mais recente, Jeito de matar lagartas, destoa um pouco, tematicamente, da maioria das outras histórias do livro, que tratam de temas como solidão, medo da morte, etc. Mas, por outro lado, é um conto que tem uma estrutura onde você demostra uma técnica refinada de escrita: um personagem aparentemente secundário, que é citado apenas uma vez, no início da história, torna-se o protagonista ao final do conto, dando sentido à narrativa. Essa foi a razão para dar ao livro o nome do conto?

O nome do livro ia ser “Batata brava”, que é um conto que está no final do volume. Inclusive a Elisa von Randow, designer, gostou muito porque ia ser um título em que ela poderia brincar bastante na hora de bolar a capa. Aí o Paulo Henriques Britto, que é o primeiro leitor do que escrevo, foi ler os contos e me disse que tinha gostado muito da história “Jeito de matar lagartas”. Foi uma sugestão dele a mudança. Apresentei esse novo título para a Vanessa Ferrari, minha editora na Companhia das Letras, e ela achou que “Jeito de matar lagartas” era mais atraente, então acabou ficando assim. Como tem a palavra matar no título, e a morte está presente em várias histórias, isso acabou ajudando na escolha. Além de ser um título meio brincalhão, mas que tem o verbo matar no meio. O primeiro conto, “Muralha da China”, já fala da morte. Já esse conto a que você se refere, levei muito tempo para terminar. Achava-o meio infantil, terminava de um jeito que eu não gostava. Então fui retrabalhando- -o até que coloquei uma pitada de sexo e a história se resolveu. Aprendi com a escritora americana Carson Mccullers que,no conto, é sempre interessante quando o autor joga com um elemento que ninguém espera, que estava no começo da história e reaparece de surpresa. É o que acontece nesse conto, quando o personagem Laurentino reaparece para dar sentido à história.

O sexo é, talvez, o grande tema de sua literatura. Mas neste livro, a solidão parece predominar, não?

Escritor escreve sempre sobre as mesmas coisas. E solidão é um tema muito caro a mim. Assim como o sexo, a morte, sempre estou recorrendo a esses assuntos. Mas nesse livro acho que entrei em um território novo, que é o da velhice. Talvez pelo fato e eu estar vivendo essa fase da vida. Os meus colegas da Universidade envelheceram. E nas conversas que tenho com eles, sinto essa solidão, a vontade de ter alguém e não conseguir, apesar de o desejo não estar morto. Isso cria um conflito terrível. Você querer e o corpo não corresponder. Há sempre essa angústia sexual dos personagens, que pensam mais do que fazem.

Como nasceu a nova coletânea de contos?

Foi interessante a maneira como esse livro foi feito. Eu havia dito aos jornais aqui de Aracaju que não iria mais publicar. Aí, ano passado, eu estava em Curitiba e comecei a enviar uns contos para o Paulo Henriques. E ele foi pedindo para eu enviar mais e mais, porque achou que eu estava com um material bom, o que acabou me incentivando. Mas não havia um livro pronto. O que havia eram diversos textos que mantenho em um arquivo de ficção. Na época eu escrevia todos os dias, das 9h ao meio-dia.Então fui tirando esses contos e enviando pro Paulo e pro André, meu filho, que também é escritor. Juntei tudo e mandei para a minha editora, Vanessa, mas sem pretensão nenhuma, apesar da opinião do Paulo. Duas semanas depois a Vanessa me escreveu dizendo que havia gostado muito dos textos. Mas não chegou a falar nada da publicação. E eu deixei a coisa quieta. Tenho uma doença chamada mieloma, que afeta o sangue. A partir de maio de 2014, minha doença se agravou e acabei esquecendo do livro, porque a doença te toma tudo. Quando eu estava internado no hospital, disse a um amigo que só gostaria de estar vivo para ver meu livro. Em dezembro a editora mandou as provas para leitura, mas claro que não tinha condições, porque estava de cama, na base da morfina. Aí o André foi para o hospital e ficou lendo os contos que a editora achava que tinham uma ou outra revisão a fazer. Então o livro saiu em fevereiro deste ano. Como não havia gostado muito da primeira capa, tivemos que refazer, com uma foto que foi tirada do sítio onde passei a infância e fui alfabetizado, porque lá ficava também uma escola. E tem tudo a ver com a história das lagartas. Lá existia muita lagarta.

Um dos contos mais fortes do livro (“Cara de boneca”) é uma história de perversão em que meninos se aproveitam sexualmente de um homem aparentemente muito inocente. De onde tirou uma história tão cruel?

Ele me surgiu meio do nada. Eu estava assistindo ao programa eleitoral e tinha um personagem aqui em Sergipe que se chamava seu Lila. Achei que ficaria interessante em um conto um personagem com esse nome. Quando fui para o computador escrever, o programa não aceitou “Lila” e colocou acento, então ficou seu “Lilá”. Pensei, melhorou. A partir daí o conto me veio inteiro, com aqueles adolescentes que se valiam de um velhoe se achavam homens. Fato que, anos depois, quando essas crianças e jovens se encontram, já adultos, acarreta um sentimento de culpa, pois ninguém nem mesmo toca nesse assunto. É um conto forte e muito cruel. Quando estudei teoria literária, aprendi que quanto maior é a inocência do personagem, maior é o trágico. O seu Lilá é um inocente, pois se entrega para fazer o bem, mas os outros não veem dessa forma.

Sua literatura tem alto grau de erotismo, mas ao mesmo tempo é impregnada por referências religiosas. Esse aparente paradoxo é proposital?

A teoria do conto, para mim, é muito clara: onde não tem conflito é difícil haver um bom conto. O que vale para a ficção em geral. Nesse caso, quando o sexo aparece, vem junto um sentimento sagrado, religioso, que é de onde tiro o conflito da história. No livro novo, tem um conto que acho bem emblemático disso que estou falando, que se chama “Missa de sétimo dia”. É a história de uma velha prostituta. Ela morre e na missa de sétimo dia um de seus clientes vai à igreja. A família não queria a presença dele lá, porque isso recordava a ideia de que ela, a prostituta, não era tão santa quanto o sermão do padre dava a entender. Eu estudei em colégio de padre. Se formos psicanalisar o autor, isso viria à tona. Porque a ideia de sexo em um colégio religioso é sempre maldita. E durante muito tempo fiquei com isso na cabeça. Só que todas essas referências que tenho, transferi para as personagens. Creio que superei esses traumas incutidos pela educação religiosa. Não tenho mais nenhuma culpa. Demorei a me libertar, mas depois de uma terapia, melhorei. Sempre quis escrever contos eróticos, mas não conseguia, então fui fazer análise. Quando terminei de fazer análise, escrevi O meio do mundo. E eu mesmo me surpreendi com a carga de erotismo que havia represada em minhas histórias. E que eu não sabia.

aVocê estudou a poesia de João Cabral de Melo Neto, que era o antipoeta no sentido lírico, do sentimentalismo. Seus contos são sempre muito sucintos, dizem apenas o necessário para que a história seja contada. Consegue ver relação entre a sua prosa e a poesia de João Cabral?

No doutorado eu estudei a obra do João Cabral de Melo Neto, mas acho que minha literatura tem muita influência do Nelson Rodrigues, que estudei no mestrado. Herdei muito o humor do Nelson. Mas sou um leitor que gosta de tudo, principalmente de poesia. Talvez seja frustrado por não ser poeta. Fiz meu doutorado comparando as poéticas de João Cabral e Paul Valéry. Mas o que a poesia me deu foi o ouvido, o ritmo da prosa. Acho que é impossível escrever prosa se não tiver um ouvido bom. Pro ritmo, a cadência. Às vezes fico procurando uma palavra para um texto como se estivesse escrevendo um poema. Analiso a sonoridade entre essa palavra e as anteriores e posteriores. E também acho que a gente não se afasta muito daquilo que estuda. Certa vez o Paulo Henriques me falou o seguinte: “Acho que você é João Cabral do conto”. Pela secura, martelada das palavras. Pela busca da palavra contida, que não se derrama muito. E realmente sinto que isso é influência de João Cabral. E como estudei muito Paul Valéry, que é um poeta muito cerebral também, acho que os dois me deram essa carga de escrita em que a emoção pode nascer, mas ela nasce em um plano semântico secundário, nunca em primeiro lugar. Não há palavras líricas no meu texto.

Você foi professor durante muitos anos na Universidade e é um escritor que acompanha de perto o que seus pares estão escrevendo, ou seja, a literatura que é feita hoje. Como professor, conseguia levar a prosa e poesia contemporâneas para a sala de aula em um ambiente acostumado a debater quase que exclusivamente os clássicos?

Eu levava os autores mais modernos possíveis. Se eu levasse um Maupassant, por exemplo, junto ia um contemporâneo. Lembro de estudar com os alunos muito a Márcia Denser, o Marçal Aquino, o João Carrascoza. Sempre falava deles e achava que tinham um mundo a ser escrito. E não decepcionaram. Mas, conversando com colegas professores, eles me diziam que esse ranço com autores mais jovens surge do medo de apostar em determinados autores e eles não darem certo. Eles preferem ir nos clássicos para não errar. De repente você aposta em um autor e o cara simplesmente some.

Houve algum conflito entre o escritor e o acadêmico em seu período na Universidade?

A Universidade me deu muita coisa. Acontece que quando se entra na academia, dentro da gente, o crítico começa a brigar com o escritor. Dessa luta, um dos dois vai sair machucado. E isso foi um dos entraves por eu parar de escrever durante um longo período. Mal colocava uma frase no papel, eu já estava criticando a mim mesmo. Foi quando resolvi fazer o que meu terapeuta me falou, para eu ir em frente e esquecer o crítico que havia dentro de mim. Mas os estudos literários me foram de grande serventia na minha carreira de escritor, porque a partir desse conhecimento, passei a ter noção se o conto estava bem estruturado, se havia palavra sobrando ou faltando. Enfim, foi importante. Não abriria mão da teoria.

Nos últimos anos muito se falou no Brasil em termos como autoficção. Em uma entrevista, você disse que não consegue escrever sobre o real. De onde sua ficção sai?

Acho que é uma coisa mais técnica.Escrevo uma frase e analiso as possibilidades de explorá-la, como conflito. Às vezes essa frase fica quieta no arquivo uns três meses, mas inconscientemente eu fico trabalhando aquilo. Quando retomo o trabalho, parece que a história já estava pronta. Aconteceu isso com o primeiro conto de Jeito de matar lagartas, que se chama “Muralha da China”. Escrevi a primeira frase (“Nossa mãe tinha avisado: ‘Façam de conta que Lelo ainda está vivo’”) e guardei. Não sabia o que faria com aquilo. Até que um dia a história veio inteira.

No conjunto de sua obra, seus contos têm uma estrutura muito definida, não apenas em relação à extensão deles, mas também em como são executados, todos guiados pela ideia de síntese, que denotam um rigor grande na hora da escrita. Quando e como você definiu esse padrão para sua literatura?

Para mim, a teoria do conto é muito simples: ele precisa ter unidade de tempo, espaço e ação. Porque se você começar a dispersar muito a ação, o conto perde o que para mim é muito importante, que é a ação. A tensão tem que ser mantida a todo custo. Sempre digo que o contista não deve fazer o leitor respirar muito. Respira no começo e só solta o ar no final. Que ele seja levado pela força da linguagem. Por isso acho que o conto precisa ter, no máximo, seis páginas. Tudo que não for essencial, deve ser eliminado. A palavra certa é cortar. Quero que o leitor seja arrastado por um conflito, e tudo que não fizer parte desse conflito, é cortado.

De seus três livros mais recentes, Aberto está o inferno (2004) parece ser o mais erótico, e os dois livros subsequentes, Cine Privê (2009) e Jeito de matar lagartas (2015), mais afinados com uma crítica social e de costumes. Essa leitura faz sentido para você?

É interessante porque só agora, mais de 10 anos depois da publicação, as pessoas estão descobrindo este livro, Aberto está o inferno. Muita gente me escreve para falar sobre esses contos. Lembro que na época, quando a coletânea saiu, o Luiz Schwarcz implicou com o título, que é um pouco longo e invertido, com o sujeito depois do verbo. Tudo isso dificulta que a pessoa grave o nome. Desde os tempos em que morei na França e li o Livro de Jó, essa frase ficou na minha cabeça. Quando eu publicar um livro, o título vai ser esse, pensava. Aí juntei todos os contos em que as personagens estavam em situação extrema, e fiz o livro. Então o inferno está aberto para todos os personagens, por isso eu gostei do título. Mas hoje colocaria “Barba de arame”, que é um conto forte que está no livro. É a história de uma menina que é enganada por um homem que promete construir uma latrina em troca de sexo.

No final dos anos 1990, você começou a aparecer mais, após sua ida à Companhia das Letras. Como foi esse caminho?

Durante os anos 1990, parei de publicar ficção e me dediquei mais à academia, ao ensino de como ensinar redação. E depois publiquei o trabalho pela editora Scipione (Guia de redação: escreva melhor). Também parei de publicar porque estava muito decepcionado com as editoras. Em 1993 ganhei um prêmio no Rio Grande do Sul com a coletânea O meio do mundo, mas a edição que fizeram do livro era muito ruim. O livro era tão miserável, tão malfeito, que pensei: “Não quero publicar mais nada”. Foi quando apareceu a oportunidade de fazer uma coletânea com meus trabalhos anteriores, que acabou saindo pela Companhia das Letras. Devo isso ao meu padrinho lá, o Humberto Werneck. Foi ele que me apresentou na editora. Eu, sinceramente, já havia desistido de publicar.

O poeta e tradutor Paulo Henriques Britto é uma das pessoas para quem você sempre recorre quando vai lançar um novo livro. É o chamado primeiro-leitor. Como vocês se conheceram e que tipo de afinidade mantêm?

É uma relação interessante. Todo mundo se assusta um pouco quando falo, mas o Paulo foi meu aluno no Rio de Janeiro, no segundo grau. Nos conhecemos quando ele tinha 17 anos e eu 23. Ele já era um aluno brilhante, acima da média. Já havia lido quase tudo de importante. Ele me apresentou a livros de autores como Clarice Lispector. A partir daí começamos a trocar ideia sobre literatura e não paramos até hoje. Nunca nos perdemos de vista. Lembro quando ele foi morar nos Estados Unidos, ainda assim nos correspondíamos por carta. Ele mandava os poemas que fazia para eu ler, depois eu enviava meus contos. Até hoje é assim. Ele é um intelectual competentíssimo. A opinião dele vale muito pra mim. Por isso ele lê tudo que escrevo antes de publicar.

Você é um escritor que surgiu nos anos 1970, quando o conto dominou a literatura brasileira. Por que o entusiasmo com o gênero arrefeceu nas décadas seguintes? O que houve?

Na época havia muito incentivo ao conto, muitos concursos, por exemplo, o que despertou interesse, vontade de escrever, inclusive em mim. Comecei a escrever conto por causa dos concursos literários. Aí comecei a ganhar uns desses prêmios e achei que eu realmente era contista. Mas muitos pararam. Às vezes eu pego a revista Ficção e fico pensando onde foram parar todas aquelas pessoas que escreviam. Depois dos anos 1980, deu uma esfriada, nos anos 1990 a coisa melhorou e hoje eu percebo que o número de contista é que diminuiu muito. O que tenho lido de conto, como jurado de concursos, não tem me animado muito.

O essencial de ACV

O meio do mundo e outros contos

Com seleção e apresentação de Paulo Henriques Britto, a coletânea reúne histórias dos três primeiros livros de contos de Antonio Carlos Viana — Brincar de manja (1974), Em pleno castigo (1981) e O meio do mundo (1993) —, títulos que sofreram com a falta de distribuição, o que justifica a seleta, pois apresenta ao público um escritor talentoso até então pouco conhecido. Nessas histórias, Viana já empreende o padrão literário que reafirmaria em livros posteriores, como a concisão e o relato, muitas vezes devastador, de cenas cruéis do cotidiano.

Aberto está o inferno

Alguns dos melhores contos do autor sergipano se encontram nesta coletânea escrita ao longo de uma década. É o caso de “Barba de arame”, em que um homem promete a uma menina pobre construir uma latrina em troca de sexo, e “Ana Frágua”, relato de uma prostituta que transa com um jovem minutos depois de ter arrancado três dentes da boca. Tirado de uma passagem da Bíblia (“Aberto está o inferno e não há véu algum que descubra a perdição”), o título resume bem os eventos que envolvem os personagens dessas histórias que refletem de forma original a torpeza e crueldade do ser humano.

Cine Privê

Livro mais conhecido de Viana, Cine Privê dedica-se em grande parte à infância, com toda complexidade que essa fase da vida apresenta. Mas, como é comum em sua literatura, Viana mais uma vez é econômico até mesmo em histórias memorialísticas. Mesmo se atendo apenas ao essencial para empreender a narrativa, o autor revela uma gama imensa de detalhes ao leitor a cada conto. Destaque também para históras mais “pesadas”, como “Cine Privê”, em que um idoso ganha a vida limpando cabines de cinema pornô, e “Duas coxinhas e um guaraná”, sobre um rapaz que mata a própria mãe.

Jeito de matar lagartas

Mais recente livro de contos do escritor, traz 27 narrativas sobre sexo, morte e, principalmente, solidão. Viúvas, descasados e outros tipos solitários estão sempre à procura de alento para algum tipo de perda que tiveram ao longo da vida. Muitos deles na velhice. Viana mais um vez constrói histórias fortes que passam longe do pólen da pieguice.

Texto e imagem reproduzidos do site: candido.bpp.pr.gov.br

quinta-feira, 7 de abril de 2016

“A literatura é sempre maior que nós” (Antônio Carlos Viana)

Foto: Maurício Mangueira/Divulgação
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 04/04/2016.

“A literatura é sempre maior que nós”
Por: Gilmara Costa/Equipe JC

Sem excessos na escrita, Antônio Carlos Viana conquista leitores e abocanha prêmios, a exemplo do organizado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), com o livro “Jeito de Matar Lagartas” (2015), e anteriormente em 2009, com a obra “Cine Privê”. Indo direto ao ponto (sempre!), ele aponta o essencial na atividade de escritor e afirma que quem faz o livro é o leitor. Considerado um dos maiores contistas do país na atualidade, Antônio Carlos Viana revela que escrever é um ‘suadouro’ e enquanto leitor destaca a curiosidade em saber se os ‘bonzões’ Rubem Fonseca e Dalton Trevisan também compartilham das dificuldades da escrita. E assim, a conta gotas de suor e tinta, ele resiste à ‘seca’ das palavras movido por um ‘correr da pena’ que tem sede. É sobre isso e muito mais, que Antônio Carlos Viana conversa com o JORNAL DA CIDADE na entrevista deste final de semana. Boa leitura!

JORNAL DA CIDADE - Vencedor do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), o livro “Jeito de Matar Lagartas” tem alcançado uma repercussão superior ao que imaginava?

ANTÔNIO CARLOS VIANA - Quando a gente lança um livro, não espera que ele terá uma repercussão grandiosa. Tolo quem pensar assim, porque leitor é classe muito cismada. Basta um não gostar que passa a ideia adiante, o outro mais adiante, o famoso boca a boca, e o livro não se realiza. Porque é o leitor quem faz o livro. O papel do escritor é escrever da melhor forma que puder, porque às vezes perdemos o round por uma ou outra frase mal escrita, por alguns clichês, por uma personagem sem interesse humano. A literatura é sempre maior que nós. É preciso ter humildade para saber que nem tudo vai dar certo. Tanto que, às vezes, de dez páginas escritas num dia sobram apenas cinco. “Jeito de Matar Lagartas” teve boa acolhida desde os primeiros momentos e isso ajudou muito a divulgá-lo. A internet hoje faz o boca a boca mais rápido e eficiente, e a notícia, sendo boa, angaria logo um monte de leitores. O prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) deu mais um belo empurrão e o livro ganhou mais repercussão ainda. Às vezes, acho que é sorte. Um livro meu que não teve essa mesma sorte e que só agora, na esteira do “Lagartas”, está sendo redescoberto é “Aberto está o inferno”, de 2004.

JC - Ao que credita a boa aceitação do público à publicação permeada pela morte, descobertas da adolescência e conflitos da velhice? Acredita que as pessoas encontram nos contos uma identificação com os personagens?

ACV - Um livro toca o público leitor quando lhe fala de problemas que lhe são muito próximos. Quem nunca passou pelos percalços da adolescência, pelas descobertas do sexo, quem, vivendo muito, não terá problemas com a velhice, por mais saudável que seja? E tem também a morte, que é uma preocupação constante do ser humano. Tocando esses temas, cria-se logo uma identificação com o leitor. Mas não é só expor o tema, há os ingredientes literários que devem ser trabalhados de forma muito sutil, para não tornar o livro nem muito acadêmico, nem muito vulgar. Tudo é questão de linguagem. O autor precisa trabalhar a isca.

JC - Na atual conjuntura política, econômica e cultural, existiria um “Jeito de Matar Lagartas”? Qual seria ele na visão do escritor?

ACV - O único jeito de matar essas lagartas que estão destruindo o Brasil é dar educação ao povo para que ele saiba escolher melhor seus representantes. Mas aí temos um paradoxo: como eles vão querer educar o povo, se é da ignorância que eles sobrevivem? Pensar que prendendo esse monte de ladrão vamos acabar com a corrupção é ilusão. É bom que prendam, mas os tentáculos desse monstro são muito difíceis de cortar, pois parecem renascer a cada geração que chega ao poder. É algo muito enraizado. Só mesmo educação, educação, educação. Mas uma boa educação no Brasil virou utopia. A “Pátria educadora” virou pó.

JC - O que significa ser considerado um dos maiores contistas da atualidade no país?

ACV - Essa pergunta é muito difícil de responder. Se eu disser que sim, caio no “estou me achando”, quando na verdade não estou. A crítica diz isso, mas, na hora em que sento para escrever um conto, minha sensação é outra. Tenho as mesmas dificuldades que tinha no começo. Parece que a gente está sempre recomeçando. Eu queria saber se os bonzões mesmo, como Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, também sentem essa dificuldade. Escrever para mim é um suadouro. O leitor lê um conto e pensa “puxa como ele escreve ao correr da pena!”, mas é pura ilusão. O “correr da pena” é fruto de muito trabalho, coisa de doido mesmo. Paul Valéry dizia que desconfie daquilo que vem com facilidade. As facilidades poéticas e narrativas são um doença de difícil cura.

JC -E qual a avaliação que faz da produção sergipana na literatura?

ACV - Temos gente nova escrevendo bem. Pena que a produção fique restrita ao nosso estado. O livro é geralmente bancado pelo próprio autor, o que o encarece bastante. Falta-nos uma política do livro, uma editora com distribuição nacional. Mas isso não é nada fácil. Pernambuco, que é um estado de muitos escritores, ainda não tem alcance nacional. Rio e São Paulo ainda são os grandes centros irradiadores da literatura. Aqui temos poetas que poderiam estar em qualquer grande editora do Sul, mas o acesso é sempre difícil.

JC - Você tem como características o comprometimento com a exatidão da narrativa, sem excessos. Isso é algo que considera essencial em um conto?

ACV - Ah, sim! O conto não pode ser verborrágico. O leitor tem de ser capturado logo nas primeiras linhas. Se ele chega ao terceiro parágrafo e ainda não foi fisgado, o autor errou. Qualquer excesso prejudica algo que é essencial num conto: a tensão. O final também não pode ser dado antecipadamente. Se for, é sinal de que o conto fracassou. O bom desfecho é aquele que só se ilumina na última linha e, se for possível, na última palavra. Aí é mais difícil ainda.

JC - Avesso a escrever romance por conta da impaciência que diz possuir, você já revelou que até tentou, mas não deu continuidade às 80 páginas já escritas. Onde está esse romance? Não há possibilidade mesmo de retomar e finalizar?

ACV - Realmente não tenho paciência para ficar em cima de um livro que só iria terminar dali a dois ou três anos. E se fracassar? Tempo perdido. Escrevi 80 páginas de um possível romance mas me cansei. A história foi perdendo força. Decididamente não nasci para ser romancista. Admiro muito quem tem fôlego para escrever um livro de mais de duzentas páginas. Eu não consigo. Só se me baixar o espírito de Balzac.

JC - O que tem sido leitura obrigatória, prazerosa e inspiradora para você nos últimos meses?

ACV - Quando o escritor fica na aridez, a única saída é a leitura. Eis um momento difícil, a gente acha que nunca mais vai escrever. Estou passando por isso. Recorro aos bons autores e eles realmente instigam o desejo de voltar à escrita. Ler uma frase benfeita, acompanhar uma personagem bem construída criam em nós a vontade de querer fazer parecido. O que li de inspirador nesse tempo de seca pós “Jeito de Matar Lagartas” foram autores como Carson McCullers, John Williams, Elvira Vigna, Rubem Fonseca. Estou terminando um livro muito instigante que ganhou o Prêmio Sesc 2014, “Enquanto Deus não está olhando”. A autora, Débora Ferraz, tem um fôlego invejável já no seu primeiro romance, 366 páginas. Além da leitura de bons autores, terapia também ajuda.

JC - E quanto à escrita, você tem produzido contos com vistas à publicação de uma nova obra? Se positivo, qual seria a previsão de lançamento?

ACV - Por enquanto não. Estou na fase da seca. Tenho muitos contos começados, mas nenhuma vontade de terminar. Talvez seja fruto de minhas exigências altas demais. Às vezes me dá vontade de parar, mas algo mais forte me faz ir adiante. Quando publiquei “Cine Privê”, achei que era o último e não foi. Veio “Jeito de Matar Lagartas”. Tomara que seja sempre assim.

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