Sanduíches calóricos: quem se importa?
Crédito - Irlan Simões/Revista Rever.
Publicado originalmente na "Revista Rever", em
26/09/2011.
O Incrível Submundo dos Fast-Foods Aracajuanos.
Por Irlan Simões.
Laricão, caga-mole, hamburgão da morte, pinga-óleo.
Gorduroso, ignorância, podrão, monstroburguer, exagerança… São diversas as
alcunhas, mas uma coisa é certa: ninguém recusa às 3h da manhã um Alasanhado
transbordando o ‘molho especial’ à base de uma série de ingredientes
desaconselháveis. Já virou tradição na cidade de Aracaju, Sergipe.
Todos os fins-de-semana os quiosques da capital sergipana
recebem visitas religiosas para muito além da meia-noite. Seja saindo de uma
balada, seja depois de um show, ou até mesmo de um programa mais leve, os
jovens aracajuanos invadem as lanchonetes mais famosas da cidade. E não se
trata de uma cadeia multinacional de lanches que anuncia no horário nobre de
uma rede nacional de televisão.
Diferentemente de muitas cidades no Brasil, moças e rapazes
de Aracaju preferem se arriscar em sanduiches mais baratos, menos prestigiosos,
mas com um alto grau de popularidade – “Nunca trocaria um Egg’s Calabresa por
um BurgerKing”, me conta Roger Simões, 22, publicitário e cliente assíduo da
lanchonete há quase dez anos.
Devido à sua fama, e especialmente por ser o grande
precursor dos fast-foods undergrounds da cidade, visitei o Galego’s Lanches, um
quiosque localizado no bairro São José. Pedi um “alasanhado com coca”,
expressão que se tornou quase um mantra nesses mais de 5 anos de fidelidade,
enquanto chamei um funcionário para me conceder algumas perguntas. Infelizmente
não cheguei a tempo de encontrar o famoso Galego, dono do estabelecimento.
Lá encontrei Paulo Sérgio trabalhando no Galego’s numa
segunda-feira à noite, dia que escolhi imaginando encontrar a lanchonete mais
tranqüila. Engano meu: a cada pergunta que fazia ao funcionário novos clientes
chegavam, recusavam o cardápio e de prontidão já faziam o pedido, como se já
estivesse na ponta da língua.
O certo é que seja pelo preço, seja apenas pelo sabor, os
sanduiches nunca saem de moda. Pelo contrário, proliferam na cidade a cada dia
novos estabelecimentos oferecendo o mesmo cardápio, mas se diferenciando entre
si por um fator em especial: o molho. “A receita? Não, não pode dar não” me
explica Paulo Sérgio. “É o que nos diferencia dos outros”, completa.
Paulo ainda me explicou que essa tradição de molho especial
nasceu exatamente ali, quando o tal do Galego (típico apelido sergipano a
qualquer pessoa que tenha olhos claros) saiu da Firmo’s, lanchonete na qual foi
funcionário na Praça da Bandeira. Para se diferenciar dos outros concorrentes
criou essa mistura cativante e praticamente fundou esse movimento de fast-foods
undergrounds de Aracaju.
“A partir de quinta-feira é que o bicho pega aqui”, me conta
Paulo Sérgio quando pergunto sobre a movimentação de jovens. “Geralmente começa
a encher a partir das 18h, mas fica sem parar até umas 3h”, completa. O
movimento na lanchonete é tão intenso que o seu proprietário precisou abrir um
novo estabelecimento exclusivo para entrega em domicílio. Segundo o próprio
Paulo Sérgio eles chegam a servir cerca trezentos sanduíches numa única noite.
Até que chega o meu pedido e peço licença ao entrevistado
para comer. Enquanto saboreava o sanduiche e me sujava de molho especial,
lavando a garganta com a Coca-Cola, observava o curioso movimento de clientes
que não paravam de chegar. Casais de namorados, pais solteiros com seus filhos,
grupo de amigos, crianças sozinhas, policiais militares, mulheres supostamente
vaidosas, gordinhos, magrinhos e todo tipo de gente possível aparecia no que
parecia um dia habitual numa cidade de médio porte como Aracaju.
Aprofundei um pouco mais a minha reflexão quando lembrei que
há poucos metros dali, na Avenida Hermes Fontes, um gigante “M” amarelo corta a
paisagem plana da cidade. Um símbolo que se encontra em todos os lugares do
mundo, um estandarte de ostentação de um poder econômico que atravessou oceanos
e continentes, uma marca que entra nas nossas casas sem ser convidada através
da TV. O lugar, no entanto, se encontrava completamente vazio.
O que diria Milton Santos, celebre intelectual brasileiro
anti-globalização? Os aracajuanos incorporaram a cultura fast-food, mas não
incorporaram o McDonalds? Teria o “globaritarismo” falhado nesta pequena
aldeia? Mas onde está agora o tal fetiche do consumo, a propaganda infalível e
a indução publicitária? De onde partiu esse foco de “resistência”?
Passado o devaneio, a minha fome e o meu sanduiche, pedi a
conta: R$7,80. Apesar do peso na consciência pela certeza de ganhar alguns
quilos e certo percentual de gordura, o bolso não sentiu tanto. O que pode ser
uma combinação periogosa: calorias demais por preços módicos. Aconselho dividir
um pouco do seu tempo com atividades físicas.
Agradeci Paulo Sérgio pela “entrevista” concedida e tomei o
rumo de casa. Uma curiosidade que analisei no trajeto é que, tais lanchonetes,
em Aracaju, antes de serem um lugar para encher a barriga, se tornou um espaço
de vivência entre os jovens da cidade. No caminho de volta, outros
estabelecimentos de fast-food underground comprovaram isso: muitos grupos ficam
horas conversando nas mesas dos quiosques.
Caso você que leu este humilde escriba, mas nunca se
arriscou em comparecer a algum desses quiosques alegando não confiar na
salubridade desses locais, não perca mais tempo. A incidência de indigestões é
relativamente baixa. Comparando com a minha cidade natal, Salvador, é como
comer um acarajé tendo um estomago acostumado com escargots e canapé, mera
questão de adaptação.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistarever.com