terça-feira, 20 de agosto de 2013

Bling ring: a gangue de Hollywood

Ao longo da exibição de Bling Ring - a gangue de Hollywood (Sofia Coppola, 2013) bocejei muito, achei chato à beça, sobretudo porque não tem estrutura dramática, o filme quase todo retrata repetidamente um bando de jovens de classe média alta querendo muuuito consumir objetos de grife sem poder comprá-los, daí que seus componentes decidem sair pelas noites invadindo casas de celebridades (aliás, que país de maravilhas é esse em que as casas dos riquíssimos ficam à mercê de quem quiser entrar?), onde pegam tudo que querem.

Muito vazios, muito vagantes pelo mundo sem qualquer adesivo moral colado ao cérebro, eles estão tão fora de uma órbita existencial consistente que me deu, por um lado, um grande tédio - aquele mundo é chatíssimo, volátil demais e tolo; por outro lado, um olhar assim de espanto diante do desperdício a que uma enorme parcela de jovens está submetida nas sociedades e nos estratos sociais hiper consumistas, para cujos membros o objeto de grife vira totem, embora sem qualquer relação com o sagrado - é tudo pura luz efêmera, inconstante, sem sentido, sem densidade, sem valor, a não ser o valor da própria irrealidade.

É claro que se pode falar do que trata o filme sob várias e distintas perspectivas - sociológica, psicológica, epistemológica, filosófica, mercadológica etc, etc. Não serei eu a fazê-lo, e se a história precisa disso para sustentar-se, não me interessa muito como filme. Até porque achei seu roteiro fraquinho, e mesmo que a diretora tenha-se empenhado em não moralizar as ações de seus personagens, buscando um tom o mais impessoal possível, há, evidentemente, os fatos (a história baseia-se em fatos reais) e eles são, em si mesmos, a fatura da decadência moral de um certo segmento social, cuja exposição gera em quem vê sentimentos variados, do tédio (no meu caso), ao desprezo, ou à chacota (houve risos da platéia em vários momentos, sobretudo às reações da personagem de Emma Watson), além da perplexidade diante do nada que aquela geração experimenta.

O fato de se tratar de pessoas jovens pode levar o espectador à sensação de impotência, ao dar-se conta de que essa máquina de consumo exacerbado, que se move em direção ao dinheiro muito mais do que ao prestígio, e vai empilhando coisas, pessoas, valores, triturando tudo a sua volta, semelha-se a uma besta, cujo galope dificilmente será interrompido seja por crises financeiras, seja por valores morais ou éticos, seja pela fome que grassa em tantas partes do mundo. Ao fim e ao cabo, há afinal o que pensar, não fora Coppola a diretora ótima que é, mesmo quando filma os bling rings da vida.

domingo, 18 de agosto de 2013

Flores raras

Flores raras (2013), de Bruno Barreto, é, para mim, um dos grandes filmes do ano, com uma dupla de protagonistas impecável - tanto Miranda Otto, quanto Glória Pires estão soberbas, definindo as forças e fragilidades de suas personagens com maestria e delicadeza, tudo no tom certo - comedido e extremado, como requerem seus temperamentos, em seus vários momentos.

Além desse elenco de primeira, o cenário de uma das casas de Lota é um deslumbre, fica no meio de uma vegetação belíssima e ela está em processo de construção da casa, ou melhor, daquele monumento de beleza em cima de serra, montanhas, águas e verdes incontáveis à volta (Samambaia, em Petrópolis - existirá ainda a casa?). Trilha igualmente ótima, sublinha os vários momentos tensos, não apenas ao longo dos altos e baixos inerentes às vivências, paixões e sentimentos exacerbados das personagens, mas as situações vividas num contexto político indicado por pinceladas, de que, no entanto, percebemos - nós, seus contemporâneos - todas as cores não expostas inteiramente na tela.

Gostei do registro um tom acima, no quesito 'feminilidade padrão médio', de que Glória Pires se utiliza para compor sua Lota. Não sei se a personagem real tinha essa postura, mas essa da tela é uma mulher forte, decidida, voluntariosa, que sabe o que quer e não fica esperando as coisas caírem em seu colo - vai onde está o que é seu e o conquista - Nietzsche é seu parente, gosto de seres assim. Por outro lado, a Bishop se contrapõe a essa potência não com fragilidades, mas com outro tipo de sensibilidade, onde reside também uma força, a de um certo desespero contido - sendo a contensão sua força também em arte.

Sempre me interessa quando um filme dialoga com a Literatura de modo eficiente, pelas razões óbvias. Há dois momentos em que o poema One art faz parte da trama: ele abre o filme, ainda incompleto, com apenas alguns versos já feitos, e ele fecha o filme, agora completo, inteiro, e de uma beleza candente, intensa, rara. Robert Lowell, que faz um personagem amigo da poeta, comenta acertadamente o registro de contenção que a atriz Miranda Otto imprime a essa cena final, a essa 'declamação para dentro' (como Clarice cosia para dentro, talvez), de modo a extrair do poema sua dureza, seu brilho, suas riquezas.

(Aliás, eu já conhecera outro momento fílmico em que esse poema me tocou, numa cena lindíssima interpretada pela Cameron Diaz no filme Em seu lugar (Curtis Hanson, 2005), em que ela faz uma irmã destrambelhada e meio disléxica de Toni Collette, que vai parar numa casa de repouso para idosos, onde vem a conhecer não apenas sua avó, mas um antigo professor de literatura, residente que a faz aprender a ler e, sobretudo, compreender o que lê. Um dos textos que ela comenta para ele, nesse processo, é esse poema de Bishop, One art, e suas ótimas observações mostram não apenas sua inteligência, mas uma percepção muito especial para as sutilezas da arte literária).

Isso tudo para dizer que um dos momentos mais emocionantes do filme, dentre vários, é esse final em que Miranda Otto diz o poema, do modo como o faz, na sequência de tudo que se passara até então. É forte, belo e o poema sublinha de modo magistral o filme todo, declina-o. Inesquecível.

Ei-lo, daqui:

One Art
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

De livros, flores - e Isaias Pessotti

Terminei o livro ótimo sobre a vida de Tim Maia - Vale tudo, Nelson Motta, há alguns dias e ainda ecoam na memória as estrepolias que ele aprontou na vida, as expressões engraçadas que usava, o jeitão bem carioca, no melhor sentido, desse homem e artista tão singular. Amei conhecê-lo melhor, não apenas porque uma parte do momento histórico que ele viveu também foi o meu, mas porque o restaurante Divino, onde sua vida de artista praticamente começou, eu também conheci (morava por perto), e também me sentia uma outsider - não porque os frequentadores fossem ricos, mas porque eu era, como Tim, pobre o suficiente para não ter acesso a tudo que queria dali. Também frequentei o cinema em frente por alguns anos, e vivi uma vez, na saída, uma situação tétrica, junto com uma grande amiga de então, por ser metida a falar demais.

De todo modo, o livro me deu grande prazer, mesmo com algumas fragilidades de estilo, sobretudo quando Nelson descreve discos e músicas, quase sempre com os mesmos adjetivos, fica meio arrastado, mas nada que tire a graça e o charme dessa vida tão louca, tão nossa e tão intensa, como foi a que Tim Maia escolheu viver.

E gostei muitíssimo de ler no kindle, achei bem prático de carregar pra qualquer lugar, embora os preços de e-books me pareçam abusivos ainda. Baixei alguns gratuitos, só pra carregar na bolsa e ler em consultórios, tipo poemas de Alberto Caeiro, antologias de ficções breves (nem sei ainda do que se trata).

Isso para quando terminar um livro (de papel) muito bom, que já estou lendo há algum tempo: A lua da verdade (1997), de Isaias Pessotti, um escritor que admiro bastante, de quem já li (não sei se comentei aqui) Aqueles cães malditos de Arquelau (1993) e me lembro de que gostei muito. Ele é um erudito, um estudioso e professor de filosofia, mas escreve de modo fascinante, e sigo aqueles caminhos antigos e medievais que ele cria e persegue com atenção e prazer. Acho que se não fosse um ótimo escritor duvido que toda a pesquisa histórica de que se utiliza em sua ficção funcionasse para alguém leigo nos assuntos de que trata. Não vou comparar com Umberto Eco, seria leviano se não posso dizer onde e quando eles se aproximam e se afastam, mas digamos que alguns aspectos das duas obras tenham pontos em comum. Por fim, acho que tenho aqui, em algum lugar,O manuscrito de Mediavilla (1995), seu segundo romance, que talvez seja o próximo da fila, se o encontrar na bagunça que se tornou essa minha biblioteca.

PS. Esse post ia ser apenas um comentário sobre os dois vasos com orquídeas que comprei na Feira do Museu da República, há mais ou menos um mês, pensando que não durariam nem uma semana. Uma delas, a que tinha cheiro, logo feneceu, mas a outra continua impávida e lindinha, em sua simplicidade - estou muito impressionada com ela.