Da varanda do quinto andar ela viu o homem idoso, muito magro, caminhando com dificuldade, dando um passinho, bem devagar, depois outro, e parar por vários minutos, recuperando o fôlego, para tentar arrancar nova passada, lenta.
Ela já o tinha visto antes, nesse
mesmo percurso, de uma ponta a outra do quarteirão, duas calçadas compridas,
cuja travessia custava ao homem uma eternidade. Na esquina da rua, ele parou,
ficou um tempo em pé, segurando no poste encimado pelo nome da rua. Depois
foi-se arrastando e sentou no parapeito do jardim, ofegante.
Ela olhava lá de cima, atenta,
curiosa, querendo entender por que tanto esforço naquele corpo magro. Até que
ele acendeu o cigarro – era para isso, para fumar escondido, todo esforço e
sacrifício daqueles passos trôpegos. O corpo magro, quase esquálido, mostra que
a calçada, tortuosa embora, é o espaço inescapável do prazer, e do tormento.
Fuma por um tempo, e levanta,
devagar, começando seu caminho de volta. Apoia-se na parede e avança dois
passos, para diante da obra no caminho, estaca e descansa longamente em pé -
ele fica muito tempo parado no meio da calçada, equilibrando-se.
Dois garotos de uniforme vêm
conversando em sua direção, brincando, e ela se angustia – se encostarem nele,
o derrubam, e os ossos à mostra se quebrarão. Mas eles se esquivam, pressentem
talvez o desastre, e seguem seu caminho. O velho passa do portão onde deveria
entrar – ela sabia que ele morava ali, já o observara nesse mesmo percurso
antes. Dessa vez ele seguiu, passos cada vez mais trôpegos, até a esquina, e
parou. E ficou lá, olhando para o outro lado da rua. Ela pensou: ele quer
atravessar, mas não pode – se o fizer, com suas passadas lentíssimas, será
atropelado.
Ela segue a cena – ele parado,
instável, hesitante, na esquina do prédio e da rua. As pessoas passam por ele,
ela teme, vendo lá do alto, que alguém esbarre nele e o derrube. Ela decide
descer, ver se ele quer atravessar, ajudá-lo, fazer parar os carros para que
seus ossos passem. Desce, chega perto e pergunta: o senhor quer atravessar? Ele
responde baixo, voz rouca, quase inaudível, mostrando uma nota de cinco reais:
quatro pãezinhos, por favor, e olha em direção à padaria em frente. Ah, era
isso. Ela pega o dinheiro, atravessa a rua. Está aflita, sentindo que ele deve
estar no limite de suas forças, tanto tempo em pé, pode desabar a qualquer
momento.
Ela compra os pães, fala com as
moças da padaria sobre ele, aponta do outro lado, diz – como o deixam sair
sozinho, tão frágil? A moça no caixa responde: ele sai para fumar escondido.
Ela leva os pães, entrega a ele,
pergunta coisas: qual o seu nome? – Abílio. O senhor mora sozinho? Ele,
baixinho, quase inaudível – Com a nora. Pergunta onde ela mora, ela aponta o
prédio, diz que o viu da varanda. Ele segura seu braço com força, caminham
devagar de volta a seu portão. Antes de chegar, ele pede a sacola com os pães,
diz que ali está bom, pode deixá-lo. Ela deixa, mas bate no portão e chama o
porteiro: - esse senhor precisa de ajuda, ele mora aqui.
Vera
Queiroz