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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Caninos brancos

Para Melissa e Osvjor, que provocaram

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Não se para de ler Caninos brancos, não se pode parar de ler porque um livro de aventuras como esse exige que se saiba qual será o destino daquele cão. São muitas as aventuras - e desventuras - que ele vive, mas em nenhum momento somos fragilizados por seus infortúnios. Ele é um ser nietzscheano por excelência: nobre, aristocrático, distingue-se dos demais de sua espécie, pensa de modo altaneiro e, por isso, conserva-se em relativa solidão, com pensamentos profundos a respeito de quase tudo na vida.


Sim, porque ele pensa como gente grande, ou melhor, o narrador coloca nesse cão algumas das mais altas reflexões sobre a natureza da vida selvagem, da competição, da sobrevivência em condições extremas; e, depois que os humanos cruzam seu caminho, ele aprenderá sobre as mais diversas e antagônicas expressões da grandeza e miséria em sua relação com eles.

Embora a técnica de tornar quase humano o cão, por seus pensamentos, o aproxime da cadela de Vidas secas, é com Paulo Honório, no entanto, que ele guarda estreitas semelhanças, como ocorre nesse trecho, graciliânico por excelência:


Se as coisas houvessem corrido de outro modo, talvez agora ele fosse diferente. Se Lip-Lip não tivesse existido, se Caninos Brancos tivesse passado a sua infância na companhia dos outros cachorros, talvez existissem nele mais características de cão e mostrasse mais simpatia pela sua raça. Se Castor Cinzento possuísse a sensibilidade chamada carinho, chamada amor, poderia ter tocado o fundo da natureza de Caninos Brancos e feito vir à superfície toda a espécie de qualidades boas. Mas tal não acontecera e, assim, o barro adquirira nesses moldes a forma que hoje tinha, a de um ser taciturno e solitário, desafetuoso e feroz, inimigo de toda a sua raça. (p. 116-170).


Suas aventuras constituem uma saga, que ele vivencia intensa e inteiramente, amoldando-se ora a uma situação de violência extrema contra si; ora de luta pela sobrevivência em condições terrivelmente inóspitas; ora, no final, reaprendendo - e refletindo incessantemente sobre isso - a lidar com o afeto de um novo senhor, brando e amoroso, a quem ele entregará sua vida, quase literalmente. E sentimo-nos reconfortados quando ele encontra, enfim, seu lugar no mundo dos bichos e dos homens.

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Jack London. Caninos brancos. Tradução: equipe da editora. São Paulo: Martin Claret.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Anne Sexton

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Não conheço a poesia de Anne Sexton, mas achei (na prateleira dos 'a ler') um livrinho que é basicamente uma homenagem da mulher de Jorge Wanderley, um professor e ótimo tradutor que morreu do coração há alguns anos, aos trabalhos de tradução que ele fez.
Conheci o Jorge, na verdade meu primeiro emprego em uma universidade foi em substituição a ele, que precisara afastar-se, e andei até alguns anos atrás com um pedaço de papel em que tinha copiado um trecho de Dante que ele havia traduzido da Divina Comédia, mas não ainda publicado. Era lindíssimo o poema, nunca mais vi esse papel, mas lembro que era um poema de amor a Beatriz.

De todo modo, trata-se de uma coletânea de poetas mulheres com o título Do jeito delas - vozes femininas de língua inglesa, com alguns textos de Sylvia Plath, Anne Sexton, Emily Dickinson, Hilda Doolittle, Marianne Moore, Louise Bogan, Elizabeth Bishop, Denise Levertov, Edna St. Vincent Millay, Edith Sitwell, Patricia Hooper, Elinor Wylie, e conheço um pouco apenas de algumas delas.

Esse poema de Anne Sexton achei ótimo, e de algum modo ele conversa com o tema do último post:


A mulher do fazendeiro


O guisado misturado,
a lascívia do seu campo,
sua vida local em Illinois,
onde todos os acres parecem
fábricas de vassouras florescentes:
- já faz agora dez anos
que ela é seu hábito;
e novamente hoje de noite
ele dirá vamos, doçura
e ela não lhe dirá o quanto além disso é preciso
para viver, quanto mais do que esta
breve ponte luminosa
da cama estridente ou ainda
mais do que os seus lentos toques em braille,
como os de um pesado deus tornado leve,
esta velha pantomima do amor
que ela deseja, embora
isso continue a deixá-la sozinha,
mais uma vez de volta a si,
a mente separada da dele, vivendo
a si mesma com suas próprias palavras
e detestando a umidade da casa
que neles permanece quando finalmente jazem
em sonhos separados
e a maneira como ela olha para ele
que está ainda forte no envoltório rubicundo
do seu sono habitual, enquanto dela
os anos jovens se estiolaram na mesma cama de casal
e ela o deseja aleijado ou poeta,
ou ainda mais solitário, ou, às vezes,
melhor, meu amado: morto.


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The Farmer's Wife


From the hodge porridge
of their country lust,
their local life in Illinois,
where all their acres look
like a sprouting broom factory,
they name just ten years now
that she has been his habit;
as again tonight he'll say
honey bunch let's go
and she will not say how there
must be more to living
than this brief bright bridge
of the raucous bed or even
the slow braille touch of him
like a heavy god grown light,
that old pantomime of love
that she wants although
it leaves her still alone,
built back again at last,
mind's apart from him, living
her own self in her own words
and hating the sweat of he house
they keep when they finally lie
each in separate dreams
and then how she watches him,
still strong in the blowzy bag
of his usual sleep while
her young years bungle past
their same marriage bed
and she wishes him cripple, or poet,
or even lonely, or sometimes,
better, my lover, dead.


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Do jeito delas - vozes femininas de língua inglesa. Tradução Jorge Wanderley. Organização e ensaios de Márcia Cavendish Wanderley, Carlos Eduardo Fialho, Sueli Cavendish. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.

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