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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Santo Antônio

Por que um livro sobre a vida de um santo poderia interessar um leitor de hoje, mediano que seja esse leitor, face ao incomensurável aporte de informações disponível ao toque de que ele dispõe na internet, seja sobre a vida dos santos, seja sobre qualquer outro assunto?. A resposta que proponho diz respeito àquela velha dama trôpega e incerta que pervaga nos dias atuais, mas que insiste em resistir e persistir: a literatura. Porque a vida deste santo - mais precisamente, Santo Antônio - me encantou desde as primeiras frases, os primeiros parágrafos e páginas por uma qualidade que fala imediatamente a qualquer leitor interessado em literatura: é uma biografia, um gênero literário que passou a ocupar um lugar visível na gradação dos gêneros, na atualidade, não apenas pelo apego desmesurado desses novos tempos ao mundo privado, às vidas expostas à exaustão em suas ações cotidianas, em mídias e modos diversos, mas porque compreendemos melhor hoje que as vidas apresentadas em biografias são vidas 'narradas', recortes feitos pelo olhar do narrador que configuram, assim, aspectos do universo ficcional.

O que faz deste livro de Eliana Bueno-Ribeiro um caso muito especial do que se pode chamar hagiografia moderna será então o fato de ela abraçar com empenho, segurança e talento o caráter de 'estória' de sua história e fazer-nos caminhar com os vários personagens que cria, em busca das peripécias por que passa seu protagonista que, por ser um santo, reveste-se ao mesmo tempo da magia própria a sua condição e se beneficia, simultaneamente, do encantamento das estórias maravilhosas, de invenção e, de certo modo, épicas.

Isso porque Bueno-Ribeiro cria um artifício, uma técnica de feição dramatúrgica, que se afigura importantíssimo para capturar a atenção do leitor: trata-se de um diálogo, uma espécie de symposium entre os membros de duas famílias: na primeira, Jorgedu, Alessandra e seu filho César; na segunda, Das Dores, a mãe, e seus dois filhos, Antônio e Maria. Os dois parágrafos que abrem o livro dão-nos já os elementos da trama dessa história sedutora, e algumas pistas do que contitui essa sedução:

No dia em que Antônio completou 14 anos, o padrinho Jorgedu veio jantar. Era um domingo, a comemoração seria no sábado seguinte, mas Jorgedu, Alessandra, sua mulher, e César, filho deles, sempre vinham jantar no dia exato do aniversário. Jorgedu era o que se podia chamar de “meio sistemático”.

Depois da sobremesa, Das Dores, a mãe, estreou a cafeteira nova que fazia café em cima da mesa, a água quente subindo numa espécie de ampulheta invertida. E, em torno do brinquedinho novo, a conversa se animou. Das Dores era professora e João Firmino, seu marido, artista gráfico e formado em filosofia.Jorgedu, o compadre, era advogado especializado em direito imobiliário, tinha uma clientela internacional, era louco por ópera e ainda achava tempo para escrever peças de teatro. (p. 11)

Então, a história do santo será apresentada através do olhar de uma família simples, em meio a seu cotidiano, de modo que um pouco do que compõe essa simplicidade – insígnia magna da história de Antônio, o santo – já está de algum modo anunciada na maneira como essa família se apresenta ao leitor: todos têm prazer em usufruir e partilhar do conhecimento; há uma clara fraternidade entre eles, outro nome para o amor verdadeiro; a história de Santo Antônio, contada aos jovens por Jorgedu e Alessandra, tem óbvios pontos de interesse para Antonio, e também para Maria, já que seu irmão foi batizado com o nome do santo. Assim, não apenas se cria um ambiente propício ao desenrolar dos episódios mais marcantes que fizeram de Antonio um santo, como essa vida e sua trajetória mantêm todo o tempo um elo vital com os jovens, ouvintes muito interessados do narrador – como, aliás, se dá igualmente com o leitor.

Trata-se de um recurso estratégico fundamental para o encantamento, mas só ele não seria suficiente para fazer o leitor seguir adiante, atento à vida de Antônio e seus milagres. Outras qualidades se apresentam, indisfarçáveis: o livro é muito bem escrito, em linguagem escorreita mas coloquial, já que se trata de uma conversa com jovens; tem uma invejável bagagem de informação histórica – percebe-se que a autora fez pesquisas abrangentes sobre os vários aspectos (culturais, geográficos, regionais, históricos) que cercam não apenas a vida de Antônio, mas as lendas em torno dele, seus milagres e as várias versões deles. Tais pesquisas são ‘traduzidas’ de modo a compor com naturalidade o quadro das narrativas que se revezam, de acordo com as perguntas e as intervenções, em geral, dos jovens ouvintes, Antonio, Maria e César.

Eles constituem um perfil de jovens adoravelmente modernos, contemporâneos, inteligentes e cultos que se mostram irremediavelmente fisgados pelas peripécias de uma vida – a vida de Santo Antônio - que se oferece e se nos apresenta sob o fascínio de uns fios bem tecidos, de umas frases bem urdidas, de uma história que sempre haverá de existir, porque as boas histórias existirão e cativarão sempre as imaginações e as argutas inteligências. Santo Antônio iluminou-se para mim, e estou certa de que para qualquer leitor que encontre esse livro mágico.

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BUENO-RIBEIRO, Eliana. Santo Antônio. São Paulo: Paulinas, 2012 (Coleção Maravilhas de Deus).