
O que faz deste livro de Eliana Bueno-Ribeiro um
caso muito especial do que se pode chamar hagiografia moderna será então o fato
de ela abraçar com empenho, segurança e talento o caráter de 'estória' de sua
história e fazer-nos caminhar com os vários personagens que cria, em busca das
peripécias por que passa seu protagonista que, por ser um santo, reveste-se ao
mesmo tempo da magia própria a sua condição e se beneficia, simultaneamente, do
encantamento das estórias maravilhosas, de invenção e, de certo modo, épicas.
Isso porque Bueno-Ribeiro cria um artifício, uma
técnica de feição dramatúrgica, que se afigura importantíssimo para capturar a
atenção do leitor: trata-se de um diálogo, uma espécie de symposium entre os membros de duas famílias: na primeira, Jorgedu,
Alessandra e seu filho César; na segunda, Das Dores, a mãe, e seus dois filhos,
Antônio e Maria. Os dois parágrafos que abrem o livro dão-nos já os elementos
da trama dessa história sedutora, e algumas pistas do que contitui essa
sedução:
No dia em
que Antônio completou 14 anos, o padrinho Jorgedu veio jantar. Era um domingo,
a comemoração seria no sábado seguinte, mas Jorgedu, Alessandra, sua mulher, e
César, filho deles, sempre vinham jantar no dia exato do aniversário. Jorgedu
era o que se podia chamar de “meio sistemático”.
Depois da sobremesa, Das Dores, a mãe, estreou a cafeteira nova que fazia café em cima da mesa, a água quente subindo numa espécie de ampulheta invertida. E, em torno do brinquedinho novo, a conversa se animou. Das Dores era professora e João Firmino, seu marido, artista gráfico e formado em filosofia.Jorgedu, o compadre, era advogado especializado em direito imobiliário, tinha uma clientela internacional, era louco por ópera e ainda achava tempo para escrever peças de teatro. (p. 11)
Então, a história do santo será apresentada através
do olhar de uma família simples, em meio a seu cotidiano, de modo que um pouco
do que compõe essa simplicidade – insígnia magna da história de Antônio, o
santo – já está de algum modo anunciada na maneira como essa família se
apresenta ao leitor: todos têm prazer em usufruir e partilhar do conhecimento;
há uma clara fraternidade entre eles, outro nome para o amor verdadeiro; a história
de Santo Antônio, contada aos jovens por Jorgedu e Alessandra, tem óbvios
pontos de interesse para Antonio, e também para Maria, já que seu irmão foi batizado
com o nome do santo. Assim, não apenas se cria um ambiente propício ao
desenrolar dos episódios mais marcantes que fizeram de Antonio um santo, como
essa vida e sua trajetória mantêm todo o tempo um elo vital com os jovens, ouvintes muito interessados do narrador – como, aliás, se dá
igualmente com o leitor.
Trata-se de um recurso estratégico fundamental para o encantamento, mas só ele não seria suficiente para fazer o leitor seguir adiante, atento à vida de Antônio e seus milagres. Outras qualidades se apresentam, indisfarçáveis: o livro é muito bem escrito, em linguagem escorreita mas coloquial, já que se trata de uma conversa com jovens; tem uma invejável bagagem de informação histórica – percebe-se que a autora fez pesquisas abrangentes sobre os vários aspectos (culturais, geográficos, regionais, históricos) que cercam não apenas a vida de Antônio, mas as lendas em torno dele, seus milagres e as várias versões deles. Tais pesquisas são ‘traduzidas’ de modo a compor com naturalidade o quadro das narrativas que se revezam, de acordo com as perguntas e as intervenções, em geral, dos jovens ouvintes, Antonio, Maria e César.
Eles constituem um perfil de jovens adoravelmente modernos, contemporâneos, inteligentes e cultos que se mostram irremediavelmente fisgados pelas peripécias de uma vida – a vida de Santo Antônio - que se oferece e se nos apresenta sob o fascínio de uns fios bem tecidos, de umas frases bem urdidas, de uma história que sempre haverá de existir, porque as boas histórias existirão e cativarão sempre as imaginações e as argutas inteligências. Santo Antônio iluminou-se para mim, e estou certa de que para qualquer leitor que encontre esse livro mágico.
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BUENO-RIBEIRO, Eliana. Santo Antônio. São Paulo: Paulinas, 2012 (Coleção Maravilhas de
Deus).