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São muitas as razões para amar
Midnigth in Paris, para rever o filme com o mesmo encantamento da primeira vez. Acho que todo mundo assiste às cenas iniciais – takes breves em vários cantinhos ou monumentos da cidade – já com o olhar embevecido de reconhecimento de algum bom momento que passou por ali; ou de quem reconhece de fotos, mas nunca foi naquele lugar, e o filme pontua essa lacuna, faz nascer o desejo de preenchê-la, faz sonhar com o dia em que se conferirá a estampa, o desenho, o cheiro, a cor, enfim. E isso pode ocorrer com qualquer lugar em Paris, literalmente, não apenas os marcados pelo olhar de Allen.
Outa boa sacada foi torná-lo leve, mas cheio de glamour, irônico, divertido, sarcástico, tudo isso ao juntar atores em personagens feitos para eles – ou assim parece. Todos estão perfeitos, até a primeira dama escorregando na rigidez da interpretação está perfeita – afinal, ninguém esquece que ela está ali brincando de vender os atributos de uma cidade que – pasmem! – prescinde dela para existir em toda sua majestade. De todo modo, Carla Bruni é mais um plus que o mago Allen trouxe para o universo mágico do filme.
O roteiro, propriamente dito, é magistral, pela singeleza e pela perspicácia. Ele mexe e brinca com vários mitemas que configuram a cidade, segundo o imaginário de seus admiradores, lendo-os através dos olhos de seus “rivais culturais” estadunidenses, de onde as tiradas irônicas, o sarcasmo, as piadas meio cruéis. Não falta o rico reacionário de direita, versus o artista movido pela imaginação, alimentada em altíssima voltagem por todos os apelos da cidade, representados pelo pai da noiva (interpretada por Rachel McAdams), e pelo protagonista, Gui, vivido com perfeição por Owen Wilson – aliás, ele é a cara de um certo modo de ser norte-americano, meio apatetado, meio perdido, que caiu como uma luva para o personagem, é o mais convincente artista-escritor às voltas com o bloqueio criativo, absolutamente encantador.
Mas todos estão ótimos: Rachel McAdams como uma noiva seduzida pelo “pedante” marido da amiga, conferencista em Sorbonne; Kathy Bates, impagável como Gertrude Stein; e todos os artistas que perambulam pelas eras por onde o filme passeia, marcados por seus temperamentos e pelos traços do legado artístico que deixaram: Hemingway, Picasso, Scott e Zelda Fitzgerald, Braque, Matisse, Miró, isso tudo até eles voltarem no tempo mais um pouco e chegarem onde queria a amante de Picasso, Adriana, vivida por Marion Cotillard, cuja era de eleição foi a Belle Époque.
Por obra e graça da magia do filme, estamos agora num salão dessa época, onde os dois personagens veem solitário em sua mesa ninguém menos que Toulouse-Lautrec. Aproximam-se para cumprimentá-lo e surge Gauguin, já seduzindo a bela Adriana, para tristeza de Gui, que parte dali deixando sua musa no tempo que ela escolheu como ideal para viver e ser mais feliz.
Dentre todos os jogos de humor e inteligência que o filme oferece, esse se qualifica entre os melhores: não há quem já não tenha pensado em algum momento, mesmo que de relance, que outro seria o tempo melhor para se viver – há (e haverá sempre, para alguns) um momento histórico em que a vida haveria de fluir mais fácil, mais bela, mais assim ou assado – sempre melhor, lá.
Quando, quase no final, Gauguin (se não me engano) advoga que os bons tempos teriam ficado na Renascença a gente ri. Mas pensa também como é difícil ser o que se é, no tempo que se tem – para viver, inclusive.
Como se tudo isso não bastasse, a trilha sonora é maravilhosa, o tema que embala as "viagens" de Gui é muito perfeito, a gente 'toca' a música e a imaginação ao mesmo tempo. Grande filme, delícia de ver e rever.
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Uma resenha impecável, inclusive pela errata*, feita pelo comentarista do New York Times:
http://www.nytimes.com/2011/05/28/movies/midnight-in-paris-a-historical-view.html
* Eu também tinha ‘errado’ o filme do Buñuel, achava o mesmo que ele.
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