Além disso, tem as situações do cotidiano em que eles estão imersos, e que nos aproximam de cada um, nos acumpliciam, nos tornam irmãos - o menino negro com um corte na barriga é um dos feridos diários em nossa guerra particular carioca; o casal de idosos na praia é nosso parente próximo, se não for nosso alter ego; a moça carregando o bebê, que a olha pedinte enquanto ela fita o longe, o pensamento em outro lugar, ou talvez nele
mesmo, retraça nossa diuturna aflição por cuidar da vida, nossa e/ou de alguém; o homem sozinho no enorme barco, nu e com uma expressão de completa perdição não poderia ser mais emblemático de nossa solidão universal, de nosso estado meio catatônico face ao que quer que seja - ele, sobretudo, me deixou muda de espanto diante da: fragilidade.
Fragilidade que se torna ainda mais pungente quando se percebe o modo como alguns personagens são 'alocados' na exposição: se eles ali representam cenas do cotidiano, cenas quase íntimas, de momentos muito pessoais, seja pela situação, seja pelas expressões dos olhos, da boca, das mãos - ao mesmo tempo são 'invadidos' por uma multidão curiosa, voraz, que se aproxima e avidamente fotografa, fotografa, cochicha, sorri, quer olhar mais perto, mais dentro - a impressão que dá é que o artista quis "expor" seus personagens a uma certa invasão de privacidade, como uma forma de expor também nossa própria ausência dela, ou fome de viver, talvez, a vida do outro.
O fato é que tudo ali emociona, nos toca, é valioso, belo e, de certo modo, cruel.
Ver o artista, no vídeo que integra a mostra, como um homem comum, fazendo seu trabalho, obsessivamente lapidando, esmerilhando, cavoucando a massa, comendo sanduíche e lustrando, polindo, perdendo-se em meio às tralhas, e achando-se, tudo constitui uma experiência que não se poderá esquecer.