Hoje faço 65 anos. Não tenho a menor ideia do que isso
significa, mas é uma idade difícil. Achei que os cinquenta fossem um marco, e
talvez tenham sido, mas não me senti assim, como estou me sentindo, meio à
deriva, meio em abismo. Ainda era bem menina naquele então pra rir do meio
século - em 2000 estava me aposentando da Universidade, tinha a fantasia de que
me estava libertando para enfim procurar o trabalho para o qual havia nascido,
sem as obrigações de frequentar reuniões chatíssimas, nem ter que estar em sala
de aula às sete da manhã. Não foi bem assim que os anos se mostraram. Eu tomei
um ser sob meus cuidados, e descobri que tomar conta de outrem é minha
especialidade - e meu tormento também. E pude entender por que não tive filhos
- não foi apenas porque tive que trabalhar muito, estudar muito, escrever
muito, produzir muito, viajar muito - há mulheres que fazem tanto quanto eu fiz
e mantêm uma família, mesmo com dificuldades. Eu não poderia, porque cuidar
para mim é um ato de abnegação quase total. Eu não apenas cuido, como me torno
- exupéryanamente - para sempre responsável pelo ser cuidado. Daí que minha
vida, que ia ser livre, leve e solta, fincou-se no chão das responsabilidades e
durante anos não vi as três cores do filme.
Depois, outros acontecimentos
vieram, outras voltas no caminho, e outros cuidados me foram exigidos: entrei
em outra Universidade, voltei às aulas e à rotina acachapante; minha saúde
sofreu um baque, me tratei, sofri e fiquei relativamente boa - sempre by myself. O que eu não
sabia é que minha excessiva autossuficiência haveria de cobrar seu preço, e
cobrou sob forma de uma certa descompensação, que levaria alguns anos para se
resolver. Em seguida, ainda meio zonza, a mãe requer cuidados, sofre um AVC, e
a persona cuidadora entra em cena de novo. Desde 2010 venho exercendo o papel
com afinco, até que não deu mais e tive que - tive que - cair fora. Cheguei há
pouco mais de um mês nessa Vila Velha, que de velha não tem nada; nesse Espírito Santo, que eu acolho em seu
nome, e no meu.
Aos sessenta e cinco, recomeçar a busca, tentar cuidar de
mim com o mesmo zelo e afinco com que minhas asas sempre se abriram para
abrigar o que ou quem sob elas se recolhesse. Recolher as asas. Redefinir a
rota. Afinal, voar não é com os pássaros?