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Antes de falar sobre minhas peripécias em Buenos Aires, preciso dizer que Tropa de elite 2 é um filme extraordinário, e digo isso ainda sob o impacto de tê-lo recém visto. Gente, o que é aquilo? José Padilha acaba de tornar-se, para mim, o grande cronista do embate entre as forças que se digladiam pelo poder no Rio de Janeiro, e que o atravessam em suas complexas vertentes, nas esferas policiais, políticas e administrativas.
O filme é grandioso, violento, tecnicamente primoroso, com um Wagner Moura magistral, daqueles desempenhos de emocionar até pedra, visceral, no sentido de que nada, nenhum movimento de seu rosto, nenhuma expressão extra ou errada atrapalha a intensidade de sua emoção, a maneira de expressá-la, de criá-la para nós, seus espectadores submissos à força de seu personagem e de sua interpretação. Vivemos intensamente tudo que ele vive, suas contradições, suas iras e dilacerações entre matar ou matar.
(Na verdade, todo o elenco está irrepreensível, com um ótimo Irandhir Costa vivendo um defensor dos direitos humanos que, quase no final, faz acontecer um dos momentos mais bonitos e esperançosos do filme).
De todo modo, nada aqui é simples, preto ou branco, bandido de um lado, mocinho de outro. Tudo é muito intenso e muito complicado ao mesmo tempo. Não se trata apenas de matar o bad boy, trata-se de viver em constante mobilidade entre as várias forças do mal, que se multiplicam e vicejam em constante deslocamento, muito além de sua concreta realização sob a forma de traficante e/ou de milícia. Há os políticos, há os agentes da lei, há os chefes dos chefes, há os homens em altos cargos, há os policiais em todos os níveis, há todo um contingente de pessoas do mal que se disfarçam e a seus interesses, e que se enfrentam violentamente com o fim único de se dar bem à custa do que for preciso.
O personagem Nascimento nos leva a compreender melhor a complexíssima engrenagem que move o sistema político e marginal na cidade, onde essa aliança se mostra de modo mais claro e mais devastador. Por isso, em vários momentos chorei mesmo, porque o filme nega qualquer possibilidade de saída fácil para esse labirinto de desconcertos que rege a cidade, cidade que seus habitantes amam de paixão, e cujas fraturas o filme expõe sem piedade.
A última cena, com a câmera saindo da cidade e chegando ao Alvorada, encaminha a questão política como central para esse e tantos outros problemas com que temos e teremos de nos defrontar - em época de eleição, ele nos lembra que tudo é político, todo gesto importa e toda escolha é fatal, porque tenho a impressão de que, no Brasil, como em outros lugares em que a maioria ainda não conquistou a cidadania, ninguém está na vida a passeio.
Ah, e ver o cinema brasileiro dando esse banho de qualidade faz um bem enorme, apesar de tudo - ou por isso mesmo.
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segunda-feira, 11 de outubro de 2010
quinta-feira, 25 de março de 2010
Jards Macalé, um morcego na porta principal
O de que eu mais gostei no documentário Jards Macalé, um morcego na porta principal foi tentar me ver em vários momentos históricos que aparecem, sobretudo aquele show no MAM, fiquei me procurando no meio daquele povo todo, tenho certeza de que estava ali :)
Outra coisa boa é reviver emocionalmente algumas canções que foram importantes na história de minha geração, sobretudo Vapor barato, Movimento dos barcos e Luz negra (acho que só a primeira é cantada no filme) -- quem dentre nós não gritou "oh, minha honey, baaaby, honey baby!", era como um hino de tresloucada liberdade, como cantar aos berros Janis Joplin, enfim.
Gostei também do aspecto meio anárquico do documentário, porque é um pouco a identidade musical do Macalé, que se inscreve em vários lugares da história musical brasileira, e transgride em vários momentos políticos. Uma cena engraçadíssima é ele contando sobre sua prisão quando fazia um show com Moreira da Silva, ambos são levados à delegacia e tudo é humor desbragado, rimos muito.
E pra ficar no clima, Vapor barato -- oh céus, oh dias, oh tempos! :)
PS. Perguntei a L se ela queria ouvir uma música legal, essa, ela disse: Não!
Aí ouviu a interpretação do Rappa e começou a dançar na cadeira, dizendo amar essa música! Entendo.
Mas a minha interpretação favorita é mesmo a da Gal berrando todos os berros. Vão os dois modos de cantá-la.
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Vapor Barato
Composição: Jards Macalé e Waly Salomão; Interpretação: Gal Costa
Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas, não pra dizer
Que eu não acredito mais em você
Com minhas calças vermelhas
Meu casaco de general
Cheio de anéis
Vou descendo por todas as ruas
E vou tomar aquele velho navio
Eu não preciso de muito dinheiro
Graças a Deus
E não me importa, honey
Oh, minha honey baby
Honey baby, baby
Oh, minha honey baby
Honey baby, baby
Baby, baby, baby
Honey baby
Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas, não pra dizer
Que eu estou indo embora
Talvez, eu volte
Um dia eu volto, quem sabe
Mas, eu quero esquecê-la
Eu preciso
Oh, minha grande
Oh, minha pequena
Oh, minha grande
Obsessão
Oh, minha honey baby
Honey baby, baby
Oh, minha honey baby
Honey baby, baby
Baby, baby, baby
Honey baby
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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
O filme sobre o baião
Levei minha mãe para ver O homem que engarrafava nuvens, ela saiu dizendo que conhecia aquilo tudo, tanto os lugares, quanto as músicas, e é verdade - tem 84 anos e passou boa parte da vida ao som do baião de Gonzaga e de Humberto Teixeira.
Dessa vez, pude escolher minhas cenas inesquecíveis:
* Bebel Gilberto, num momento de êxtase, reconhecendo a beleza do baião, diz: "hum, ai, isso é bom!";
* Gil falando sobre as duas grandes famílias reais musicais brasileiras, sua linhagem mais nobre: o samba e o baião;
* Bethânia cantando Asa branca;
* Caetano dizendo que o verso "e fosses a Paraíba", de uma canção que ele fez no exílio, dizia respeito a Humberto - ele diz isso com uma expressão tão bonita;
* Lenine cantando numa interpretação cheia de graça e ginga 'Qui nem jiló';
* A animação da galera no pub novaiorquino, ao som da sanfona;
* A alegria de relance de Marília Gabriela, num momento com Raul Seixas;
* O depoimento do "artesão da sanfona", um homem muito engraçado e interessante;
Enfim, o filme é adorável, amei ver de novo, fazer o quê, sou dessas bandas.
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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
O homem que engarrafava nuvens
Achei lindíssimo O homem que engarrafava nuvens. Na verdade, chorei em alguns momentos, emocionada com a beleza da música de Humberto Teixeira, com os depoimentos de alguns craques da nossa melhor MPB e com as interpretações magistrais deles - cantam lindissimamente Gal acompanhada por Sivuca, Fagner, Chico, Bebel Gilberto (muito bem), Caetano, Bethanea, numa magistral interpretação, Lenine (maravilhoso), um rapaz, Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, que faz ótimos depoimentos e canta com a força e um certo estilo mangue beat, muito bom.
Tem também cenas de arquivos ótimas, e uma delas mostra a Marília Gabriela bem jovem entrevistando o Raul Seixas, que também canta uma canção de Humberto, e daí fiquei pensando que Marília tem um bocado de história pra contar; uma impagável Silvana Mangano cantando 'O baião' em italiano, enfim, há muito com que se emocionar vendo e, sobretudo, ouvindo o documentário de Lírio Ferreira.
Quando entra em cena Denise Dumont, a filha de Humberto e produtora, roteirista e acho que responsável pela energia do filme, a voltagem sobe porque ela demonstra uma sinceridade comovente nessa espécie de acerto de contas com a memória do pai - quer realmente entender a importância dele não apenas em sua vida, mas na memória cultural e musical do país.
Se não bastasse isso tudo, que é coisa à beça, trata-se de um dos melhores retratos sobre a importância do baião no cadinho que dá o tônus e o vigor da música brasileira. E, last but not least, ouvir o David Byrne cantando 'Asa branca' em inglês, absolutamente empolgado, e vê-lo passeando de bicicleta por Nova Iorque ao som da nossa música é imperdível. Na verdade, todo o filme é imperdível.
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