Começa aí um tour de force entre ela, em seu desejo implacável de ser presa por ter empurrado do parapeito da varanda o marido violento, espancador, sádico, que a violentou ao longo desses dez anos, e a policial vivida por Miou-Miou, que se recusa a aceitar a culpa e a prisão dessa mulher. Como se não bastasse, o filho vai crescendo sem o pai e vai-se tornando ele também um sádico, espalhando ano após ano retratos do homem ausente pela casa, até cobrir quase todo o espaço com a memória - eu diria - do mal.
Fiquei muito irritada a maior parte do tempo, sem paciência com aquela determinação e sem entender por que uma pessoa fica tão doente, mas tão doente que aceita passivamente ser espancada e ainda por cima conviver por longos anos com uma culpa indevida, porque ela não matou o marido, já que, primeiro, apenas encostou no infeliz e ele caiu quase sozinho, porque estava bêbado; segundo, foi legítima defesa, porque o monstro a estava espancando. Então, torcia pra que a policial vencesse aquela arengação de uma vez por todas. E ela vence, finalmente.
A mulher sai já de manhã, derrotada, mas livre. Só que de repente a policial aparece à porta da delegacia e diz a frase fatal: que pode fazer o boletim de ocorrência com data de ontem, antes da prescrição do crime, que ela pode ser presa ainda, se quiser. A mulher volta, é presa e na cena seguinte e última ela está atrás das grades tendo uma conversa muito importante e esclarecedora com o filho. Nessa conversa entendemos por que ela queria tanto ser presa. Ela realmente precisava desse ato libertador - por paradoxal que seja - porque foi o único pela qual assumiu inteira responsabilidade: ter matado o marido deu sentido aos anos todos de tortura a que fora submetida - ela havia feito alguma coisa a respeito: ela o havia matado. Pena que somente na cena final o espectador sinta-se, finalmente, livre daquele peso.
O filme vai pontuando muito mais os esforços da rainha para proteger sua amada e as nuances do devotamento de sua serva, que culmina com a fuga do país disfarçada com as roupas da amante de Antonieta, Gabrielle. Ao reconhecer-se longe daquela a quem serviu com desvelo e amor, Sidonie vê-se sem identidade, sem saber quem é a partir de então. Achei meio excessivo no tempo, mas interessante.
A comédia versa sobre uma secretária meio desastrada, excelente datilógrafa, muito rápida nos teclados, que se apaixona pelo jovem patrão, um esportista fracassado, que decide treiná-la para ser campeã mundial do concurso de datilografia (sim, isso existia, e talvez exista ainda na terra das competições). Ela vai vencendo as etapas até chegar à final nos EUA. Ele será convencido de que com amor ela não terá a dureza necessária para ganhar o campeonato, e parte. Ela continuará sozinha sua maratona. No final... bom, o óbvio acontece, claro.
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Talvez não caiba aqui uma sessão nostalgia, mas reconheço inteiramente aquela moça, sou de um tempo em que uma menina pobre aprendia, ao invés do tricô e crochê do tempo da mãe, a datilografia e a estenografia, instrumentos necessários para tentar entrar no mercado de trabalho. Fiz ambos os cursos, embora nunca tenha conseguido usar os caracteres estenográficos. Mas foi o inglês do Ibeu (com bolsa) o fundamental para meu futuro profissional .Ah, e também fiz tricô bem, e bordei. O filme me fez habitar esse espaço da memória por algum tempo - breve como poeira leve.
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Talvez não caiba aqui uma sessão nostalgia, mas reconheço inteiramente aquela moça, sou de um tempo em que uma menina pobre aprendia, ao invés do tricô e crochê do tempo da mãe, a datilografia e a estenografia, instrumentos necessários para tentar entrar no mercado de trabalho. Fiz ambos os cursos, embora nunca tenha conseguido usar os caracteres estenográficos. Mas foi o inglês do Ibeu (com bolsa) o fundamental para meu futuro profissional .Ah, e também fiz tricô bem, e bordei. O filme me fez habitar esse espaço da memória por algum tempo - breve como poeira leve.