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quinta-feira, 14 de agosto de 2008

solidariedade 2

Do link: http://oglobo.globo.com/pais/moreno/#119721

Transplante
Salvar vidas ou manter a ordem na fila das mortes?

Sob o título " O Silêncio dos inocentes", na edição da "Folha de S. Paulo" do domingo passado, 10 de agosto, o ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva escreveu um dos mais memoráveis artigos sobre a condenação de inocentes e alerta que o caso do médico Joaquim Ribeiro , acusado de manipular a lista de transplante de fígados, pode ser mais uma repetição da Escola Base, um clássico erro jornalístico que manchou a mídia brasileira. O texto do ombusdman da Folha deveria estar pregado em todos os murais das redações deste país, em todas as salas de aulas dos cursos de Jornalismo e, principalmente, em todos os gabinetes do ministério Público e da Polícia Federal.

E este belo artigo do autor, roteirista e diretor de cinema e tv, Jorge Furtado, sobre esse caso dá razão ao alerta do jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva. E eu, mais uma vez reafirmo: a família de Augusto Arraes não furou a fila. Simplesmente resgatou um fígado cujo destino era o lixo. Repito também uma frase de Caetano Veloso sobre o caso: "Estão discutindo a fila e não soluções para a fila".

Leia então o artigo do cineasta JORGE FURTADO:


O médico Joaquim Ribeiro Filho foi preso no Rio de Janeiro acusado de fraudar a lista de prioridades nas cirurgias de transplante de fígado. A prisão foi registrada por várias equipes de telejornais. Jornais dizem que ele é "acusado de desvio de órgãos entre 2003 e 2007", mas esquecem de dizer que a acusação se refere a apenas três transplantes. O primeiro caso foi levado ao Conselho de Medicina, que o absolveu por 21 votos a zero. Um dos transplantes não aconteceu. No outro caso, ele é inocente. O fígado que ele transplantou, numa operação de alto risco e brilhantemente bem sucedida, iria parar no lixo de um hospital mineiro se a família do transplantado, no Rio de Janeiro, não tivesse enfrentado uma gincana para conseguir, no dia da queda do avião da TAM, um jatinho para decolar imediatamente, ir a Belo Horizonte e voltar para o Rio. O médico fez a cirurgia e tinha a obrigação de fazê-la, até porque o transplantado tinha um mandato judicial que lhe garantia prioridade. O médico fez muito bem, salvou uma vida, é disso que se trata no exercício da medicina.

O sistema nacional de transplantes tem uma tarefa fundamental, garantir a justiça na ordem de prioridades dos receptores dos órgãos doados, seguindo critérios técnicos: duração da vida útil dos órgãos doados, condições de transporte aos receptores, urgência da cirurgia. O sentido da coisa deve ser salvar vidas e não manter a ordem na lista dos mortos. Um órgão, antes de ir para o lixo, deve ser usado para salvar a vida de quem puder ser salvo, isso é o óbvio. No Brasil, cerca de 400 fígados doados vão para o lixo todos os anos por incapacidade do sistema público de saúde de fazê-lo chegar aos transplantados.

Será que os jornalistas que protestaram contra a "espetacularização" da prisão da quadrilha dantesca que tentava subornar um policial federal vão protestar contra a execração pública do médico que já salvou milhares de vidas com o seu trabalho?

Prender um médico cirurgião que, na pior da hipóteses - já que a presunção de inocência, no Brasil, foi substituída pelo mau jornalismo - representa zero de perigo para sociedade e ocupa desnecessariamente uma vaga na cadeia, é uma burrice. Prender e expor a execração pública uma pessoa inocente que exerceu com extrema eficiência a sua profissão e, assim agindo, salvou uma vida, é um crime. Quem são os autores? Serão punidos?

domingo, 10 de agosto de 2008

Quem nos ouve?


Não resisto e replico aqui parte da entrevista publicada hoje, domingo, no JB, com o Nelson Pellegrino, relator da CPI das Escutas Telefônicas.
Gente, estamos todos grampeados, acho que ninguém escapa desse voyeurismo aliado à banalização dos direitos individuais, da indigência de cidadania nesse país. Estamos, realmente, em tempos bárbaros. Quem vai nos ouvir, ou nos proteger de quem deveria nos proteger?

'Voltamos ao tempo da ditadura', diz Nelson Pellegrino
Márcio Falcão, Jornal do Brasil - 10/08/2008

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua passagem por Salvador, há 10 dias, reservou um momento para discutir a situação do grampo no país. Lula conversou com o deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Escutas Telefônicas, e pediu empenho do Congresso na aprovação de projeto com novos critérios para instalação do grampo e punições mais rigorosas.

Ao presidente, Pellegrino apresentou breve diagnóstico do que a CPI tem encontrado. Segundo o parlamentar, um Estado policialesco que banalizou a interceptação telefônica. Em entrevista ao Jornal do Brasil, Pellegrino mantém as críticas à falta de fiscalização do Judiciário. “Voltamos aos tempos da ditadura, só que legalmente”, afirma. O petista também faz uma radiografia dos grampos no país, da expectativa para o depoimento do banqueiro Daniel Dantas e comenta a briga com as operadoras de telefonia.

A CPI analisa a situação das interceptações telefônicas no país há oito meses e já pediu a prorrogação por mais 120 dias. Qual a linha de investigação que a comissão tem seguido?

Desde o início, trabalhamos com três grandes eixos: como estão sendo feitas as interceptações legais no País, como ocorrem as interceptações ilegais e quais os aparatos tecnológicos disponíveis no mercado. Com essa dinâmica esperamos saber quem solicita, quem autoriza, como os mandados são executados e como as operadoras administram.

Quais foram as conclusões às quais a CPI já chegou?
A primeira coisa é em relação às interceptações legais. É uma convicção da CPI que há uma banalização. Hoje é muito fácil conseguir um grampo legal, seja requerido pela autoridade policial ou pelo Ministério Público. A maioria concede e muitos pedidos não têm a menor fundamentação. As prorrogações são feitas por carimbo, um camarada apenas bate e assina. O Ministério Público não fiscaliza como deveria e quando faz detecta problemas. O juiz, que é detentor do sigilo, não monitora, não audita o que é interceptado. Há ainda um constante vazamento do conteúdo protegido.

Então o principal problema é estrutural?
Sem dúvida. A lei que trata das escutas telefônicas estabelece que o grampo só será permitido se houver, entre outros pontos, indício da participação criminosa e se não houver outro meio de prova que possa ser lançado. Esse espírito foi lançado pelo constituinte porque na época da ditadura eram mais de mil interceptações por dia. Então, para colocar um fim neste abuso ele resolveu proteger com um dispositivo o sigilo da privacidade, mas estabeleceu exceções como combate ao crime organizado, à criminalidade, corrupção. Portanto, a interceptação telefônica é um instrumento excepcional poderoso porque invade a vida individual do cidadão, de terceiros. Pela lei, esse meio só deve ser lançado se não tiver outro meio de prova e haja indício de participação criminosa.

O sistema segue outra regra?
Hoje, se intercepta primeiro para depois investigar. Existe uma presunção de que o indivíduo é criminoso. No ano passado, foram 409 mil interceptações telefônicas. Se colocar em média que cada alvo se comunica com pelo menos dez pessoas, quatro milhões de brasileiros foram grampeados. Este é um número estarrecedor. Algumas interceptações duram até dois anos, quando a lei estabelece que são 15 dias prorrogáveis por mais 15 dias, embora os tribunais assegurem que não chegam a ser ilegais. Mas o tempo razoável seria de 30 dias, o período de um inquérito. Imagina a demora para degravar este conteúdo. Para se ter uma idéia, numa interceptação que demora dois anos, a degravação vai levar pelo menos 15 anos. O fato de você escutar um indivíduo é claro que você vai acabar encontrando alguma coisa. Sem contar que permitir uma vigilância é coisa de um Estado policialesco.

É possível identificar quem mais pede grampo no país?
Sem dúvida a Polícia Federal e a Polícia Militar, apesar da PF sustentar que só utiliza grampo em 4% das operações realizadas. Mas a grande questão é que o grampo está realmente banalizado. Voltamos aos tempos da ditadura, só que legalmente.

A CPI tem idéia de quantas escutas ilegais ocorrem no país?
Um número muito expressivo, mas prefiro nem chutar. As interceptações ilegais acontecem pelo país afora mais fácil do que imaginamos. Qualquer pessoa pode ir a um site de busca e pedir para procurar escuta, interceptação e aparecem várias empresas oferecendo serviço de grampo, como um celular para escutar a esposa ou o filho. Até a maleta, que é um equipamento que parece um computador que faz varredura e capta o som, está disponível.

Qual a participação das operadoras no processo do grampo?
Elas cumprem autorização judicial e processam a informação. As operadoras dizem que criaram ambiente próprio pra esse tipo de procedimento. Ou seja, o trânsito da ordem judicial é restrito a alguns funcionários. A maioria já está centralizando essas informações num Estado da federação - Rio ou São Paulo. No caso da Brasil Telecom, Brasília. A prática não é mais fazer interceptações no estabelecimento da empresa. Eles usam um cabo ou sinal para o local onde a autoridade policial ou o Ministério Público designarem.

[20:59] - 09/08/2008