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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Moonrise Kingdom; E se vivêssemos todos juntos?


Moonrise Kingdom tem um bocado de gente boa, de ótimos atores, vivendo personagens meio apatetados em situações esdrúxulas, pra não dizer bizarras. Só mesmo nos EUA se pode produzir um filme com essa temática, com esse viés e com essa naturalidade para encarar o estranho.

Onde mais, igualmente, se poderia fazer uma 'comédia comedida', se se pode assim chamar esse trabalho de Wes Anderson, em que Edward Norton é um compenetrado chefe de escoteiros, cujo comandante é vivido por Harvey Keitel, e tem ainda no cast Bill Murray, Frances McDormand, Bruce Willis, Tilda Swinton e os dois jovens, Suzy e Sam, pivôs de toda a história, vividos por Kara Hayward e Jared Gilman, aliás, com muita competência e graça.

Tudo se passa com muita seriedade, humor fino e irônico, mas ao mesmo tempo se lê na história um movimento de deslocamento, de como quase todos estão meio fora do grupo a que pertencem (por laços de família, agregação, adoção), ou a que querem pertencer. Um dos aspectos interessantes, então, é essa inconstância sobre quem se é, o lugar que se ocupa num clã, num grupo, nos afetos. Eu gostei muito, achei divertido. Bizarro, mas engraçado. 


E se vivêssemos todos juntos?  - sempre que um grupo de velhinhos se reúne num filme as coisas tendem a ficar, em geral, morbidamente engraçadas.

É o que ocorre nesse filme, que tem duas 'velhinhas' bem 'distintas' - nos dois sentidos: ambas são damas respeitadas em sua arte, e ambas lidam com a poeira do tempo nos rostos de modos diferentes. E ambos os modos são belos.

Gosto das rugas (muitas rugas) da Geraldine Chaplin, e gosto do cuidado que a Jane Fonda dedica a manter sua aparência mais jovem, a despeito de mãos e braços etc. Enfim, são ótimas atrizes, que chamam mais para si as luzes das cenas, mas o filme é divertido, com todos eles fazendo o possível para usufruir as alegrias de viver até quando der.

Achei interessante que a cena final me tenha emocionado - chamar o nome da personagem que acabou de morrer, sair em grupo todos eles gritando por ela, acompanhando o marido que 'esqueceu' de sua morte: para mim, foi muito forte, muito tocante, foi a cena mais bonita de todo o filme, parecia Garcia Marques e os Buendia.  

Rota irlandesa


Depois de Kathryn Bigelow e seu desarmador de bombas, em Guerra ao terror; depois do Robert Redford e Brad Pitt, em Jogo de espiões (Tony Scott), depois de outros que muito provavelmente deixei de ver, não pensei que ainda houvesse um ângulo novo ou inusitado para explorar, mais uma vez, a guerra, ainda ela, over and over.

Pois Rota Irlandesa mostra que há, sim - e mostra isso de modo visceral, pois o incômodo que inflige ao espectador o coloca num nível muito particular dos chamados 'filmes de guerra'. Não se trata mais de apenas denunciar, expor, explorar, catatonizar quem vê com cenas de violência mais ou menos explícitas - trata-se de construir um incômodo e uma tensão crescentes, sob todos os aspectos, de modo a fazer o espectador se mexer na cadeira e não se aquietar, mas se inquietar.

Trabalhando, como os outros filmes mencionados, com os entornos das cenas propriamente de batalhas, com os acontecimentos periféricos da guerra ela mesma, embora advindos todos de suas contingências e de sua exorbitância, sempre espúrias, o filme atinge o coração da desordem nesses tempos de trevas quando expõe as engrenagens que movem aliados a matar um companheiro.

Os nós que vão sendo desfeitos e desenrolados pelo amigo que sobreviveu mostram interesses os mais vis e mesquinhos, os negócios mais brutais que proliferam nas zonas conflagradas. Não se trata mais, então, de uma guerra, mas de um campo minado de interesses, quando o que está em jogo é como ganhar cada vez mais dinheiro, como lucrar mais e mais com o 'negócio da guerra'. Esse lado da mesma moeda mata qual uma bala que se abre e dilacera os corpos onde toca -  e todos a recebemos, da tela, em ricochete. Ken Loach faz um filme grandioso em sua inquietante dureza, apoiado sobretudo no primoroso trabalho de interpretação desse Mark Womack - um soldado que carrega na expressão do rosto as marcas das várias guerras que enfrenta. Filme implacável, e necessário.

terça-feira, 10 de abril de 2012

A vida dos peixes


O que A vida dos peixes tem de interessante é esse deter-se indefinidamente em um único personagem - um homem de 33 anos, doce e belo - numa única noite, ao longo de uma festa em casa de amigos de longa data, de quem ele tenta se despedir, mas onde vai ficando, vai ficando, quase sem forças para deixar todas as histórias que ali viveu descansarem, ou abandoná-las enfim. Até porque a mulher que realmente importa, com quem ele precisa acertar as contas de seu passado, está por chegar. E chega. E somente por expressões do rosto, por frases poucas, breves trechos da história dos dois, rememorações, retificações, ficamos sabendo o que aconteceu - quando houve a falha, a fissura, a falta; quando um dos dois não pode com o peso de sua história, se acovardou
e a vida seguiu de um jeito que o outro não tem mais como reparar; como a direção e o rumo foram outros, diferentes do desejado, a despeito do amor - por medo, imaturidade, dor, não entendimento dos grandes traumas, whatever.

Há momentos na vida de todos nós em que demos um passo, ou algo se sobrepôs a nós e a nosso caminho, e aquele passo foi mais que isso: foi uma marca, um marco, ali alguma coisa indelével aconteceu e não tem volta, por mais que tentemos remediar, remendar, consertar. Não dá pra ser o que era, não dá pra engatar outra história naquela. Acabou. Carregamos então o peso daquilo para sempre, e seguimos em frente, em busca da felicidade possível, se possível. Foi essa a magistral história que o diretor Matías Bize nos contou, usando atores perfeitos, porque parecidos com todos nós, num ritmo um pouco lento, mas necessário para caminhar com as lembranças, com o tempo que dura na memória. Muito triste. Muito bom. Reconhecço-me ali não apenas culturalmente, mas inteiramente.

domingo, 18 de março de 2012

Shame

Nunca havia entendido o que era ser viciado em sexo até ver Shame, uma visceral viagem em torno do pau (muito bonito) de um homem (muito interessante) que não consegue viver sem usá-lo em algum orifício, de preferência sem envolvimento emocional, afetivo ou amoroso. Também nunca tinha visto tanto sofrimento na lida diuturna com um desejo que não dá trégua, incessante ir e vir de uma coisa que termina sempre na mais evidente frustração, tal qual Sísifo e sua pedra, que sobe e desce na eterna repetição do mesmo.

Além de carregar esse instrumento insaciável e incontrolável, cuja garantia de prazer, ou de gozo, estará sempre 'para além', em outro lugar, nenhures, como diria G. Rosa, o protagonista - magistralmente vivido por Michael Fassbender que, além de uma interpretação soberba, aprimorou o corpo para servir ao personagem, além de ser bem dotadíssimo para exercer tal função -, o personagem, então, ainda tem de carregar uma irmã muito estranha, cheia de problemas aparentemente sérios, que se aloja em seu apartamento e sugere uma relação também nada fácil com o irmão, quiçá levemente incestuosa, vivida por uma excepcional Carey Mulligan. Ela, a irmã, canta, quer ser cantora, e uma noite nós a vemos e ouvimos interpretar uma New York, New York como jamais, ever, se ouvira antes - absolutamente pungente em seu ritmo lentíssimo e belíssimo - será a Mulligan mesmo cantando, terá sido sua voz a paralisar o tempo, fazer rarefeito o espaço, o ar, como se nada mais importasse enquanto os sons e o semblante e os olhos e o sorriso de Mona Lisa... Momento absolutamente perfeito, todos somos um naquelas lágrimas do irmão. Filme magistral, magnífico - e tristíssimo em sua encenação de uma afetividade humana estéril, vagante e impossível. Mesmo no final, quando a mesma moça do metrô o olha - ele a seguirá? dará em algum porto, agora?
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Para ler uma crítica-crítica mesmo, do filme, ver aqui:
http://www.guardian.co.uk/film/2012/jan/12/shame-film-review-fassbender
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segunda-feira, 12 de março de 2012

Albert Nobbs

Albert Nobbs traz uma uma temática que carrega outra nas costas de modo soberbo: trata das dificuldades inerentes a ser uma mulher e precisar trabalhar na Irlanda do século XIX, razão por que os personagens de Glenn Close e Janet McTeerse travestem-se de homem - a primeira como mordomo, a segunda como pintora de paredes.

Glenn compõe um homem contido, sério, nariz com uma maquiagem impressionantemente bem feita, extremamente expressivo no olhar, nos gestos; já a mulher-que-pinta de McTeerse faz o gênero mais masculinizada - e aí entra o outro tema, sutil mas presente na narrativa: as relações desses dois com o amor das mulheres sugerem dois tipos diferentes de homoerotismo. Para a personagem de Glenn as coisas são mais difíceis, afinal ela já quase nem se percebe mais mulher, tentando os galanteios clássicos para impressionar a mocinha serelepe e vigarista, que quer dele mais a grana do que o afeto; o Hubert Page de McTeerse é um homem mais bruto, já casado e aparentemente feliz com uma moça tipo 'mulherzinha', de modo que paira um pouco no ar um certo estereótipo: por um lado, a 'mulher-macho' casada e impondo-se como dominante na relação; por outro, a 'mulher-delicada', que não sabe bem como vai contar à outra sobre seu 'segredo' (e não vai precisar, afinal).

De todo modo, o filme é ótimo e prende muito em função da atuação magistral de Glenn Close, num trabalho de detalhes, nuances, força e concentração. Se ela não ganhou o Oscar é porque 'a outra', quando está no páreo, não deixa pedra sobre pedra, mas que merecia, merecia.

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sexta-feira, 9 de março de 2012

W.E.

O que achei muitíssimo interessante no filme da Madonna - W.E. - é haver uma perspectiva feminina exposta com muita inteligência, ou seja, não é um filme de mulherzinha ou que toma o lado da mulher empunhando bandeira, mas também trata dessas questões - tanto da mulherzinha, quando de mulheres quaisquer, inclusive das que apanham do marido, ou se submetem a eles de modo vil e acachapante, naquele tipo de dependência psicológica que quase todas nós  conhecemos, seja por a termos vivido, seja por termos visto em alguém muito próximo.

Além disso, ela consegue entrelaçar as vidas da moça comum, apaixonada pela história do rei inglês que abdicou do trono para ficar com a mulher amada, com a história que essa mesma moça fantasia, e também com a História real, vista em pequenos documentários ao longo do filme, além de manter as rédeas firmes sobre o desenrolar de uma nova história de amor para essa mesma moça-apaixonada-pelo-amor. Enfim, filme ótimo - crítico, sentimental, histórico, ficcional, inventivo, inteligentemente construído, de uma expertise como cineasta que me surpreendeu.

O final do filme é perfeito, dentro do esquema clássico das histórias de amor, e a música é mesmo ótima. A escolha da atriz Abbie Cornish para fazer a protagonista contemporânea é um super achado porque além de lindíssima, tem o rosto angelical perfeito para a 'falsa mocinha' que ela representa. A Wallis de Andrea Riseborough também funciona muitíssimo bem, embora meio anoréxica, mas se olharmos a princesa atual, então está bem de acordo com o figurino real. Aliás, os figurinos são lindos, igualmente. Vaiar o filme, como li que ocorreu em Veneza, é puro e simples preconceito. E garanto que os comentários dos jornalões são todos feitos por homens, que pontificam há séculos sobre o que é ou não bom cinema, difícil para eles engolir essa produção.
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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Tão forte e tão perto

Em Fortaleza, para consultas médicas e algum sofrimento, mas tudo bem agora, já fui ao cinema ontem e vi um filme absolutamente comovente, ainda explorando de modo novo a hecatombe do 11 de setembro, numa história visceralmente emocionante, dura, que fala sobre o amor incondicional entre pai e filho, e entre mãe e filho também. Nunca havia visto uma forma de amar-em-família ser explorada de modo tão visceral. O menino (Thomas Horn) está presente todo o tempo em cena, tarefa hercúlea que ele realiza com brilhantismo, não menos do que o Max von Sydow, que não fala uma palavra e faz a mágica de ser intenso e nos fazer compartilhar tudo que seus olhos e as expressões do rosto e corpo dizem, em atuação que merece o  Oscar a que concorre. Sandra Bullock e Tom Hanks amarram o elenco afiado, que levam espectadores (acho que todos na sala) a precisar de lenços, porque não há como não chorar. Muito bom, mesmo com o possível excesso de sentimentos, de que, nesse momento, gostei.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A invenção de Hugo Cabret




Um dos mais belos e emocionantes filmes sobre arte e criação, especificamente sobre a invenção da arte cinematográfica, estreitamente vinculada à capacidade de sonhar, de fazer um sonho se materializar no quadrado mágico da tela de cinema.

Terno, original, criativo, trágico, histórias que se interligam, mistérios que se imbricam em enredos às vezes singelos, às vezes intrigantes, sentimentais, tudo leva o espectador a não desgrudar sua atenção do menino que busca resolver o problema da máquina-robô, para conseguir entender o enigma do vazio afetivo, após a morte do pai.

Todo o tempo trata-se de afeto, ou sua ausência, ou como sobreviver a sua perda, como adquirir novas referências, ou seja, como continuar vivendo sem o amor real e verdadeiro, o apoio, o suporte. Encontrar saídas através das pegadas do pai, continuar escavando o mesmo objeto do desejo paterno, e também criar outros vínculos através dessa herança criativa, fazer dos sonhos a matéria de um lugar especial, de um tempo outro, e melhor - por e no cinema.

Scorcese (que faz uma pequeníssima ponta) consegue nos convencer, inteiramente, de que o cinema é uma saída feliz para o que na vida não cabe, o que nela é chato, pouco, insatisfatório, precário. E com essa magnífica invenção - seu filme, esse filme - ele faz uma das odes mais perfeitas à arte que ajudou a se tornar, sempre mais, uma prodigiosa máquina contra as limitações da realidade, um artifício capaz de superar a morte, fazendo ressurgir das cinzas o que aparentemente findara - calor, vivacidade, eloquência, beleza, vida, enfim. Há muito não via uma realização tão completa, e tão tocante.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Millenium forever

Revendo hoje Millenium - Os homens que não amavam as mulheres acabei gostando ainda mais, porque da primeira vez não havia entendido direito a relação entre o patriarca, vivido por Christopher Plummer, e a menina desaparecida, Harriet.

Desta vez, achei a Rooney Mara, a hacker que ajuda o personagem do Daniel Craig, maravilhosa. Aliás, ambos têm uma química muito boa no filme, são duas estranhezas que funcionam muito bem durante todo o tempo. Ela é demais - saí da sala com nostalgia de ser uma marginal completa, de ser hacker, de dominar totalmente os segredos da computação, ser uma vingadora implacável contra estupradores e serial killers. Enfim, ela me lembrou a Nikita francesa, aquela do primeiro filme, que depois foi vilipendiado pelos imitação barata norte-americana. Desta vez, porém, parece essa indústria fez melhor do que a primeira versão do filme, sueca, mas não vi essa versão, nem li nenhum dos livros da trilogia.

De todo modo, filme ótimo, em que as duas horas e meia quase não são sentidas. Gostei de tudo: dos atores - todos estão bem, todos, desde a Robin Wright (sem Penn, hélas), passando pelo Plummer, sempre excelente, até os dois protagonistas, que investigam o desaparecimento da menina. Daniel Craig me impressionou, mesmo com alguns biquinhos ele convence e demonstra segurança até o final. Gosto de um certo ar de desdém que ele sugere e que combina com o personagem e com sua parceira; gosto do jeito meio duro com que ela, Lisbeth Salander - minha nova "ídala" - pisa, do jeito duro com que fala (com seu estuprador, por exemplo), ao mesmo tempo em que os olhos são meiguíssimos, suaves, doces. Gosto do jeito punk dela (embora não curta punks, nem a cultura punk, na vida real), das tatuagens, da calça lá embaixo, da camiseta impossível de tão rasgada com a qual ela conhece seu futuro companheiro de investigação - gosto desse ser todo torto que ela construiu: é perfeito, e a atriz é perfeita em sua caracterização. Até ficar loira e bonita no final lhe cai bem.

Enfim, acho que vou ver de novo, ao menos pra ficar no ar condicionado enquanto a canícula de 40 graus não passa. E também pra ter certeza de que é a letra M que ela usa pra assinar, no final, o pacote com o presente que daria àquele impossível amor. Por que M?
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domingo, 4 de dezembro de 2011

Três filmes, e Lars: Um dia; Inquietos; A chave de Sarah

Um dia: Anne Hathaway está muito bem, apesar de ninguém do filme parecer vinte anos mais velho, nem mesmo Jim Sturgess com cabelos prateados ao final parece que envelheceu. Ah, o filme é bom, mas longo demais, o roteiro desanda a horas tantas, não tem mais história pra contar, até o final abrupto e realmente chocante - tive a impressão de que todo mundo levantou da cadeira um pouquinho ao mesmo tempo na mesma hora. Esse final me pareceu mais impactante do que o parto de Bella, que fez alguns espectadores desmaiar, dizem, por causa dos efeitos das luzes - nem percebi tais luzes, mas nesse filme, sim. Não é bem uma luz, é um som. Caracas. Não quero dizer mais nada sobre o final, mas o filme todo fica um pouco diferente por ele, pelo menos eu li com mais interesse a história daqueles dois, que leva vinte anos do encontro inicial até sua mais feliz realização. Esse final também me pareceu o indicador mais forte da teoria do caos aplicada à vida. E sua aleatoriedade.

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Inquietos: todo o tempo, mas todo o tempo mesmo em que Henry Hopper está na tela eu via dois-em-um, o filho e o pai, Dennis Hopper, um ator inquieto, cuja morte me parece ainda hoje estranhamente inusual, numa espécie de condensação do tema: a inclinação pela morte do personagem, sua semelhança com o pai real, mas re-editado com um semblante agora doce, meigo, jovem e lindo. A protagonista  cumpre seu destino com serenidade, e a excelente atriz Mia Wasikowska transmite uma aceitação de suas últimas semanas na vida de forma, eu diria, estóica, zen, mesmo alegre, fruindo o inesperado amor de modo vorazmente doce. Amei o filme, os dois, o modo de ser de ambos, os caminhos, o amor difícil e belo, o figurino (vintage?), sobretudo dela, a encenação toda, o enredo. Nunca a morte foi tão tranquila e leve no cinema.

PS. Outro dia revi na televisão um outro filme de Gus Van Sant de que não havia gostado no cinema, Paranoid Park, e desta vez gostei muito, achei delicado, forte, nada chato - outra pessoa assistira àquele filme, naquele tempo anterior. Que coisa, essa é uma das facetas da grande arte, acho - nos força a mudar, a vê-la.

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A chave de Sarah: Forte, tocante, imperioso ver novos ângulos mostrados para a eterna questão do holocausto, com atuação marcante de Kristin Scott Thomas e da atriz mirim francesa, Mélusine Mayance, que faz Sarah menina. Um lado pouco conhecido (para mim) da colaboração francesa com as forças de ocupação nazistas. Muito bom filme, história, reconstituição, e o final meio redentor toca intensamente o espectador.

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Li que Melancolia ganhou o prêmio de melhor filme do ano do European Film Awards. Merecidíssimo. Lars não compareceu, a irmã o representou. Acho uma pena tão grande esse enorme cineasta ter tido a infelicidade de falar uma bobagem numa entrevista, por ele mesmo reconhecida como uma espécie de tagarelice tola, daquelas que se fala para 'épater' num evento espetaculoso como o de Cannes, e passar a ser indigitado por todos a partir de então. Se ele pelo menos tivesse falado a sério, mas era pura mis-en-scène em palavras, eu acredito que foi mesmo uma tirada infeliz. Enfim, tomara que ele continue fazendo filmes ótimos e grandiosos, que enriquecem o cinema e quem ama essa arte.
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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Tiranossauro

Tiranossauro: filme porreta, porrete, porrada, com também muitos porres e todos os derivados e correlatos. Filme cheio de ira e fúria e dor e violência. Filme que trabalha escaneando a solidão, o emparedamento de todos os personagens, mas sobretudo dos dois protagonistas, um homem e uma mulher, vividos magistralmente por Peter Mullan e Olivia Colman, dignos de toda reverência que tiveram em Sundance pela atuação impecável.

Acho importante dizer que os protagonistas são um homem e uma mulher, porque ambos vivenciam experiências de violência específicas a cada um dos gêneros.

(Nesse sentido, por acaso sentei ao lado de um casal de jovens aparentemente apaixonados, pelas mãos nas mãos etc, e num certo momento na história há uma cena especialmente - como direi - escatológica, em que o marido comete uma violência contra a mulher dormindo. A maior parte dos espectadores ri - não me perguntem como sei que eram risos masculinos, pareciam e acho que eram. Mas disso tenho certeza, pois ocorreu a meu lado:  o namorado da moça riu com vontade, e ela deu-lhe uma bronca zangadíssima, largou a mão dele e ainda fez-lhe uma preleção sobre o que vimos - tudo isso percebi meio de banda, olhando a tela ao mesmo tempo, pois, como se sabe, podemos fazer muitas coisas ao mesmo tempo).

Então, há uma violência específica aos gêneros, mas ao fim e ao cabo restam expostas essencialmente vidas humanas dilaceradas por vicissitudes, reveses, situações desesperadoras, mas também que buscam uma saída para estar na vida, para usufruí-la pelo tempo que lhes/nos cabe, pelo tempo que lhes/nos resta. Um filmaço, absolutamente indispensável.

(Obrigada, caríssimo Egídio, esse filme eu vi por indicação sua).

Trailer aqui.

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sábado, 10 de setembro de 2011

dois filmes

Um conto chinês: obra prima obra prima obra prima. E além de tudo, ri-se bastante. O Darin é mesmo um enorme ator, ele se reinventa, mantendo os mesmos belíssimos olhos. Mas a graça maior do filme está no roteiro, no modo como esses dois se acham e não conseguem se livrar um do outro, por honestidade atávica, em um, e necessidade mórbida, em outro. A mistura de acaso e necessidade gera um tempo de puro deleite diante da tela, com o surplus de uma personagem feminina cujos anseios são quase o de todas nós - ficar pertinho do Darin ::))
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O Wagner Moura está impagável n'O homem do futuro, um dos grandes trabalhos em cinema do moço, além do capitão Nascimento, claro. O filme diverte à beça, é bem feito, as atrizes estão ótimas: Alinne me surpreendeu e a Maria Luisa nem parece aquela atriz sem graça que de vez em quando aparece na TV (eu só a vejo raramente na TV). Acho que nossos melhores atores gostam da tela grande, fazem muito bom cinema, e nossos três maiores atores quase sempre acertam na telona, acho que estão cada vez mais maduros artisticamente: Wagner, Selton (aliás, vi o trailer de Palhaço e acho que vai ser um grande filme) e Lazaro dão show.

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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Melancolia - e um PS

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Magnífico. Belíssimo. Magnificente. Esplendoroso. Contundente. Estranho. Duríssimo. Comovente. De uma beleza exacerbada. De uma dureza exacerbada. Com uma fotografia estranha, pura obra de arte. Com atrizes absurdamente convincentes, e entregues, e dolorasamente compartilhando aquele mundo em vias de extinção. De uma beleza atordoante - tudo é belo: a música, os cenários, os animais, os lugares, os planetas vistos do alto e através das lunetas, as roupas, ela nua no rio entregue ao que virá, que por ora está acima, e em cima. O tom do filme é dramático, e épico também, quando o fim do mundo se aproxima, mas um épico à capella, o que quer que isso signifique, mas minha percepção é de que tudo é intensamente vivido pela protagonista como 'a inevitabilidade do devir', algo vai corroendo-a enquanto o bólide avança. É Nitzsche puro, também. Não há perdão, não há salvação, não há 'bondade' - tudo doi e tudo é magnífico ao mesmo tempo. Filme imprescindível, obra prima, a rever a rever a rever. Quando a nostalgia da grandeza bater.

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PS: Hoje é dia 15 de agosto, segunda feira, e volto para dizer o seguinte: por vários dias seguidos fiquei muito perturbada com os ecos dessa história em minha mente, ou talvez do filme todo. Uma capa leve de neblina encobria minha alegria e eu via distante, longe, com certa angústia, o encontro dele com a Terra, tudo se esfumaçando muito rapidamente, eu e todos virando ashes (tu és pó e ao pó retornarás...). Só posso inferir duas coisas (no momento): ou estou muito vulnerável, ou o filme é bom mesmo e por isso fica, permanece em nós naquilo que ele tem de intransigível: sua profunda desesperança. Não sei se seria uma boa idéia revê-lo.
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sábado, 6 de agosto de 2011

Conversa fiada

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Ia ver Melancolia hoje, mas acabei de babysitter de Gabriel, que ressona alto na cama ao lado. Muita expectativa em relação ao filme, gente odiando, outros amando, só vendo pra saber, mas acho que vou gostar muito.

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Meu amigo Philip Seymour Hoffman fez um filme muito simpático - Vejo você no próximo verão -, que dirige, protagoniza e coproduz, e acho que fez tudo direitinho, sobretudo atuar. É bom vê-lo encenando um personagem gauche, mas que transpira sinceridade e bom caráter. Ele o faz parecer natural, embora cheio de dificuldades para se entender com a garota complicada com que ele topou e se dispôs a amar. Terno e difícil - dois adjetivos para ambos, filme e esses dois personagens. Na verdade, o outro casal também vive suas asperezas - comos quase todos nós, em suma.

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Assalto ao Banco Central achei ótimo, com alguns momentos 'brancos', é verdade, mas na maior parte do tempo é cheio de ação, vibrante, os atores dão show, todos eles, e merece todo sucesso. 

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Ri muito com Cilada.com, filme esperto, no melhor sentido, com boa história e bem feito, e não acho muita graça em comédia, em geral não rio de quase nada, mas a turma que acompanha o Bruno Mazzeo (que já foi meu aluno em menino, nossa) capricha e faz um ótimo trabalho. Gostei muito mais do que da patética segunda edição do Se beber não case, por exemplo, um horror absoluto. 

 
That's all, beloved ghosts.
 
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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Potiche e um certo modo de ser e envelhecer

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Postiche é uma experiência cinematográfica muito interessante - uma das impressões mais fortes é ver aquela dupla impagável, ícones da história do cinema francês, e pensar: são bichos de cinema, ambos, Catherine Deneuve e o onipresente Gérard Dépardieu. Sabem tudo de big screen, namoram a tela, fazem amor com ela, seduzem e se deixam seduzir pela câmera. Há momentos em que tenho a íntima sensação de que eles filmam entre eles, para eles, curtem horrores toda aquela coisa.

E o filme é uma produção francesa avant la lettre, tudo respira um certo modo de ser francês: o modo de tratar o adultério, o jeito blasé da atriz e da personagem de Catherine, o gostar dos pequenos prazeres da vida, de que a cena final me parece antológica, não apenas dessa particularidade, mas do cinema ele mesmo - ali se revela o caráter de encenação da coisa, e também se percebe uma homenagem não só aos dois atores, mas ao cinema francês. Senti todo o tempo que Ozon fez o filme para homenagear esses ícones e, de algum modo, o cinema francês. A música que Catherine canta, olhando diretamente no olho do espectador ao final, eu leio como uma brincadeira, uma homenagem a todos que estamos vivos, amadurecemos e queremos continuar na festa da vida, com alegrias e conquistas.

Ela já foi lindíssima, está com o rosto um tanto deformado pelo botox; ele está barrigudo excessivamente - mas ambos continuam sendo uma referência de arte, de empenho por um ofício, de uma certa história de cinema de que compartilhamos em grande medida. O olhar cúmplice para a câmera e o sorriso maroto nos irmana - sim, a vida ainda pode ser muito bela, a despeito de nossas imperfeições, do tempo e suas marcas - as boas e as nem tanto,  ambas indispensáveis para o ser que somos hoje.

Filme adorável, ça va sans dire.
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segunda-feira, 18 de julho de 2011

O homem ao lado, com spoilers

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De tudo que vi em O homem ao lado, parece que o importante ocorre mesmo no final. Toda a conversa que permeia o filme inteiro, os vaivéns dos personagens em torno daquela janela, tudo parece querer chegar a esse final imprevisível, como a vida é imprevisível. Indecidível: ele  deixa o homem morrer e resolve seu problema? Vai subindo a escada para abandoná-lo ou para pedir ajuda? O telefone ocupado da ambulância ajudou a consciência culpada do homem, deu-lhe a justificativa de que ele precisava para deixá-lo morrer? Ele morreria de qualquer modo, antes mesmo de a ajuda chegar? Por quanto tempo suportará aquele homem a culpa por ter deixado o outro morrer, sem muito esforço para impedir e/ou ajudar alguém que tomou um tiro porque foi proteger a filha do vizinho contra três assaltantes armados?

Ficamos no final pensando que aquele desfecho foi uma armação para atingir nossos corações de morte. E nos lembrar que a vida é frágil e breve e num átimo tudo se evola.
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Quanto a Blue Valentine (horrivelmente traduzido para Namorados para sempre, argh), muito emocionante aquela luta insana contra o fim de uma relação de dois jovens que se casaram basicamente porque ela ficou grávida, e nem era dele, talvez, e as vicissitudes da vida, os sonhos irrealizados, a frustração, o perrengue das coisas que não avançam, o cotidiano que vai comendo pelas bordas todo  encanto, todo o frescor que fecundara antes a vida de ambos. Como é triste e melancólico esse filme, como trabalham bem tanto a Michelle Williams, quanto o Ryan Gosling, ela dá um show de interpretação e tem um dos narizes mais lindos do cinema - acho que natural, quase certa disso.

De todo modo, falo do nariz dela para disfarçar a tristeza enorme que esse filme carrega. É muito bom, mas muito triste. E também porque vejo muito perto de mim uma paisagem semelhante a essa via sem saída.  

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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Contracorrente

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Contracorriente é um poema, um poema fílmico narrativo, um drama cheio de intensidades e suavidades, a nos falar sobre os imprevistos dos acontecimentos em nossas vidas – entre eles viver num povoado de pescadores, ser um deles, ou seja, um homem simples, Miguel, um ser casado e, no tempo recortado pela história, em relativo estado de graça com a chegada do primeiro filho, que ele chama Miguelito.

(Meio como Dona Flor e seus dois maridos, que não cabia em si tantas intensidades de seus vários sentires – os cheiros, os aromas, as formas do corpo, os desejos intensos – tudo era excessivo para o ser simples que ela era, daí não se conter (e não se poder contar) apenas na nossa humana realidade, soía dar vazão a outros campos de existência, que chamamos sobrenatural, para neles viver tantos e múltiplos desejos).

O pescador ama sua mulher, de modo simples e verdadeiro. Vai à igreja, joga bola com os amigos, outros pescadores, todos-bem-homens, e tem mesmo uma certa ascendência sobre eles, pois “encomenda” almas ao Senhor, parece ser bem ouvido pelas bandas do altíssimo. Mas eis que desejo e amor não pedem licença para se apossar de alguém, e eles vêm de um modo singelo e avassalador na figura (bela, por sinal) de um pintor, Santiago – outro homem nem tão simples, mas ainda assim um homem comum, só que pinta, desenha, fotografa – expressa-se. E ama, ama com paixão de homem-que-se-entrega-a-outro-homem sem muitas firulas, sem dramas ou culpas. Tudo flui com naturalidade na existência desse amor, até mesmo o fato de terem um esconderijo entre as pedras mar adentro, onde se encontram de verdade – as cenas de amor entre eles estão entre as mais belas e tocantes em sua força e singeleza.

E então acontece o que ocorre em todo amor profundo: ele quer sempre a primazia, ele se quer inteiro e não aos pedaços.

Na dá ou desce da nova situação, a saída é uma escapadela pelo sobrenatural, porque no plano real não há saída. E tudo caminha numa integridade tão bonita, tudo soa tão de acordo com a singeleza e o caráter daqueles homens, tudo é tão verdadeiro. Faz um bem enorme ver esse filme, porque nos fala de um amor como uma canção de amor nos fala – ele é uma canção de amor, e seu final só nos diz como é impossível fugir do que não tem mais jeito de dissimular / E que nem é direito ninguém recusar – por isso, todos estão ali, são atraídos pela força daquela existência insofismável: para testemunhar, para homenagear, para dizer: sim.
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quinta-feira, 7 de abril de 2011

A vida secreta das palavras

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E há ainda um filme soberbo que vi no Telecine Cult - A vida secreta das palavras. Zapeando sem som, como sempre faço enquanto espero o sono, vi o Tim Robbins numa cama, todo queimado e de olhos fechados, e uma moça a sua cabeceira - a atriz Sara Polley, em atuação contida, magnífica em sua simplicidade -, com um jeito e sobretudo um olhar tão, mas tão solitário que parei, liguei o som e vi essa obra lindíssima de 2005 da diretora Isabel Coixet. Marquei na agenda e voltei na terça para revê-lo desde o começo.

Trata-se também de um filme sobre como sobreviver a perdas dolorosas para ambos os personagens, e igualmente sobre crimes de guerra inconcebíveis para a razão humana, de uma crueldade devastadora, revelados em tom íntimo e particular, sussurrados quase ao ouvido do homem em sua cama de doente. Tudo é feito em tom menor, os rostos é que vão revelando a magnitude e o peso das palavras que formam a história abissal daquela mulher. Robbins vai contraindo as feições, chora, ela também (nós choramos) e entendemos tudo: ela jamais terá um lugar ameno no mundo, jamais descansará inteiramente, não com aquelas lembranças.

O filme é deslumbrante, os atores fazem um trabalho de tecelões - de gestos, entonações, olhares, movimentos em ritmo lento, palavras tratadas com cuidado e uma espécie de devoção pelos que sobrevivem a destroços tão lancinantes. Fiquei com ela, a Hanna, longo tempo depois do filme, nos dias seguintes, e mesmo agora, quando falo dele, percebo que também aprenderia a nadar um oceano inteiro para ajudá-la a viver e quem sabe a parar de chorar.

Em tempo: ótima atuação da Julie Christie em pequeno papel .
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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cinema em pedaços 3

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Feliz que minha mãe esteja viva:
Não me tocou muito, mas achei que falou bem e forte a todos os "sem mãe" - ou seja, não apenas aos abandonados concretamente pela figura materna desejada, mas aos enjeitados em geral, sobretudo por conta da energia que emana do rosto do personagem-filho-abandonado: há dor e rancor em sua expressão e uma impossibilidade palpável de ser feliz quando se tem a percepção aguda de não ser amado pela mãe.

Não me abandone jamais:
Tão estranho esse filme, lembrando vagamente Blade runner (mas tão distante de seu projeto estético e de seu doce aceno utópico) por conta dos seres criados para cumprir uma função, que terminam por se encantar com a vida humana e, sobretudo, com o sentimento do amor. O que fica difícil de aceitar é a passividade dos três personagens jovens, nunca fica claro porque eles não mandam tudo às favas e se mandam daquele destino prescrito, até porque sentem tudo que todos sentem, além de que a Carey Mulligan dá vontade de abraçar, confortar, proteger, não existe mais fofa personagem - e atriz. Já a Keira aparece estranhíssima em termos físicos, meio anoréxica e isso se adequa talvez ao modo como sua personagem termina - é possível que sua atuação e corpo estejam exatamente como seria necessário aos propósitos meio trágicos do filme. Eu gostei de ver, mas é um filme tristíssimo, dos mais tristes ever.

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terça-feira, 5 de abril de 2011

Cinema em pedaços 2

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Em um mundo melhor:
Belíssimo filme do começo ao fim, impactante também, forte, com histórias tocantes tanto na atividade do médico em país africano devastado pelas guerras de gangues e ditadores desmesuradamente violentos (de uma violência bruta contra a mulher, violência sexual inimaginável), como nas atividades escolares dos filhos em outras guerras, de outras gangues. Muitíssimo bem feito o pararelo entre a barbárie de lá e de cá - são mundos diversos, níveis diferentes de violência, mas são violências desmedidas em ambos os mundos. Atuação magistral desse ator, Mikael Persbrandt, e também dos meninos, ambos ótimos e absolutamente convincentes. Melhor filme de todos, e mais visceral.

Esposa de mentirinha:
É o mesmo Adam Sandler de sempre, e a sempre bela Aniston, ambos fazendo o que já fizeram outras vezes, em outros filmes. Mas a gente presta atenção e se distrai bem com eles.

Cópia fiel:
Nunca bocejei tanto assistindo a um filme, acho que bocejei do começo ao fim, mas não dormi. Achei difícil sustentar o interesse num conflito dramático suportado basicamente pela conversa entre um homem e uma mulher - mesmo que ela seja Juliette Binoche e ele seja um belo William Shimell.

O que achei mais interessante é que não se trata de discutir o que é cópia e o que é real - discussão, aliás, pra lá de bizantina desde, digamos mais recentemente, "this is not a pipe", de Magritte, ou o Warhol da sopa Campbell, ou toda história da arte, talvez, que sei eu? De todo modo, não é isso o mais interessante, embora seja o mais visível tema, uma espécie de conversa (a)fiada para tratar do que realmente está em cena: a tentativa vã e desesperada da mulher em busca do amor daquele homem. Para mim, o filme trata da impossibilidade de fazer o outro amar alguém a despeito dos esforços exaustivos nesse sentido.

Reconheço que a fusão final do tema da cópia na situação concreta que eles vivem (ou cujas situações ela  vai impondo) vai acontecendo de modo sutil até tornar esfumaçado o casal que houve, ou podia ter havido, e o que se projeta - mas de todo modo o que se lê ao longo daquele 'conversório' todo é uma demanda intensa e integral daquela mulher por amor.

Aliás, uma visão de mulher muito chatinha (e de mãe também), e bem de acordo com a interpretação que ela propõe ao mostrar uma escultura na praça em que uma mulher se recosta ao ombro do homem - para a personagem de Binoche, haveria uma ascendência da figura masculina protetiva sobre a figura feminina. A partir daí, as coisas vão ficando imbricadas e no final não há como decidir se ambos formaram ou não um casal real - o que não tem a menor importância. Importa mais perceber o que a torna cega, ou o que ela não aceita jamais: ele não a quer, não a deseja, todo o tempo isso me parece sublinhado, mas não para ela, que insiste, insiste. Confesso que achei meio patético.
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