Pois é, depois de ler a resenha da Renata Miloni na Copa de literatura (ver site ao lado) sobre os livros da Cíntia Moscovich e do Daniel Galera, eu tinha decidido que nenhum dos dois havia me seduzido e não os compraria, mas aí veio o resultado parcial da seleção do prêmio Portugal Telecom 2007 e o livro da Cíntia estava entre os dez, daí fui saber por quê. E só posso entender a escolha em virtude de que é muito, muito difícil criticar o livro da Cíntia, porque ele tem uma qualidade que não constitui um valor literário em si, mas que torna difícil sair isento de seu universo: a sinceridade. Parece que a autora se entregou a esse projeto com a visceralidade de uma aposta de vida ou morte, e o personagem não poupa a mãe, ao contrário, a mãe é efetivamente a megera da estória, aquela que detonou o amor dos filhos (o amor pelos filhos), descrita como egoísta, mesquinha, perdulária, enfim, ninguém precisa aqui de madrasta má.
Vai-se lendo aquela enxurrada de confidências e de despautérios dirigidos a essa mãe, sobretudo, mas também a uma família e uma tradição duríssimas com a criança que a personagem-narradora foi. A uma certa altura, dá um pouco de constrangimento por estar sendo cooptado a ver, bisbilhotar e, de certo modo, situar-se como voyeur e mediador daquelas cenas 'domésticas', espécie de 'lavagem de roupa suja' em público que, muito raramente, consegue ir além da confidência pessoal.
Ser ou não ficção importa menos do que o pacto de sinceridade que a narradora estabelece com seu leitor, mais que isso, pacto de cumplicidade, como se essa escandalosa sinceridade pudesse avalizar não apenas o que ela diz, mas o texto que o diz - sua obra. Além disso, que mulher-leitora, sobretudo, com quilos a perder, não tem contas a ajustar com uma mãe omissa de amor, com uma família repressora ou com uma tradição obsoleta, nas costas de quem jogar os excessos do corpo que compensam a parca vida dos afetos?
Enfim, penso que as qualidades do livro de Moscovich estão mais no que ele tem de apelo aos sentimentos mais primitivos do leitor (nesse caso, os conflitos na relação mãe/filha), e menos no jogo com a literatura.
____
Moscovich, Cíntia. Por que sou gorda, mamãe? Rio de Janeiro: Record, 2006.