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quinta-feira, 15 de abril de 2010

C'est fini

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Enfim, teminei o trabalho. Dei por encerrado o texto ontem, às duas da manhã.

Gostei mais do que fiz agora, antes estava detestando escrever tanto, há anos não fazia isso, e gostei bem da parte final, das conclusões a que chego. Creio que adquiri uma compreensão mais clara e mais firme da obra de Hilst - dura, bela, trágica, forte, sem concessões, embora ela tenha alardeado outra coisa com as obras eróticas - mais pilhéria do que verdade, uma dentre tantas peças que ela gostava de pregar, pois não faltou humor a essa artista, na vida e na obra, e de todo tipo, o escrachado sendo o mais praticado.

Amo quase tudo que ela produziu, e se tiver de escolher hoje quais obras de sua vasta produção me parecem indispensáveis, não hesitaria: A obscena senhora D, O caderno rosa de Lori Lamby e Estar sendo. Ter sido. Está tudo aí, de uma beleza única.

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quinta-feira, 1 de abril de 2010

No trampo

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Serve outro poema objeto de trabalho e ralação? Então aí vai:

IV

E bebendo, Vida, recusamos o sólido
O nodoso, a friez-armadilha
De algum rosto sóbrio, certa voz
Que se amplia, certo olhar que condena
O nosso olhar gasoso: então, bebendo?
E respondemos lassas lérias letícias
O lusco das lagartixas, o lustrino
Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos
E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho.
Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me
Na noite navegada, e rio, rio, e remendo
Meu casaco rosso tecido de açucena.
Se dedutiva e líquida, a Vida é plena.

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Hilda Hilst. Alcoólicas. In: Do desejo. São Paulo: Globo, 2004, p. 102.
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sexta-feira, 12 de março de 2010

Teologia natural - HH

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Teologia Natural

A cara do futuro ele não via. A vida, arrremedo de nada. Então ficou pensando em ocos de cara, cegueira, mão corroída e pés, tudo seria comido pelo sal, brancura esticada da maldita, salgadura danada, infernosa salina, pensou óculos luvas galochas, ficou pensando vender o que, Tiô inteiro afundando numa cintilância, carne-de-sol era ele, seco salgado espichado, e a cara-carne do futuro onde é que estava? Sonhava-se adoçado, corpo de melaço, melhorança se conseguisse comprar os apetrechos, vende uma coisa, Tiô. Que coisa? Na cidade tem gente que compra até bosta embrulhada, se levasse concha, ostra, ah mas o pé não aguentava o dia inteiro na salina e ainda de noite à beira d'água salgada, no crespo da pedra, nas facas onde moravam as ostras. Entrou em casa. Secura, vaziez, num canto ela espiava e roía uns duros nos molhados da boca, não era uma rata não, era tudo o que Tiô possuía, espiando agora os singulares atos do filho, Tiô encharcando uns trapos, enchendo as mãos de cinza, se eu te esfrego direito tu branqueia um pouco e fica linda, te vendo lá, e um dia te compro de novo, macieza na língua foi falando espaçado, sem ganchos, te vendo, agora as costas, vira, agora limpa tu mesma a barriga, eu me viro e tu esfrega os teus meios; enquanto limpas teu fundo pego um punhado de amoras, agora chega, espalhamos com cuidado essa massa vermelha na tua cara, na bochecha, no beiço, te estica mais pra esconder a corcova, óculos luvas galochas é tudo o que eu preciso, se compram tudo devem comprar a ti lá na cidade, depois te busco, e espanadas, cuidados, sopros no franzido da cara, nos cabelos, volteando a velha, examinando-a como faria exímio conhecedor de mães, sonhado comprador, Tiô amarrou às costas numas cordas velhas, tudo o que possuía, muda, pequena, delicada, um tico de mãe, e sorria muito enquanto caminhava.
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Hilda Hilst. Teologia natural. In: Rútilos. São Paulo:Globo, 2003, p. 29-30.

quinta-feira, 4 de março de 2010

a grande dama - Hilda, claro



Nesse momento, estou às voltas com esse poema - alguém já disse como é difícil escrever?

I

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois, nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés da ganir diante do Nada.

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Hilda Hilst. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004, p. 17.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

muda e quieta

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Até final de abril não posso nem fingir passo de dança fora do salão, ou seja, de castigo no milho até ter alguma coisa decente escrita sobre a poesia de Hilda Hilst.

Enquanto isso, caso vocês tenham interesse por questões teóricas relacionadas à poesia e ao poema, esse curso oferecido por Carlito Azevedo no Portal Literal é muito bom:

http://portalliteral.terra.com.br/oficina/oficina-poetica-on-line

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terça-feira, 24 de junho de 2008

Para você



E em homenagem a você, minha querida viajante, aí vai o excerto de uma crônica de dona Hilda Hilst, datada de 04 de outubro de 1993 e publicada em Cascos & carícias (São Paulo: Nankin Editorial, 1998, p. 64).
Pra você ver como ela era boa e como a situação do país sempre foi esse lixo:


O arquiteto dessas armadilhas

Uma das coisas que mais me chateiam nisso de escrever crônicas é a quase obrigação de ser sempre pra cima, vivaz, alegrinha, ou então estar sempre em dia, na crista, notícias cintilantes... Ser sempre interessante como se todos fossem inteligentíssimos, profundos, finos, cultos, delicados... E se eu quiser falar do tempo do foda-se, da estupidez que grassa desmedida no País, do costumeiro engodo dos políticos em relação ao povo, se eu quiser perguntar sem parar, por exemplo, onde é que estão aqueles canalhas que roubaram bilhões e bilhões da Previdência, onde é que eles estão, hein? Estão em suas celas, com seus bidês de ouro, jogando bilboquê com suas bolotas de diamante? Bilboquê é do tempo do foda-se, mas como roubar também o é, não peco por incongruência em minha crônica. E no mais profundo da crise, ao invés dos líderes se unirem para a reconstrução do País (reconstrução, sim, porque está tudo despencando nas águas da boçalidade), há cisões nos partidos, pavões abrindo seus leques e exibindo feios dedões, perus enraivecidos regurgitando... Gente! O País não aguenta nem mais um ano se os homens inteligentes não se unirem sem ressentimentos, sem vaidades, sem egoísmo, para levantá-lo! E o que é essa baboseira de nos empurrarem goela abaixo que toda polícia do mundo não encontra o senhor PC? Mas o que é? O homem é feito de matéria quântica? De neutrinos? Atravessa paredes, não tem massa e só é visto quando colide com algum alguém, como no caso do jornalista? [ ... ]

Ah, tempos tão hoje, tão nossos. Parece que os homens inteligentes desistiram, ou estão muito ocupados bolando o plano mais astuto para pilhar o país, com letra minúscula, viu Hilda?
x
x
ps. a foto da hilda peguei no http://www.releituras.com/hildahilst_bio.asp


segunda-feira, 12 de maio de 2008

um poema - ainda HH

Um poema 'levezinho' da Hilda Hilst:

XIX

Se eu soubesse
Teu nome verdadeiro

Te tomaria
Úmida, tênue

E então descansarias.

Se sussurrares
Teu nome secreto
Nos meus caminhos
Entre a vida e o sono

Te prometo, morte,
A vida de um poeta. A minha:
Palavras vivas, fogo, fonte.

Se me tocares,
Amantíssima, branda
Como fui tocada pelos homens

Ao invés de Morte
Te chamo Poesia
Fogo, Fonte, Palavra viva
Sorte.

Da morte. Odes mínimas. São Paulo: Ed Globo, 2003, p.47.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

poemas de Hilda Hilst

Só agora me dei conta de que não há poemas de Hilda Hilst aqui no meu blog. Não havia!

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Sobre a tua grande face

Honra-me com teus nadas.
Traduz meu passo
De maneira que eu nunca me perceba.
Confunde estas linhas que te escrevo
Como se um brejeiro escoliasta
Resolvesse
Brincar a morte de seu próprio texto.
Dá-me pobreza e fealdade e medo.
E desterro de todas as respostas
Que dariam luz
A meu eterno entendimento cego.
Dá-me tristes joelhos.
Para que eu possa fincá-los num mínimo de terra
E ali permanecer o teu mais esquecido prisioneiro.
Dá-me mudez. E andar desordenado. Nenhum cão.
Tu sabes que amo os animais
Por isso me sentiria aliviado. E de ti, Sem Nome
Não desejo alívio. Apenas estreitez e fardo.
Talvez assim te encantes de tão farta nudez.
Talvez assim me ames: desnudo até o osso
Igual a um morto.


In: Do desejo, Sobre a tua grande face. São Paulo: Ed. Globo, 2004, p.111)

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 I 

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bicho dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A vida é líquida.


(In: Do desejo, Alcoólicas, id, ib., p. 99)
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I

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.

(id, ib, p. 100)

IX

Se um dia te afastares de mim, Vida -- o que não creio
Porque algumas intensidades têm a parecença da bebida --
Bebe por mim paixão e turbulência, caminha
Onde houver uvas e papoulas negras (inventa-as)
Recorda-me, Vida: passeia meu casaco, deita-te
Com aquele que sem mim há de sentir um prolongado vazio.
Empresta-lhe meu coturno e meu casaco rosso: compreenderá
O porquê de buscar conhecimento na embriaguês da via manifesta.
Pervaga. Deita-te comigo. Apreende a experiência lésbica:
O êxtase de te deitares contigo. Beba.
Estilhaça a tua própria medida.

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Do desejo, Alcoólicas, id., ib, p. 107)

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Passagens de Hilda Hilst

Pra onde vão os trens meu pai? Para Mahal, Tamí, para Camirí, espaços no mapa, e depois o pai ria: também pra lugar algum meu filho, tu podes ir e ainda que se mova o trem tu não te moves de ti.  (Tu não te moves de ti, SP:Globo, 2004:132)

... faço-te o enorme pedido deste aviso: ama somente o que te é parecido, não grudes à tua carne a espuma do pensamento de outro homem, liga-te a um dos nossos, não engulas a pérola, se um punhado engolires de castiça qualidade, punhado ou uma, ainda assim na manhã uma a uma, pelo buraco de trás sairão todas.  (id,ib: 95)

Uma vez um menininho foi colher crisântemos perto da fonte, numa manhã de sol. Crisântemos? É, esses polpudos amarelos. Perto da fonte havia um rio escuro, dentro do rio havia um bicho medonho. Aí o menininho viu um crisântemo partido, falou ai, o pobrezinho está se quebrando todo, ai caiu dentro da fonte, ai vai andando pro rio, ai ai ai caiu dentro da fonte, ai vai andando pro rio, ai ai ai caiu no rio, eu vou rezar, ele vem até a margem, aí eu pego ele. Acontece que o bicho medonho estava espiando e pensou oi, o menininho vai pegar o crisântemo, oi que bom vai cair dentro da fonte, oi ainda não caiu, oi vem andando pela margem do rio, oi que bom bom vou matar a minha fome, oi é agora, eu vou rezar e o menininho vem para minha boca. Oi veio. Mastigo, mastigo. Mas pensa, se você é o bicho medonho, você só tem que esperar menininhos nas margens do teu rio e devorá-los, se você é o crisântemo polpudo e amarelo, você só pode esperar ser colhido, se você é o menininho, você tem que ir sempre à procura do crisântemo e correr o risco. De ser devorado. Oi ai. Não há salvação. Calma, vai chupando o teu pirulito. Eu queria ser filho de um tubo.  (In Fluxo-Floema, 19-20).

Leia o resto na fantástica coleção da Editora Globo da obra completa de Hilda. Também leia o belíssimo ensaio de Eliane Robert Moraes "Da medida estilhaçada", publicado nos Cadernos de Literatura Brasileira, Fundação Moreira Salles, onde ela parte dessa parábola e encaminha uma leitura do erotismo na obra de Hilst analisando três figuras fundamentais do imaginário literário da autora: o desamparo humano, o ideal do sublime e a bestialidade.